Thomas colocou os fones de ouvido. Sophie adormeceu ao nosso lado. Minha mãe apoiou sua mão no ombro de meu pai, parecia que isso o acalmava. E eu voltei a ver a paisagem mais maravilhosa do mundo pela janela.
Meus amigos diziam que eu era muito otimista sobre todas as coisas que me cercava e que às vezes isso chegava a ser irritante. Mas sabe de uma coisa? Eu não me importava! Meu mundo era colorido ao extremo e não deixaria me afetar por palavras.
Tanto que quando estou com amigos ou familiares eu prefiro dar atenção a eles do que ficar presa a um celular, igual aquelas meninas nojentas da escola. Eu curtia a internet, só não era uma viciada.
Por que conseguimos sentir que algo vai acontecer? Por que tudo tem que ser tão difícil e complicado? Sabe à sensação eu sentia há alguns minutos atrás? Ela voltou com mais intensidade. Meu coração se acelerou com forte desconforto.
Meus olhos voltaram à expressão preocupada de mamãe e pelo retrovisor notei papai suar de nervosismo. O que não era boa coisa.
Passamos por um carro quebrado e conseguimos desviar de um animal morto na estrada. Na curva demos de cara com o farol bem forte em nossos olhos. Papai jogou o carro para a direita, depois esquerda e a buzina de ambos os carros soou forte em nossos ouvidos.
Meu mundo parou, minha vida passou pelos meus olhos, cada momento, minuto e segundo passou em câmera lenta. Thomas e Sophie gritavam. Mamãe deu uma última olhada em meu pai antes de fechar os olhos. Pude ver perfeitamente uma lágrima escorrer de seu olho, sua mão não saiu do ombro de meu pai, nem mesmo naquele momento. Pelo retrovisor papai me olhou bem nos olhos uma última vez e em seguida voltou-se aos olhos de mamãe. Meus cabelos castanhos claros bateram em meu rosto turvando minha visão. Foi uma confusão inexplicável no psicológico de qualquer um.
Foi uma cena inesquecível, apertei meu colar em formato de coração com força fechando os olhos, era como se estivéssemos voando, estávamos num brinquedo que apenas girava de ponta cabeça que não tinha controle para parar.
Dizem que os animais sentem a nossa falta, tem pressentimentos sobre o tempo e sobre as coisas que nos rodeiam. E sabe de uma coisa... Ele estava certo.
Repetindo, papai jogou o carro para a direita, depois esquerda e no fim... Não tínhamos freio, não tínhamos nada, nada que pudesse nos ajudar naquele momento, a não ser a misericórdia divina de Deus. E eu implorava, implorava para que ele não tivesse se esquecido de nós.
A última coisa que senti, foi como se a natureza puxasse nosso carro para adentrar na terra de tão forte que foi a pancada até o chão. Estávamos destruídos, estávamos mortos. Mortos e destruídos.
Eu não sabia dizer qual era a sensação de estar morta, mas se eu não estivesse... Eu ia querer estar.
O meu mundo colorido não passou de um papel preto e branco, onde cada linha se apagava sozinha. E sem motivos para reconstrução.
A noite era como uma melodia sem fim. Adormeci ao lado de Max acreditando que o melhor estava por vir. E o melhor começaria aquela noite. Foi à única coisa que consegui lembrar depois de me sentir morta. E cara, eu estava muito errada. As coisas não iriam melhorar, elas iriam piorar e muito.
Minha mente era um vazio sem fim, estar morta era como se pudesse espiar todos os momentos bons da minha vida por uma fechadura.
Mamãe fazendo o café da manhã. Papai brigando pelo controle da TV que ele mesmo perdia. Ganhar de Thomas no xadrez e ver Sophie chupando o polegar ao segurar um paninho enquanto dormia.
E eu? Eu era apenas a narradora da história, aquela que observava para depois narrar os fatos. E com quem eu comentaria? Não havia me sobrado mais nada, mais ninguém.
