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III

O barulho do meu pai cortando lenha me acordou, Thomas e Sophie dormiam e minha mãe fazia o café da manhã. A chuva tinha cessado, mas os estragos estavam por todos os lados.

- Parece que passou um furacão. – Comentei coçando o olho ao sentar na banqueta do balcão.

- Ainda bem que só parece. – Ela sorriu me entregando uma xícara de chá quentinho naquela manhã fria.

- Será que vamos conseguir fazer a fogueira? – Puxei a manga do moletom aquecendo minhas mãos.

- Espero que sim. Voltaremos para casa amanhã. – Devorei minhas torradas saborosas.

- Está cortando a lenha para montarmos a fogueira? – Sorri esperançosa quando encontrei papai ao lado de fora da casa.

- Espero que não chova ou teremos que montar uma fogueira artificial na lareira. – Meu pai gargalhou. Ele era tão bonito quando ria. Era simples, era apenas meu pai.

- Você fica bem de azul. – Comentei.

Ele usava uma calça de moletom azul escura e uma camisa de manga longa branca. Seus olhos e cabelos castanhos claros combinavam com os de Thomas. Seu cabelo era um pouco comprido, mas ainda assim era muito bonito. – Vou ver se Max está bem. – Caminhei pela grama molhada com os pés descalços.

Era uma sensação incrível, sentir a natureza sob meus pés.

Pouco tempo depois cheguei ao estábulo, abri a porta dando de cara com Max. Tão forte quanto os trovões que ouvimos na noite anterior.

- Quem decide passar o aniversário de quinze anos no meio do mato? Pois é. Sou eu. – Acariciei seu pelo. – E sabe, não me arrependo. Gastar mais de vinte mil numa festa, qual é. Não estou ficando maluca. Prefiro ir viajar a ficar ao lado de familiares falsos que só aparecem em festas por causa do dinheiro. E só se aproximam se tivermos algo a lhe oferecer. – Revirei os olhos penteando os pelos do Max, como se ele pudesse entender exatamente o que eu dizia.

- Não acredito que estou desabafando com um cavalo... – Esbocei um pequeno e simples sorriso. Max baixou a cabeça fazendo leves movimentos, talvez fosse uma retribuição de abraço.

- Desculpe por ontem. Sua primeira noite aqui já sofrendo. Sinto muito. – Olhei em seus grandes olhos intimidadores. Era tão lindo. Uma escuridão que faria qualquer pessoa se perder. Era uma mistura de galáxia com infinito. Se é que isso existe.

- Vamos dar uma volta? – Prendi a cela ao seu corpo, abri a porta o puxando pela rédea. Voltando a sentir o gramado em meus pés, subi no dorso de Max.

Ele apenas trotava, ensinei alguns truques, mas nada muito complicado para uma primeira vez. Demos algumas voltas em volta da mansão abrigada em meio as árvores. Voltamos aquele lugar que eu tinha visto alguém, ou achava que tinha...

O amarrei numa árvore para poder caminhar por um tempo sozinha. O dia começava a esquentar, com o sol passando pelas árvores iluminando meu caminho. Deslizei meus dedos no tronco de uma árvore velha.

A natureza sempre foi e sempre será a melhor coisa do mundo. Não que isso vá me fazer morar na rua, usa sapatos de homem, ter o cabelo cheio de dreads e conversar com prédios como uma maluca. Apenas uma cuidadora das obras de Deus.

- Nancy! – Ouvi alguém me chamar. – Nancy! – Outra vez. Corri esbarrando numa árvore que arranhou meu braço. Olhei para trás e parecia que novamente eu tinha visto alguém. Eu não poderia estar ficando louca.

Não desta vez!

Montei em Max e bati meus pés para que voltássemos correndo a mansão. Quando chegamos o deixei livre das rédeas dando liberdade para conhecer sua nova casa.

- O que houve? – Perguntei ofegante com as mãos apoiadas no joelho tentando recuperar meu fôlego ao entrar em casa.

- Como você se afasta desse jeito? Não sabe que pode acontecer qualquer coisa por aí? – Minha mãe me repreendia em seu tom autoritário. – Você precisa avisar da próxima vez.

- Desculpe. É que eu acho que vi alguém lá fora... – Os olhos de minha mãe se arregalaram.

- Alguém? Como assim? Viu alguém andando por aí? – Seus olhos transmitiam medo ou talvez insegurança, se bem que havia seguranças por toda a parte, seria quase impossível alguém adentrar a propriedade.

- Eu acho... – Abaixei os olhos. Thomas nos observava sem dizer nada.

- Evan pode ir conferir. Não é possível alguém entrar. Isso é invasão. – Esperamos meu pai voltar sentados no sofá.

- Não vi ninguém. Tem certeza que viu alguém? Como ele era? – De testa franzida perguntou papai um pouco hesitante.

- Não. Eu disse que acho que vi alguém. Uma sombra, talvez fosse a minha, não sei ao certo. – Baixei a cabeça brincando com meus dedos sob meu colo pela confusão que havia causado.

