Na favela existe uma frase que diz: “ Pra viver aqui tem que ser lobo, porque aquele que te abraça é o mesmo que te apunhala.”
Allan não teve uma infância como as outras crianças: seus brinquedos eram armas. Assumiu o comando do morro aos dezessete anos, após o pai ser baleado em uma invasão e falecer.
Sua vida se resumia a perigo: um dia após o outro, curtindo a vida da melhor forma possível.
Depois de deixar a filha do pastor em casa, retornou para o morro. Tomou um longo banho e depois vestiu a calça jeans recém comprada e uma regata preta. Não economizou no perfume importado. Finalizou o visual com seus acessórios de ouro.
Desce as escadas e vê a mãe sentada no sofá, assistindo novela; sorrateiramente se aproxima, assustando-a.
- Onde vai assim tão arrumado? - Franze a testa.
Dona Joana deixa de lado a novela que acompanhava para observar o filho.
- Dá um rolê por ai. – Foi evasivo.
- Sei... – Não escondeu seu desagrado.
- Fica sussa Dona Joana, não precisa me esperar.
Os holofotes era do comandante do morro que chegava no bar. Ofuscando todos os outros.
- Finalmente você chegou Allan. - Lorena disparou na direção do traficante e mordeu o lóbulo de sua orelha.
- Saca só Lorena, dá um tempo. - Se afasta dela que faz cara de indignação.
- Essa mina não desgruda de tu mano. – Hulk, seu parça desdenha.
Allan se junta aos amigos e pede uma cerveja. Erick, Repolho, Hulk e Allan conversam coisas triviais.
- A moreninha ali não tira os olhos de tu chefe. - Repolho dá um soco de leve no braço de Allan.
- Tudo quenga. – Solta e os amigos gargalham.
- Vai lá mano. - Hulk dá um gole em sua cerveja.
De modo sedutor, o rapaz pisca o olho em direção a morena que dança sensualizando para Allan.
- É... até amanhã cambada. - Se levanta e vai até a mulher.
O funk soava alto no local. Ele se aproxima da morena segurando em seus braços, trazendo-a para o lado de fora. Sem rodeios a beija ferozmente.
- Vamos para um lugar mais reservado? – Pergunta contra seus lábios.
- Claro!! – Concordou extasiada.
Allan leva a mulher para o topo do morro. Não trocou palavra alguma com ela. Não queria saber seu nome, não fazia questão de saber nada sobre ela. Apenas desejava suprir seus instintos. No entanto, a jovem de cabelos cor de fogo pairou em seu pensamento. Por um momento acreditou que fosse ela em seus braços.
- Isabella!! – Sussurrou com os olhos fechados.
- Quem é Isabella? - A morena se afasta ofendida.
🌻
O dia nascia lindamente. Bella amava contemplar o sol surgir. A brisa leve que batia em seu rosto pela manhã. Aquilo melhorava seu humor matinal.
Estava apreensiva. Como seria ir para a escola e olhar para aqueles garotos que lhe fizeram tanto mal?
Acabou de colocar seu uniforme e desceu para o primeiro andar.
Seus pais a levaram para a escola; teriam uma longa conversa com o diretor.
- Vá para sua sala; iremos a diretoria agora. – Isaque lhe abraça.
- Tudo bem. – Se despediu dele e da mãe.
Ao entrar na sala foi olhada escancaradamente pelas amigas de Paty que foi suspensa por ter derramado suco em seu caderno. Ignorou as meninas e se sentou.
- Bom dia Luana! – Abriu a mochila para devolver as folhas de fichário da menina.
- Bom dia. - Sorriu timidamente. - Conseguiu copiar as matérias?
- Sim. Muito obrigada!
As primeiras aulas se passaram. No intervalo não viu Dylan e nem seus amigos: o que a fez suspirar de alívio.
Após o sinal retornou para a sala.
- Olha aqui. - Mel entra e se achega perto dela apontando o dedo em sua direção. - Eu não sei o que você fez, mas isso não vai ficar assim. - Diz rispidamente.
- Isso o que? – A encara entediada.
- Não adianta se fazer de desentendida, por sua culpa o meu namorado e os amigos dele foram expulsos da escola. - Grita.
