A semana se iniciava. E como a maior parte dela, Bella chegava na cozinha extremamente desanimada.
- Bom dia! – O irmão a encara sorridente.
“ Como alguém podia sorrir tão cedo?” – Se perguntava.
- Bom dia. - O mau humor dela era visível.
Pegou a tigela e seu cereal favorito.
- Nada simpática você. – Brinca acostumado com o jeito estranho da irmã pela manhã.
- Acordo cedo ou sou simpática, porque os dois na mesma frase: não rola. – Derrama o leite no copo e depois o cereal.
- Calma Isabella, falta pouco... É o último ano. – Sabia que a secura dela era acarretada pelos infortúnios que sofria na escola. O que tirava o brilho da caçula.
- Será que um dia vou deixar de parecer uma extraterrestre? - Todos olhavam para ela como se fosse diferente dos demais; apenas uma menina esquisita com valores esquecidos na sociedade. - E tem mais... como podem querer que adolescentes como eu sejam estudiosos e com um bom raciocínio se nos obrigam a levantar de madrugada, quando a mente só acorda lá pelas dez.
- Não ligue para isso. - Beija a bochecha da irmã. - Quem perde são eles: você é incrível. - Começa a rir. - Madrugada? Só se for em Marte.
Como era rotina, o irmão a deixou na escola e fez o costumeiro trajeto para o trabalho.
O dia passou monótono. Entre aulas, implicâncias e muito tédio.
Antes de acabar o horário escolar, recebeu a seguinte mensagem de Cris: “ Hoje não vou conseguir te buscar. Foi mal! “
A jovem tinha seu lugar reservado na primeira fileira da sala de aula.
- Santinha... – Patrícia, conhecida como Paty parou frente a sua mesa, encarando-a com desdém. Nutria inveja e ódio gratuito por Bella. - Os deveres tão caprichados, seria uma pena eu passar e sem querer derrubar meu suco em cima de tudo. - Vira o copo e molha todo o caderno. – Ops... desculpa. – Sorriu sínica.
- Qual é o seu problema comigo garota? – Bella sentiu o sangue borbulhar de raiva.
- Estressou queridinha? Vai contar ao papai Deus. – Zombou.
- O que está acontecendo aqui? - O inspetor Mauricio se aproxima sério.
- Eu acabei derrubando meu suco nas coisas dela. – Paty se faz de inocente.
- Foi isso mesmo que aconteceu Isabella? – A encara desconfiado enquanto Paty e sua corja fuzilam Bella com os olhos.
- Foi de propósito. – Responde ao inspetor.
- É menti...
- Patrícia Albuquerque na diretoria agora! - Diz irritado.
- Isso não vai ficar assim. - Afirma e segue o inspetor.
Os olhos da ruiva se enchem de lágrimas, mas faz questão de segurar o choro. A professora de Física entra na sala e começa passar a revisão para a prova.
- Toma! – Luana, que senta ao lado, oferece algumas folhas de seu fichário.
- Obrigada!
- Se precisar de mais é só pedir. - Diz tímida como sempre.
Depois de quase três aulas se passarem, Paty entra na sala acompanhada do diretor e arruma suas coisas, mas antes de sair manda um olhar de : " Eu vou me vingar".
Isabella passa o intervalo sozinha, ouvindo música e em seu mundo paralelo afastada de todo o tumulto. A música era uma forma de escape, parecia a levar para outra esfera.
Entediada, assistia às últimas aulas. Preguiçosa? Sinceramente: um pouco.
Mas se justificava com o tal pensamento: Adolescentes bombardeados por idealizações e pressões, aprendiam muitas coisas que não iriam usar no futuro.
O sinal tocava, alertando para o término do dia de aula. Bella pega as matérias com Luana, porque o seu caderno fora molhado.
Caminha sem pressa até o centro da cidade com a intenção de comprar um novo caderno. Tem a leve impressão de estar sendo seguida. Não deu muita atenção: poderia ser apenas uma paranoia. Afinal, assistia muitas séries de suspense e perseguições.
Entrou na extensa papelaria e procurou o caderno de quinze matérias. Gostou de um específico: notas musicais estampadas na capa. Todo detalhado e delicado.
