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II

Eu e meu pai procuramos fósforos, velas, lanternas e pilhas. E tudo que fosse necessário para sobrevivermos à noite fria.

Já minha mãe se preocupou em arranjar cobertores, travesseiros e qualquer coisa que fosse para nos deixar confortáveis e aconchegantes.

- Mamãe, estou com medo. – Sophie agarrou o vestido florido da mamãe a seguindo por todo o lado. Os trovões haviam começado a clarear o céu.

- Thomas fique com sua irmã. – Ordenou.

Ela precisava correr pela casa para arrumar as coisas, mas Sophie não ajudava. Percebi irritação em sua voz quando passei pela cozinha antes de chegar ao meu quarto.

- Vem Sophie. Vamos brincar. – Ele puxou a mão dela, mas ela se recusou a largar o vestido da mamãe.

- Não quero. Vou ficar com a mamãe. – Sophie cruzou os braços emburrada.

- Olha filha. Se você for brincar com seu irmão, eu deixo você comer a sobremesa antes do jantar. – Faltava pouco para ela ceder. – O quanto quiser. Sorvete. – Sophie abriu um sorriso largo seguindo Thomas ao correr pela cozinha e pela sala com os braços abertos, como se fosse um avião ou um pássaro voando aleatoriamente.

- Pai, já encontrou algumas? – Gritei ao procurar em baixo da minha cama.

- Duas lanternas e dois pacotes de velas. E você? – Gritou do quarto deles.

- Achei três pacotes de pilhas e duas caixinhas de fósforo. – As caixinhas fizeram barulho quando eu a chacoalhei repetidamente.

Como nossa família acampava na mansão sempre que conseguiam tirar alguns dias de folga, por precaução, sempre deixávamos espalhados acessórios que pudessem ajudar caso acontecesse algum incidente, e pelo visto, mamãe quis que nos preparássemos para o pior.

- Acho que tem mais lanternas no sótão. – Comentou segurando uma sacola com as coisas que encontramos.

- Quer que eu pegue? – Peguei meu travesseiro branco e meu cobertor roxo da cama seguindo para o corredor.

- Só tome cuidado. – Alertou ao testar as pilhas nas lanternas, deixando que algumas rolassem pelo piso de madeira.

- Tá bom. – Deixei minhas coisas no chão e puxei a cordinha presa ao teto no fim do corredor, fazendo uma escada descer devagar.

Apoiei bem a escada no chão para que não subisse sozinha. Procurei pela corda da luz e finalmente conseguia enxergar. O local estava todo empoeirado e a cada passo que eu dava, fazia com que a madeira velha rangesse mais e mais forte.

Muitas coisas velhas estavam espalhadas, minha mãe não usava, mas também não jogava fora, esse era seu lema.

Revirei os olhos.

Mais dois passos e encontrei duas caixas de papelão. Uma delas estava escrito lanternas.

Feliz, abri encontrando mais cinco lanternas e dois pacotes de pilhas. Carreguei uma lanterna com as pilhas me certificando que estava funcionando.

- Oba! – Exclamei feliz. Na outra caixa estava escrito fotografias.

Isso não era hora de ver fotos, mas minha curiosidade era grande e a puxei para perto de mim. Prestes a abri-la ouvi um grito de Sophie. Corri até a escada e a força havia acabado. Voltei correndo até as lanternas. Tropecei caindo aos pés das caixas ralando o joelho em algum lugar.

Ainda bem que eu não tinha medo do escuro, porque olha... Aquele sótão era bem tenebroso, mas tão tenebroso que nem o palhaço mais assustador de Stephen King ficaria sozinho aqui em cima, ainda mais sem energia.

Correndo pelas escadas quase caí tropeçando em meus próprios pés. Jogaram uma luz forte nos meus olhos, onde fui obrigada a cobrir com o braço. Era papai preocupado com o barulho e com a gritaria de Sophie e, provavelmente, de mamãe. Vi Sophie agarrada a minha mãe que aparentava estar mais irritada. Thomas brincava perto da lareira com as peças de xadrez.

- Ainda bem que voltaram. Evan acenda a lareira, por favor. – Ele abriu a porta para pegar lenha, até que um vento bem forte fechou a porta fazendo um barulhão.

- Não vá. Por favor. – Implorei puxando seu braço.

- Se eu não for vamos congelar de frio. – Ele deu um passo abrindo a porta mais uma vez. Uma jorrada de vento foi lançada em nossa direção, cobrimos nossos rostos com as mãos e papai lutou para sair sem olhar para trás.

- Mãe! Se ele for eu vou junto. E como o Max deve estar? – Meus olhos estavam arregalados de medo e angustia.

- Não ouse se mexer. – Ordenou minha mãe com um olhar feroz. Recuei fechando a porta vendo papai desaparecer pela neblina.

- Mãe... – Sussurrei sem tirar meus olhos da janela.

- Ele vai voltar. – Ela acendeu algumas velas grossas pela cozinha e pela sala, clareando o ambiente deixando Sophie e a todos nós mais calmos.

Vi Thomas jogar xadrez...

- Vai continuar jogando sozinho? – Zombei olhando para o estábulo. Eu só queria saber se Max estava bem. Mordi o lábio colando minha testa no vidro úmido e gelado, sem piscar fiquei na expectativa de ver meu pai voltar.