- Ótima noticia. Quem sabe assim eles aprendem a respeitar as pessoas. – Dá de ombros e ela vai para o seu lugar bufando.
🌻
Já era quase noite quando a jovem chegou a igreja.
- Bella. - Ryan sorriu ao ver a amiga.
Ela o cumprimentou e logo após abraçou Malu. Amava estar ao lado dos amigos.
- Seu irmão não vai vir? - Malu pergunta. Era nítido que a jovem nutria sentimentos fortes por Cris.
- Hoje não amiga. Ele ficou muito atarefado com o trabalho.
Ela cumprimenta os outros e vagarosamente sobe ao púlpito com as tablaturas. Ao poucos sola alguns louvores no piano enquanto a igreja se enche.
As horas passam e a reunião termina.
Diego, líder dos jovens, chama o grupo para uma conversa.
- O que vocês estão achando da evangelização? – Pergunta ao pessoal.
- Uma benção, é sempre bom pregar a palavra de Deus para as pessoas e acho que temos aprendido bastante com a vida dessas pessoas tão sofridas. - Samuel diz sincero.
- Quem mais quer dizer algo? - Diego insiste.
- Na bíblia há uma passagem que diz: "E disse-lhes: Ide por todo o mundo, pregai o evangelho a toda criatura." – Bella se pronuncia. -Pessoas com tantos problemas, sofrimentos... usam as drogas como fonte de escape, precisam saber que há uma salvação para elas; que há alguém que as ama.
- Fico feliz com a dedicação de vocês. - Diego comenta. - E tenho certeza que Deus se alegra com isso. A evangelização a princípio seria apenas aos domingos, mas agora terá aos sábados também.
- Você já falou com o chefão do morro? - Ryan pergunta.
- Ele mesmo sugeriu. - Diego diz satisfeito. - Que Deus o abençoe!
🌻
A semana se passou lentamente. Paty infernizava Bella há todo momento. Deixava bilhetes do tipo: “ mexeu com a pessoa ERRADA” , “ VOCÊ VAI ME PAGAR CARO”.
Bella procurava não se abater com os comentários maldosos que ela e suas amigas faziam. Tentava ao máximo se fazer de demente e não entrar em discórdias. Era uma luta diária para não deixar a insegurança adentrar seu coração.
Ela contou os dias e as horas para chegar o bendito sábado. Naquele dia em especial se arrumava mais do que o costume. Daquela vez não cometeria o erro de usar salto, optou por uma sandália baixa.
- Que ninguém olhe pra você. - Cris disse ao contemplar a beleza da irmã.
- Não exagere. – Revirou os olhos.
Os jovens se encontraram no lugar marcado. Foram separados em duplas. Bella e Malu começaram a subir juntas.
- Ainda não me acostumei com esse brucutus armados aí na frente. - Cochicha Malu.
- Não tem como se acostumar com isso.
De repente o coração de Bella se descompassa.
“ Será que vou vê-lo? O dono dos olhos azuis mais lindos que já vi em toda minha vida.” - A pergunta martelava em sua mente tirando seu sossego.