- Não quero que volte para lá sozinha. – Mamãe beliscou meu braço.

- Eu estava com Max. – Contestei massageando meu braço fazendo cara feia, por mais que não tenha doído.

- Ele é um cavalo. Não a polícia. Estamos entendidas? – Concordei voltando ao jardim. – Espero mesmo.

Sem permissão para explorar o mundo a minha volta, esperei a noite chegar sentada no jardim observando o sol se pôr junto com a claridade que iluminava o céu.

A noite chegou junto com a lua e as estrelas, parecia diferente o cheiro da grama molhada, aproveitamos a trégua da tempestade da noite anterior e fizemos uma fogueira em frente à mansão. Max se deitou ao meu lado, mamãe trouxe uma bacia de marshmallow e espetos de madeira, papai pegou seu violino e tocou uma melodia calma e ao mesmo tempo depressiva.

Engraçado como uma simples melodia podia mudar sua vida ou guardar momentos por um longo tempo.

Acompanhei a fumaça que subia e se perdia no céu, me deparando com o pico das árvores que se moviam pelo vento que dançava entre nós.

Voltei meus olhos a minha família. Thomas tinha seus pensamentos perdidos, Sophie devorava todo marshmallow que via a sua frente e mamãe encarava vidrada papai tocar com seus dedos mágicos, ágeis e delicados.

Meu mundo ficou em câmera lenta. Percebi que ele tocava Everdream – Epic Soul Factory.

   

Como ele conseguia arranjar tanta harmonia? Sorri vendo a paz que tínhamos naquele momento. Acariciei a cabeça de Max, no qual se achegou mais perto de mim. Acho que criamos uma conexão.

Sophie adormeceu ao lado de Thomas, papai tocava outra canção, mamãe continuava a observá-lo e eu não queria que aquela noite acabasse tão rápido.

A noite era como uma melodia sem fim. Adormeci ao lado de Max acreditando que o melhor estava por vir. E o melhor começaria naquela noite.

- Nancy meu amor. Hora de irmos. – Falou mamãe chacoalhando meu corpo para que enfim acordasse.

Arrumamos nossas malas, ajudei a levá-las até o porta-malas do SUV. Ao fechá-lo pude sentir que algo estava diferente e não era por eu estar mais velha, mas sabia que tinha algo a mais, só não sabia ao certo o que poderia ser.

- Tchau Max. Vou sentir muita saudade. – Meus olhos já começavam a ficar marejados, deslizei a manga da minha blusa em meu rosto e passei uma última escovada em seus pelos. Max me olhava de um jeito meio triste, não era coisa da minha cabeça. Eu sei que ele também não queria que eu fosse. Mas onde eu iria deixá-lo? – Eu volto no fim de semana. Prometo que passaremos o tempo todo juntos. O abracei bem forte e pude sentir como se ele retribuísse.

Dizem que os animais sentem a nossa falta, tem pressentimentos sobre o tempo e sobre as coisas que nos rodeiam. E deixá-lo sozinho era de partir o coração.

meu coração.

- Preciso ir. – Pela fresta da porta vi seus grandes olhos pela última vez implorando que eu ficasse apenas por mais alguns segundos.

- Coloquem o cinto. Segurança é tudo. – Falou mamãe ao prender o cinto dos meus irmãos. Ela sentou-se no banco da frente colocando o dela. Papai trancou a casa e em seguida se juntou a nós.

- E o Max? – Perguntei meio bolada. – Vamos voltar fim de semana né? – Pelo retrovisor do carro ele encontrou meus olhos verdes.

- Eu prometo. – Me assegurou sorrindo, retribuí com um meio sorriso. – Luan vai cuidar dele. – Assenti voltando meus olhos à janela.

Luan era o rapaz que cuidava da propriedade enquanto não estávamos. Ele ficou encarregado de cuidar de Max. Sorri ao imaginar Max fugindo sem deixar Luan domá-lo. Era um cavalo bem difícil, mas era um bom cavalo. Nem meu pai conseguiu montar nele. Talvez a sombra que eu tivesse visto fosse de Luan...

Mas não fazia sentido, meu pai conversou com ele, no qual alegou que estava na cidade aquele momento.

Pode-se dizer que eu era meio caidinha por ele, um pouquinho... Corei ao pensar nele, com aqueles cabelos escuros despenteados. Mas ele nunca notou minha presença, para ele eu era praticamente uma irmã caçula, mesmo tendo só três anos de diferença.

Revirando os olhos aqui.

Em uma das festas que demos na mansão, ele ajudou como segurança na entrada, quase não notava minha presença, de fato não notou que eu ficava rondando só para chamar sua atenção, mas ficava vidrado nas mulheres mais velhas e foi aí que percebi que eu realmente era uma irmã caçula boba, com um amor platônico.

Às vezes conversávamos, mas nada de longa duração. Resumindo, ele era apenas o ajudante e eu a atrapalhada.

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