- Me ajuda com o jantar? – Perguntou minha mãe. Sem muita escolha e vencida pela derrota, assenti indo até ela.

- O que você quer que eu faça? – Assim, pediu para que eu cortasse uma cebola e ralasse uma cenoura. – Vai fazer abobrinha recheada? – Ela sorriu. Sophie veio até nós cobrando seu sorvete.

- Você prometeu! – Sophie cruzou os braços emburrando a cara. Não teve como segurar uma risada. Mas minha mãe foi mais esperta e disse que ela poderia comer mais depois do jantar. Ela saiu da cozinha brava com uma única colher de sorvete.

- Que maldade. – Mamãe sorriu exibindo uma fileira de dentes brancos.

- Você era igual a ela. Ainda mais com seu pai. – Meu pai... Terminei de fazer o que ela tinha pedido e voltei à janela vendo meu pai correr em busca de abrigo.

- Nossa que chuva está lá fora. – Ele se sacudia soltando a lenha no pé da porta. Corri para ajudá-lo.

- Ele está bem? – Papai sabia de quem eu falava e assentiu com a cabeça.

Depois do jantar resolvemos ficar na sala ao lado da lareira. Sophie dormiu no meio da mamãe e do papai. Resolvi jogar xadrez com Thomas.

Não sabia o que era pior, não ter energia na casa, não ter televisão na sala ou não ter internet em qualquer lugar da mansão.

- É assim que joga Thomas. – Fiquei com as peças pretas, movi o cavalo e ele começou a fazer uma barreira de peões. – Você está ficando bom nisso. Quase conseguindo me ganhar.

- Quase? – Ele olhava para o tabuleiro franzindo a testa, pensando ser aqueles jogadores de xadrez asiático que te fuzila com apenas um olhar.

- Xeque-mate. – Roubei seu rei acabando com o jogo. – Quer jogar de novo? Deixo sair na frente, como sempre. – Zombei com um meio sorriso observando Thomas desistir de sua carreira no xadrez.

- Não vou jogar com você até arranjar outra estratégia. – Thomas levantou emburrado batendo os pés, seus pequenos pés descalços, apenas com meias.

- Aonde você vai? – Minha mãe estava deitada com meu pai em seu colo, perguntou preocupada levantando a cabeça.

- No banheiro. – Thomas pegou uma lanterna em cima da mesinha de centro que estava encostada ao lado da janela revirando os olhos.

Todas às vezes que eu o derrotava no xadrez, Thomas sempre corria para se esconder de vergonha. No começo era engraçado, mas agora eu ficava preocupada. Ele não poderia sumir numa casa enorme sem energia.

- Você podia deixá-lo ganhar uma vez. – Comentou minha mãe alisando os cabelos de Sophie.

- Mas aí não seria justo. E ele não melhoraria a cada partida. – Baixei os olhos, ela estava certa. Eu era a irmã mais velha. Deveria apoiá-lo.

- Vai vê-lo onde está. Por favor. – Levantei indo em direção ao banheiro.

Prestes a voltar e avisar mamãe que Thomas não estava no banheiro, vi uma luz embaixo da mesa. Levantei a toalha e me escondi junto a ele.

- Como sabia que eu estava aqui? – Eu responderia que ele não sabia se esconder direito, mas preferi dar outra resposta.

- Eu sempre vou saber onde você está. Sou sua irmã mais velha. É meu dever cuidar de você. – Sorri me aproximando dele.

- Mas você me venceu no xadrez... de novo. – Ele mantinha a cabeça baixa.

- É porque quero que seja melhor e me vença. Não seria justo deixar você pensar que ganhou apenas por capricho. Ou você quer me vencer de verdade? – Pousei meus dedos em seu queixo, o fazendo erguer a cabeça para me encarar. – E você está bem melhor que antes. A partida demorou bem mais. Aposto que da próxima vez você vai quase me vencer.

- Quase? – Me olhou rindo.

- Vamos ver. – Sorri. – Que tal mais uma partida? Te ensino uns truques, mas se quiser eu deixo você me vencer. – Zombei bagunçando seu cabelo.

- Não. Seria jogar sujo. – Ele me ajudou a sair debaixo da mesa. – Você está muito grande para se esconder aí embaixo. – Sorri pegando em sua mão.

- Xeque-mate. – Odeio perder, mas dessa vez eu venci bonito.

- De novo não. – Lamentou Thomas se jogando para trás deitando no chão cobrindo os olhos com as mãos.

- Foram dez minutos a mais. Eu fiquei apenas com uma torre, um bispo, a rainha e o rei. Jogou bem. Estou orgulhosa. – Minhas mãos não resistiram, tive de bagunçar seu cabelo outra vez, mesmo que odiasse isso.

- Odeio você. – Joguei um travesseiro em sua cara.

A casa estava silenciosa demais, quase um calmante natural para dormir. Meu pai já estava no décimo sono, junto a Sophie e minha mãe.

Olhei a paisagem pela janela, não tinha coisa melhor do que cheiro de terra molhada e ouvir aquele barulho, nossa...

Horas se passaram e a luz ainda não tinha voltado. Adormeci ao lado de Thomas, tendo a certeza que ele quase me abraçou, mas ele nunca admitiria.

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