- 29,90 $ - Diz a moça do caixa.
Já estava acostumada com o preço exagerado de certas coisas. Se um estojo custava vinte, imagine um caderno.
Após comprar o material, foi em direção a estação. A jovem desatenta não havia conferido o dinheiro que tinha ao certo. Por descuido, percebeu que não teria a passagem para o metrô. Sem querer incomodar seus pais e o irmão, resolveu ir a pé.
Caminhava na mesma medida que o sol tocava sua pele, formando gotículas de suor.
Uma sensação estranha a fez apressar o passo.
- Não precisa correr santinha. – Ouve a voz de Dylan, irmão de Paty, e mais dois garotos da escola.
Ela tenta fugir, no entanto, não conseguiu ser mais veloz que eles.
- Não precisa ter medo gatinha. - Iago sorri malicioso, segurando-a fortemente.
- O que vocês querem? – Sussurrou temerosa.
- Deixa eu pensar... - Enquanto Iago a segurava; Dylan se aproxima olhando a jovem de cima a baixo - Até que você não é de se jogar fora... - Morde os lábios.
- Por favor... me deixa ir embora – Suplica.
Puxaram-na para uma rua estreita. Ficou desesperada ao constatar o quanto o lugar era deserto.
- Quem vai primeiro? - Dylan pergunta sorrindo.
- Não, por favor!! – Grita.
- Cala a boca! - A empurra fazendo com que caia no chão.
A jovem sente suas forças se esgotarem.
Dylan fica em cima da jovem e começa a colocar a mão debaixo de sua blusa. Isabella Lira se debate sem sucesso: sente uma fraqueza imensa, a ponto de desmaiar pela pancada que teve na cabeça. Com a vista embaçada, notou quando Dylan foi puxado de cima dela e homens começaram a bater nele e nos outros dois.
- Uma próxima e vocês serão mortos. – Disparou uma voz carregada de rouquidão.
Mãos fortes a pegaram. Pôde sentir seu corpo aninhado. Estava fraca demais para dizer algo ou tentar ver o rosto de quem lhe carregava; acabou deixando seus olhos se fecharem cedendo todo o peso das pálpebras.
🌻
Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado quando finalmente recobrou a consciência. Deu um pulo assustada ao observar o cômodo desconhecido. O sobressalto fez sua cabeça latejar de dor.
O quarto é grande e tem o cheiro maravilhoso de um perfume amadeirado. Prende a atenção no relógio que se encontra em uma mesinha ao lado e marca três horas da tarde.
- A bela adormecida acordou. - A porta é aberta.
Os olhares deles se cruzam. Sem sua permissão o coração bate freneticamente. Os olhos tão azuis do rapaz a analisam por completo. Que efeito era esse que " O dono do morro" causava na filha do pastor ?
- Onde estou? - Indagou confusa.
- Na minha casa. – Allan se assenta na cama. - Como você está?
- Com dor na cabeça. - Baixou o olhar - Foi você que me salvou daqueles garotos?
- Eu e meu parça. – Responde. - Vou pegar um analgésico para você. - Sai do quarto e minutos depois volta com uma bandeja contendo macarrão e suco que parecia ser de laranja. Ao lado um copo de água e uma cartela de remédios.
- Obrigada! – Sussurra. - Não posso nem pensar... o que teria acontecido se você... - Lágrimas começam a rolar pelo seu rosto.
- Fica sussa. - Lhe entrega o copo com água e o comprimido – Deve estar com fome, espero que coma macarrão sem frescuras.
Com um sorriso fraco toma o remédio e aos poucos saboreia o macarrão.
- Está uma delicia. Obrigada! – Dá um gole no suco.
- Tu conhece aqueles moleques?
- São da minha escola. – Suspira.
- E porque estavam fazendo aquilo com você?
- Porque não gostam de mim.
- E por quê? - Diz sério.
- Porque sou filha de pastor e não sou como as outras meninas de lá. – O encara.
- Mano vai para boca que horas? - Um jovem aparentando ter uns vinte anos entrou no quarto.
- Mais tarde Repolho.
- E aí mina está bem? – A encara.
- Sim, obrigada!
Ela já se sentia melhor. Allan a guiou até o carro para levá-la para casa.
