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capítulo 2

Author: Pomelanja
No momento em que ele estava prestes a sair, o chamei.

Diogo virou o rosto, visivelmente impaciente.

— Tô com pressa. Fala comigo quando eu voltar, tá?

Coloquei o casaco nos braços dele.

— Tá chovendo. Leva isso, não quero que se resfrie.

Diogo congelou por um instante. Depois, sorriu e deixou um beijo leve na minha testa.

Passou a mão com carinho na minha barriga.

— Cuida da mamãe, tá, bebê? Eu volto logo.

Observei ele sair. E soltei um suspiro profundo, a mão descansando sobre o ventre.

— Ele nunca mais vai te esperar.

Quando abri os olhos de novo, o sol já rasgava as nuvens.

Sem hesitar, agendei a cirurgia de interrupção da gravidez.

Ao passar pelo setor de ginecologia, ouvi duas enfermeiras cochichando, os olhos cheios de brilho.

— O Sr. Diogo é um sonho. Tá mimando a esposa depois do aborto. Encheu o quarto de presentes caros, comidas especiais... até ajudou ela a lavar o rosto e a se alimentar!

— Eu vi ele colocando uma pulseira de jade bastante cara no pulso dela, com todo cuidado! Sério, onde é que a gente encontra um homem assim?

Achei que, depois de tudo, eu já teria superado.

Mas o peito ainda apertava.

Na vida passada, quando Diogo começou a me culpar, o amor dele virou gelo.

Mesmo com o testamento escrito à mão pela Sra. Rosa me garantindo o casamento, a cerimônia não trouxe nenhuma felicidade.

Depois de casados, ele mudou.

Durante toda a gravidez, nunca me acompanhou a uma única consulta.

Antonella, por outro lado, virava prioridade até quando só cortava o dedo com papel, ele corria com ela pro hospital.

No parto do Lenor, foi um pesadelo. Fiquei horas perdendo sangue, enquanto médicos e enfermeiros ligavam pra ele sem parar. Ninguém atendeu.

Naquela noite ele estava jantando à luz de velas com Antonella.

E havia deixado ordens claras: não queria ser incomodado.

Lenor cresceu praticamente só comigo.

Enquanto eu ensinava ele a falar, Diogo levava Antonella pra ver show.

Quando ele deu os primeiros passos, Diogo estava com ela, praticando patinação.

Quando teve febre alta por dias, fui eu quem passou as noites em claro.

Diogo? Estava viajando com Antonella, atrás de tratamentos pra infertilidade.

E quando voltou, ainda me acusou:

— Você não sabe cuidar do nosso filho! Por sua culpa ele ficou assim!

Um dia, quando ele disse que passaria a buscar e levar Lenor pessoalmente, achei que era o início de uma reconciliação.

Achei que ele estava voltando. Mas foi só mais uma facada.

Lenor adorava doces. Eu controlava o consumo dele pra evitar cáries.

Num desses momentos, tentei explicar, mas ele me olhou com raiva, olhos cheios d’água, e gritou:

— Você é uma mãe má! Eu não quero você como minha mãe!

— A Antonella é a pessoa mais boa e doce do mundo. É ela que devia ser minha mãe.

— Vai embora! Essa casa é minha!

Naquele momento, finalmente entendi: para eles, a estranha sempre fui eu.

Depois, sofri um acidente de carro. Fiquei estirada no asfalto, envolta em sangue.

Diogo passou por mim dirigindo, com Lenor no banco de trás.

Os dois tão parecidos exibiam a mesma expressão fria.

— Que azar. Não olha, filho. Vai que essa visão dá má sorte e afeta o bebê da sua mãe Antonella.

Aceleraram. E sumiram sem olhar pra trás.

Fui socorrida por desconhecidos.

Levavam meu corpo quase sem vida pro hospital, onde os melhores médicos da instituição lotaram a sala de cirurgia.

Apenas uma parede separava mundos.

Acima do teto, eu morria, drenada até a última gota de sangue.

Abaixo dele, eles celebravam uma nova vida, girando bastões luminosos no ar.

Reviver a morte era uma dor que rasgava por dentro.

Com o rosto pálido e a alma vazia, me afastei daquele corredor.

Foi então que virei a esquina e dei de cara com Diogo e Antonella.

Ao me ver, Diogo se assustou. Soltou, quase por reflexo, o braço que envolvia a cintura dela.

No instante seguinte, Antonella fez um gesto teatral, como se fosse desmaiar.

Diogo, alarmado, a segurou com força.

— A Antonella se machucou, como secretária dela, fiquei pra cuidar. Não pense besteira, Francisca. — Explicou, sem me encarar.

Antonella se curvou levemente, deixando a roupa escorregada revelar o que eu já conhecia:

Aquela tatuagem em forma de mordida, na mesma região do corpo.

Antes, eu teria feito um escândalo.

Hoje nada daquilo me feria mais.

Sorri.

— Imagina. Eu sei que tudo isso é pelo futuro do Grupo Bragança. Você tá se esforçando.

Diogo relaxou os ombros, aliviado, e assentiu com força.

Mas no olhar de Antonella, surgiu um brilho cruel.

Logo depois, ela mudou o semblante e puxou a manga de Diogo com delicadeza.

— Tá frio. Você pode pegar meu xale, por favor?

Assim que ele se afastou, ela largou a máscara.

Ergueu o queixo e riu com escárnio.

— Essa pose de boazinha é pra ganhar pena dele? Acha que se fizer a mártir ele vai voltar a te amar? Francisca, deixa de ser patética. Você acha mesmo que eu sou só a secretária?

Ela se aproximou, puxou o tecido até abaixo da clavícula e sussurrou:

— Olha bem. Eu e Diogo somos primeiros amores. Ele nunca me esqueceu. Você foi só o consolo que ele usou enquanto eu tava longe. Se não fosse o desejo da Dona Rosa, você acha mesmo que ele te escolheria?

Observei seu rosto, o tom forçado de superioridade, e pela primeira vez senti pena.

— Se ele te ama tanto assim, por que nunca teve coragem de enfrentar Rosa por você? Talvez porque ele nunca te amou tanto assim.

Os olhos de Antonella vacilaram.

— Mentirosa!

Num surto, com um puxão teatral no meu braço, Antonella cambaleou sozinha em direção à escada.

De longe, uma voz gritou, desesperada. Passos apressados ecoaram pelo corredor.

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