Trinta anos foi a sentença do juiz... quando Allan ouviu suas palavras e o soar do martelo sentiu como se o mundo desabasse em sua cabeça. Seriam três décadas prisioneiro. Como poderia ter esperança no mundo lá fora? Quando chegou na penitenciária, foi difícil se acostumar. Até que depois de uns meses foi para uma cela onde haviam dois homens. Um era o senhor José que roubou o banco para conseguir dinheiro para a operação de sua filha e o outro se chamava Marcos, usuário de drogas que surtou e tirou a vida da esposa e dois filhos. Durante os meses, fizera amizade com o carcereiro. Um homem evangélico que sempre que conseguia falava um pouco sobre Deus. Allan teve alguns atenuantes ao ajudar a polícia com alguns casos de tráfico, além de seu bom comportamento. Estudou dentro da prisão, completou o ensino médio e iniciou a faculdade de Direito. Seu desempenho a cada ano fazia com que sua pena diminuísse consideravelmente. O conhecimento
Algumas coisas não podiam ser desfeitas.Allan passou o trajeto reflexivo. Assim que o carro parou em frente a sua casa, virou-se revezando seu olhar entre João e Erick.- Na minha ausência vocês serão os caras de minha confiança que irão ficar no comando da comunidade.- Como assim mano? - João encara o chefe com a confusão estampada em seu semblante.- Vai ficar fora? - Erick também não entende.Allan toca o ombro de ambos.- Obrigado por tudo! – Abre a porta do veículo. – Não sei quanto tempo ficarei longe, mas sei que todos aqui estarão em boas mãos.O dono do morro se despede dos amigos e se encaminha para dentro de casa. É recebido com um caloroso abraço. Joana finalmente podia respirar aliviada.- Eu tive tanto medo de que não voltasse!! – Beija o rosto do filho.Ele esbo&cc
Allan estufou o peito. Cerrou os punhos e trincou os dentes.- Deixa a Bella fora disso e vamos resolver as coisas de homem pra homem.- E perder o melhor? – Hulk reveza seu olhar de Allan para Bella. - Quer levar sua mina daqui? Então vai ter que me matar! – Desafiou.Allan retira a arma da cintura e aponta para Hulk. – Eu não me importo em atirar em um verme como você!O traidor abre os braços. Um sorriso divertido pairava em seus lábios.- Machão. – Desdenhou. - Então mata, não vai ser a primeira vez que tira a vida de um amigo.- Tu nunca foi meu amigo!! – Allan aumenta o tom de voz.- E o Repolho? Ele era?- Não dê ouvidos a ele Allan. - Bella diz pede. A intensão de Hulk era apenas deixar ele desestabilizado.- Qual foi? Só estou faland
Allan chega em casa e rapidamente troca de roupa. Coloca um boné de aba reta e óculos escuros.Minutos depois, seus dois comparsas chegam até ele.- Trouxe as armas chefe. – João abre a mochila mostrando.- Hector falou que hoje vai ter uma festa de arromba no morro rival, festa do chefe de lá. Isso vai facilitar demais nossa chegada. – Allan comenta enquanto pega uma arma e coloca em sua cintura.Erick como sempre está com um palito entre os dentes. Vestido com uma blusa cinza desgastada e uma calça jeans levemente amarrotada.- Já marquei com Ryan e o Cris em uma rua deserta daqui; vamos nos encontrar lá e trocamos de carro. – Erick avisa – Não pode dar nada errado.- Eu sei mano, um erro e vai tudo por água a baixo. – Allan se vira notando a presença de sua mãe.A expressão de Joana é nitidamente s&
Allan saiu da boca mais cedo. Foi para casa esfriar a cabeça. Sentado no sofá da sala, recorda os doces momentos que viveu ao lado de Bella. A saudade desmedida invade seu peito.O toque estridente do celular faz com que o rapaz desperte de seus devaneios.- Allan? – Ouve a voz de Malu do outro lado da linha.- Sim. Diga!- Conversamos com o Cris. No começo ele chiou um pouco, queria comunicar a polícia. Mas explicamos a situação a ele: que acabou concordando. Já falamos com o Hector e ele topou se passar por usuário.- Beleza. – Allan sentiu alívio. Quanto mais ajuda tivesse seria melhor.- Vou botar no viva voz e você passa os comandos a ele. – Malu pousou o celular na mesa de centro para que os outros ouvissem.- Pode falar. – Allan ouve a voz que deveria ser de Hector.- Então mano... primeiro valeu aí! A parada &eacut
Era bem cedo quando Joana sacudiu de modo insistente o filho.Allan bufou, apertando forte o travesseiro. Vencido pelo incomodo de ser balançado, virou-se e sonolento abriu os olhos.- Qual foi mãe? – Sua voz é carregada de rouquidão.Joana o encarava com a expressão séria.- Tem visita. – Disse baixo.Allan suspirou. Após revirar os olhos demonstrando impaciência, encarou a mãe.- Quem é tão importante para me acordar tão cedo?- Malu e Ryan, disseram que são amigos da Isabella.No exato momento em que ouviu o nome de Bella, deu um salto da cama. Assim que ele entrou na sala, a amiga de Bella se levantou com os braços cruzados e olhos furiosos.- Cadê ela? – Perguntou alterada.- Bom dia, tudo bem? – Allan foi sarcástico. – O que foi?- Não seja cínico. C