- Aqui é sempre assim? – Quebrou o silêncio que estava instalado há alguns minutos.
- Como? – A fita de soslaio.
- Movimentado, som alto...
- Sempre. - Responde de uma forma transparecendo não querer assunto.
O restante do trajeto é pesado. Uma cortina de silêncio fora estendida entre os dois.
- Não ande por aquelas ruas novamente, nem sempre terá alguém por perto. – Estaciona o carro em frente a casa de Bella.
- Eu não vou. – Afirma. - Muito obrigada pelo que fez por mim hoje.
Se olham por alguns instantes. Ele desvia suspirando.
- Tchau! - Tira o cinto e sai do carro.
- Boa noite filha do pastor. - Sorri de lado.
- Boa noite dono do morro!
Bella entra em casa e como esperava não havia chegado ninguém. Tomou um banho demorado, logo após colocou uma roupa confortável e começou a passar a matéria para o caderno novo. Ao terminar, se direcionou para o piano que se encontrava no canto de seu quarto. Com delicadeza deslizou os dedos pelas teclas e começou a cantar suavemente.
- Linda essa canção! – O pai a observava orgulhoso.
- É sim. - Se levanta e o abraça.
- Vim te chamar para um rodízio de Pizza, o que acha?
- Ótima ideia!
A família se deslocou para uma pizzaria que ficava no bairro. A noite estava agradável, a lua dava seu belo show no céu estrelado.
Horas depois retornaram para a casa.
- Vou dormir, amanhã tenho que ir numa cidade vizinha cedo. – Cris esfrega os olhos sonolento.
- E a minha carona? - O encara.
- Infelizmente não vai dar para te levar e nem buscar pirralha.
- Então eu não vou na aula amanhã. – Baixou a cabeça.
- O que foi querida? – A mãe afaga o cabelo da jovem.
- Eu não quero ir naquela escola. - As lágrimas começam a descer na mesma medida que relembra o que aconteceu.
- É seu último ano. - O irmão se inclina a sua frente - O que foi agora?
Ela revela o ocorrido, deixando-os pasmos.
- Por quê não disse isso antes filha? – É abraçada pela mãe.
- Bella, não chore. – Cris se mostra irritado - Não acredito que eles tiveram a coragem de tocar em você ;se eu ver esses caras...
- Não vai fazer nada. - O pai se manifesta. – Filha, vamos dar um jeito nisso, eles não vão mexer com você novamente. Eu prometo. Confia em mim?
- Confio. – Deita a cabeça em seu ombro.
- E não quero você perto desse traficante. – Isaque ordena firmemente.
- Mas ele me ajudou. – Contrapõe.
- De qualquer forma quero você longe dele, entendeu?
Bella sente seu coração apertar. Respirou fundo e balançou a cabeça em concordância.
Minutos depois se dirige ao seu quarto. Assim que se deita seus pensamentos viajam até Allan.
- O que está acontecendo comigo? – Pensa alto.
Sem o seu consentimento " O dono do morro " entrou em sua mente e não saiu mais.
