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capítulo 3

Author: Pomelanja
Diogo correu desesperado. Com o rosto pálido, no último segundo, antes que Antonella rolasse escada abaixo, ele conseguiu segurá-la nos braços.

Mantive meu equilíbrio e os observei.

O olhar de Diogo transbordava preocupação.

Antonella, com os olhos marejados, me encarou com dor ensaiada.

— Foi minha culpa. Fui imprudente, não devia ter pedido que o Sr. Diogo ficasse comigo. Me desculpa. Mas mesmo brava, você não podia ter me empurrado da escada, né?

Diogo a levantou do chão com delicadeza.

Virou-se para mim com os olhos ardendo em fúria.

— Francisca! Por que você fez isso com ela? Ela tá machucada! Se tivesse caído, poderia ter morrido! O que aconteceu com você? Quando foi que ficou tão cruel?

Sem me dar chance de responder, ele me empurrou com força.

Depois, apertou Antonella nos braços e desapareceu pelo corredor.

Minha barriga bateu contra o corrimão.

Uma dor aguda me atravessou, como uma lâmina. O suor frio escorria pelas têmporas.

Aquela sensação de estar morrendo de novo, me tomou de assalto.

— Diogo! — Gritei. — Espera!

Mas ele nem sequer olhou pra trás.

Mesmo nesta vida, em que ele não me culpou pela perda do bebê de Antonella, ainda assim ele não escolheu ficar comigo.

O sangue escorreu pela minha perna, quente e lento.

As enfermeiras correram até mim, apavoradas, e me empurraram para dentro do consultório.

O médico examinou com o semblante pesado.

— A situação é delicada. A chance de salvar o bebê é mínima.

Peguei o agendamento da cirurgia com as mãos trêmulas.

— Doutor... deixa pra lá. — Murmurei, quase sem voz.

Na vida passada, dei tudo de mim por Lenor. Mas ele nunca valorizou. Sempre esteve do lado de quem mais me feriu.

Se ele não queria essa mãe... Então, não precisava nascer de mim.

Meu coração, já em pedaços, não tinha mais espaço pra ele.

A anestesia invadiu minhas veias como gelo líquido. Fria. Silenciosa. Igual ao que eu sentia por dentro.

Quando acordei, me senti vazia. Como uma caixa aberta, sem tampa.

Tudo escapando pelo vento.

Eu sabia. O único laço entre mim e Lenor neste mundo estava desfeito.

O celular vibrou.

Uma notificação. Um número desconhecido.

A foto mostrava Diogo e Antonella.

As tatuagens no osso da clavícula, lado a lado. As mãos entrelaçadas.

Depois de tudo, ela já não se escondia mais.

Mas eu não tinha forças pra disputar nada com ela.

Sem pensar, bloqueei o número.

Três dias depois, voltei para casa.

A mansão Bragança, onde vivi por quase uma década, estava exatamente igual.

E na parede, uma galeria de fotos. Todas de mim e Diogo.

Eu era dois anos mais nova que ele.

Quando eu tinha cinco anos, fiz uma apresentação na escola. Era uma encenação de casamento de conto de fadas, e eu me casei com o Diogo no palco.

Aos doze, quando menstruei pela primeira vez, ele achou que eu estava doente. Me abraçou e chorou feito criança.

Aos quinze, perdi meus pais. Diogo pousou a mão no meu ombro e disse baixinho:

— Não tenha medo. Eu tô aqui.

Aos vinte e um, ele voltou do intercâmbio. Estava bêbado. Me beijou pela primeira vez.

E meu coração mergulhou no abismo chamado Diogo. Não sobrou nada inteiro.

...

Arranquei todas as fotos da parede.

Foi aí que Diogo voltou.

Veio na contraluz, os traços duros e a expressão indecifrável.

— Por que tirou todas as fotos?

Para sair dali sem conflito, respondi sem pensar:

— Quero reformar o ambiente.

Ele não disse nada. Apenas se sentou e começou a me ajudar a organizar os porta-retratos.

Passou um tempo em silêncio.

Então falou:

— Eu sei que você se importa comigo. Por isso fez aquela besteira... por ciúmes. Mas a Antonella tá bem. E ela decidiu te perdoar. Só pediu uma coisa.

Levantei os olhos, esperando o restante.

Ele apertou os lábios e continuou:

— Aquele vestido de noiva que a mamãe mandou fazer pra gente. Aquele das fotos. A Antonella nunca usou um vestido de noiva. Ela queria experimentar.

— Mas é no meu tamanho. — Respondi, fria.

— O dela é quase igual ao seu. — Retrucou rápido, como se já esperasse minha reação.

Sorri, amarga.

— Você sabe o tamanho dela?

O rosto dele fechou na hora.

Ficou vermelho. A voz saiu ríspida:

— Francisca, tô tentando conversar como adulto. Para com esse drama. Quem machucou a Antonella foi você. Ela só tá aceitando isso porque eu pedi, então não estraga tudo. No dia do casamento, ela vai devolver o vestido. Pronto.

— Tá bom. — Assenti.

Fui até o armário e peguei o vestido.

Tecido branco, delicado. Brilhava como luz líquida.

Rosa mandou fazer assim que soube que eu e Diogo estávamos juntos.

Foi a última coisa que ela fez antes de perder a luta contra o câncer.

Na vida passada, eu cuidei da família Bragança por ela.

Nesta, vou cuidar de mim.

Diogo recebeu o vestido com um sorriso no rosto. Saiu logo em seguida, como se tivesse ganhado um prêmio.

Uma hora depois, recebi uma mensagem de uma conta anônima.

“O vestido é meu. Ele também é.”

Junto vinha uma foto:

Antonella usando meu vestido, radiante como uma flor rara.

Diogo ao lado dela, segurando sua mão com ternura.

No canto da imagem... Um detalhe nojento. A barra do vestido manchada com um líquido escuro.

O estômago virou.

Escrevi com calma:

— Fica com tudo. É tudo seu.
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