Nem mesmo um último adeus!
- Essa ainda tem pulso. Ajudem aqui. – Meu corpo não se mexia, meus olhos não piscavam e eu só queria parar de respirar. – Vamos garota você consegue. – Um homem fazia massagem cardíaca em mim evitando que eu desistisse.
- Essa aqui também tem pulso. – Gritou uma mulher.
Ainda sem mover um músculo, fui levada para dentro da ambulância, as luzes brilhantes das sirenes embaçavam minha visão. O último movimento que consegui fazer foi abrir a mão expondo meu coração, meu pequeno coração de prata.
- Não desista garota. – Pude respirar melhor com a ajuda da mascará de oxigênio, mas sinceramente, eu não sabia até quando o oxigênio faria efeito. Uma mulher fechou minha mão a segurando forte durante todo o trajeto. – Não desista. Não desista garota.
A melodia Everdream – Epic Soul Factory veio em minha mente antes de meus olhos se fecharem.
Será que quando uma pessoa morre ela sonha?
Bom, a bíblia sempre disse que entraríamos em sono profundo, então a pergunta é... Sonhos, pesadelos ou apenas o vazio que eu sentia naquele momento?
Para algumas pessoas, a morte pode ser boa, para outras é ruim, e para as que preferem o vazio, sentem o quê? O bom ou o ruim?
Mas de todo o meu coração, eu esperava que a morte tivesse chegado para mim.
Acordei ofegante em meu quarto sem vida, no orfanato da Senhorita Bennet. Desejei que ao menos uma única vez, eu não acordasse encarando aquelas paredes mofadas.Minhas mãos se encharcaram de suor quando limpei minha testa. Acendi a luz do abajur podendo ver Thomas e Sophie dormindo. Ver o peito
Três anos depois cá estava eu. Deitada em minha cama dura, em nosso quarto frio e sem vida. Longos três anos se passaram. Nunca estudei tanto igual eu estudava nesses últimos meses. Fiz uma promessa a mim mesma que me mostraria capaz de lutar pelos meus irmãos e pela minha vida.Era ano de vestibular, minha herança estava presa e eu não sabia nem por onde começar. Se eu passasse
- Vou tentar um vestibular. Estudo há meses para isso. Tenho dezessete anos e pela lei ainda estou sob a guarda dela. E parece que ela não quer que eu estude... – Torci a boca pensando numa estratégia melhor. - Se ela descobrir... – Falou se levantando.
A hora corria e eu não tinha mais tempo, corri para fazer o vestibular. Suei feito louca, meu coração estava disparado e meu estômago revirava. Eu só tinha essaoportunidade e não desperdiçaria sendo reprovada.Quando eu voltasse ao orfanato me daria muito mal e eu não tinha muitas vidas para desperdiçar. Não me importaria com a punição, mas as vidas dos meus irm&atild
Odia do encontro com Mason chegou. Sentada na lanchonete esperei por ele. - Temos dez minutos. – Disse ao sentar-se à minha frente de cara emburrada. – O que houve com seu rosto? – Ele levantou meu queixo. O puxei para que não tirasse meu foco.
- Não. – Minha voz saiu entrecortada. – Não. Não. – Não saía outra palavra da minha boca. Eu mal podia respirar.- Vem, eu te ajudo. – Recusei sua ajuda, mas aceitei em seguida, afinal não tinha escolhas.
Entramos no elevador, era enorme e espelhado. Desviei os olhos para o senhor que não dizia sequer uma palavra. Usava um terno azul escuro e uma gravata preta. Notei que ele arrumou a grava ao engolir em seco.Cerrei os punhos de nervosismo, mal conseguia olhar para cima.
Parecia que Thomas havia regredido. Perdeu feio às duas vezes que jogamos. E ele não parecia decepcionado, o que me preocupava mais ainda.- O que aconteceu? – Perguntei arrumando o tabuleiro para uma nova partida.