Trinta anos foi a sentença do juiz... quando Allan ouviu suas palavras e o soar do martelo sentiu como se o mundo desabasse em sua cabeça. Seriam três décadas prisioneiro. Como poderia ter esperança no mundo lá fora? Quando chegou na penitenciária, foi difícil se acostumar. Até que depois de uns meses foi para uma cela onde haviam dois homens. Um era o senhor José que roubou o banco para conseguir dinheiro para a operação de sua filha e o outro se chamava Marcos, usuário de drogas que surtou e tirou a vida da esposa e dois filhos. Durante os meses, fizera amizade com o carcereiro. Um homem evangélico que sempre que conseguia falava um pouco sobre Deus. Allan teve alguns atenuantes ao ajudar a polícia com alguns casos de tráfico, além de seu bom comportamento. Estudou dentro da prisão, completou o ensino médio e iniciou a faculdade de Direito. Seu desempenho a cada ano fazia com que sua pena diminuísse consideravelmente. O conhecimento
Algumas coisas não podiam ser desfeitas.Allan passou o trajeto reflexivo. Assim que o carro parou em frente a sua casa, virou-se revezando seu olhar entre João e Erick.- Na minha ausência vocês serão os caras de minha confiança que irão ficar no comando da comunidade.- Como assim mano? - João encara o chefe com a confusão estampada em seu semblante.- Vai ficar fora? - Erick também não entende.Allan toca o ombro de ambos.- Obrigado por tudo! – Abre a porta do veículo. – Não sei quanto tempo ficarei longe, mas sei que todos aqui estarão em boas mãos.O dono do morro se despede dos amigos e se encaminha para dentro de casa. É recebido com um caloroso abraço. Joana finalmente podia respirar aliviada.- Eu tive tanto medo de que não voltasse!! – Beija o rosto do filho.Ele esbo&cc
Allan estufou o peito. Cerrou os punhos e trincou os dentes.- Deixa a Bella fora disso e vamos resolver as coisas de homem pra homem.- E perder o melhor? – Hulk reveza seu olhar de Allan para Bella. - Quer levar sua mina daqui? Então vai ter que me matar! – Desafiou.Allan retira a arma da cintura e aponta para Hulk. – Eu não me importo em atirar em um verme como você!O traidor abre os braços. Um sorriso divertido pairava em seus lábios.- Machão. – Desdenhou. - Então mata, não vai ser a primeira vez que tira a vida de um amigo.- Tu nunca foi meu amigo!! – Allan aumenta o tom de voz.- E o Repolho? Ele era?- Não dê ouvidos a ele Allan. - Bella diz pede. A intensão de Hulk era apenas deixar ele desestabilizado.- Qual foi? Só estou faland
Allan chega em casa e rapidamente troca de roupa. Coloca um boné de aba reta e óculos escuros.Minutos depois, seus dois comparsas chegam até ele.- Trouxe as armas chefe. – João abre a mochila mostrando.- Hector falou que hoje vai ter uma festa de arromba no morro rival, festa do chefe de lá. Isso vai facilitar demais nossa chegada. – Allan comenta enquanto pega uma arma e coloca em sua cintura.Erick como sempre está com um palito entre os dentes. Vestido com uma blusa cinza desgastada e uma calça jeans levemente amarrotada.- Já marquei com Ryan e o Cris em uma rua deserta daqui; vamos nos encontrar lá e trocamos de carro. – Erick avisa – Não pode dar nada errado.- Eu sei mano, um erro e vai tudo por água a baixo. – Allan se vira notando a presença de sua mãe.A expressão de Joana é nitidamente s&
Allan saiu da boca mais cedo. Foi para casa esfriar a cabeça. Sentado no sofá da sala, recorda os doces momentos que viveu ao lado de Bella. A saudade desmedida invade seu peito.O toque estridente do celular faz com que o rapaz desperte de seus devaneios.- Allan? – Ouve a voz de Malu do outro lado da linha.- Sim. Diga!- Conversamos com o Cris. No começo ele chiou um pouco, queria comunicar a polícia. Mas explicamos a situação a ele: que acabou concordando. Já falamos com o Hector e ele topou se passar por usuário.- Beleza. – Allan sentiu alívio. Quanto mais ajuda tivesse seria melhor.- Vou botar no viva voz e você passa os comandos a ele. – Malu pousou o celular na mesa de centro para que os outros ouvissem.- Pode falar. – Allan ouve a voz que deveria ser de Hector.- Então mano... primeiro valeu aí! A parada &eacut
Era bem cedo quando Joana sacudiu de modo insistente o filho.Allan bufou, apertando forte o travesseiro. Vencido pelo incomodo de ser balançado, virou-se e sonolento abriu os olhos.- Qual foi mãe? – Sua voz é carregada de rouquidão.Joana o encarava com a expressão séria.- Tem visita. – Disse baixo.Allan suspirou. Após revirar os olhos demonstrando impaciência, encarou a mãe.- Quem é tão importante para me acordar tão cedo?- Malu e Ryan, disseram que são amigos da Isabella.No exato momento em que ouviu o nome de Bella, deu um salto da cama. Assim que ele entrou na sala, a amiga de Bella se levantou com os braços cruzados e olhos furiosos.- Cadê ela? – Perguntou alterada.- Bom dia, tudo bem? – Allan foi sarcástico. – O que foi?- Não seja cínico. C