Nem seria necessário dizer que,naquele momento, Miguel sentiu-se um perfeito idiota.
Preferiu então não tocar mais no assunto da união de seu irmão com aquela criatura fascinante.
Desviou o assunto, deixando para mais tarde o inevitável.
Enquanto isso, Joelma falava e falava deixando-o cada vez mais extasiado com o delicioso som de sua voz.
A rota do ônibus agora entrava na pequena cidade tão familiar.
O chão já não era de barro indicando que o progresso, de alguma forma, havia chegado ali.
Mas a sorveteria, a escola de ensino fundamental e o mercadinho da praça central continuavam lá.
A igreja lembrou-o das divertidas manhãs de domingo e daquele tormento para que todos estivessem pontualmente no local antes da última badalada do sino.
O desespero de sua mãe para que os dois estivessem devidamente apresentáveis ou pelo menos com os cabelos penteados e os pés calçados.
Isso sem contar o trabalho para os tirarem das camas.
Tudo isso para não serem alvo de comentários maldosos. Principalmente para não matarem sua mãe de vergonha e não provocarem um colapso no pobre padre ao revidarem com pala-vrões e gestos obscenos.
-Estamos quase chegando – observou Joelma.
Ele sabia disso. Sentiu o estomago revirar e ficou sem fôlego por um instante.
Será que havia feito a escolha certa? Questionava se fora um covarde deixando tudo para trás.
As lembranças, os amigos que tinha feito...
Por mais que pensasse e concordasse que, se quisesse reestruturar-se novamente, teria que ser ao lado das pessoas que ainda o amavam.
Essa era a questão: será que ainda o amavam após tantos anos de ausência e talvez de indiferença de sua parte.
Realmente não sabia, mas dentro de alguns minutos, iria ficar sabendo.
O ônibus parou e o ponto em que desceram estava deserto.
-Vamos, não fica longe – comentou Helena desnecessariamente.
Miguel aspirou o ar do ambiente. O sol batia em seu rosto.
Chegando em casa, percebeu o por quê de toda aquela quietude.
Então era isso! Uma festa surpresa de boas-vindas.
Na verdade, naquele momento não sabia o que estava sentindo.
Mas, com certeza, não era surpresa apesar de tudo.
Era mais uma mistura de perplexidade com uma vontade louca de sair correndo dali.
Abandonou os pensamentos e deixou-se ser cumprimentado, beijado e abraçado. Houve trocas de apertos de mãos.
Sua mãe até que tentou se controlar fazendo-se de forte, mas, desabou no momento em que lhe sorriu timidamente.
-Meu filho, eu... Eu...
A frase não foi completada por que a partir daí iniciou-se uma sessão de choro.
À mãe seguiram-se as tias e outras pessoas que pertenciam ao seu passado.
Ele gostaria muito, mas muito mesmo de ter ficado comovido e sensibilizado, mas sentia-se um impostor de alguma forma. Talvez um hipócrita.
Notou que Joelma sumira e nada de seu irmão aparecer. A festa transcorria.
Distribuiu algumas lembranças que havia comprado de ultima hora com o que o pouco dinheiro que tinha permitira.
Começou a ficar mais a vontade com a situação.
Mas onde estaria Zeca?
Chamou a mãe num canto.
-Onde está meu irmão?
-Daqui a pouco ele vem. Joelma foi buscá-lo.
Ele notou certo desconforto por parte de sua mãe.
Enquanto isso, a festa transcorria com tranqüilidade.
Com todas as buscas por novidades e os mesmos assuntos que se comentam nesse tipo de evento.
Germano empurrou a porta e deixou que Beatriz pas-sasse primeiro como mandam os bons modos e o cavalheirismo.Ela se demorou um pouco receosa. Afinal, não é agradável para uma mãe ver um filho naquele estado.-Ele está horrível – falou chorosa.Germano, como de costume, permaneceu em silêncio.-Horrível – repetiu Beatriz – A gravata está torta e o nó está todo errado!-Mãe, por favor! – protestou inutilmente Miguel.Três longos anos se passaram e as feridas que pareciam que nunca iriam cicatrizar, finalmente estavam fechando.E iriam cicatrizar.Não tão rapidamente como o ferimento causado pelo tiro que acertou o ombro de Miguel, mas seriam cicatrizadas.A vida continuou e Miguel pôde finalmente sepultar os mortos e exorcizar seus fantasmas. E agora tentaria novamente ser feliz no dia do seu próprio casamento.-Beatriz – falou finalmente Germano – deixe o garoto se arrumar em paz. Só concordei em vir até o quarto por que vo
Exatamente oito dias depois da tragédia que abalou toda a pacata cidade de Folhagem, Germano e Beatriz saíam abraçados, tristes e cabisbaixos da igreja.Foram prestigiar a missa de sétimo dia das vitimas de tão bárbaro acontecimento.No final das contas, não fazia diferença os motivos, as causas ou a maldade de cada pessoa envolvida.A morte é sempre um momento triste e solene independente de quem esteja morrendo.Toda a cidade estava enlutada e atônita.Não tinha como não ficar surpreso com toda aquela onda de violência que havia tomado de assalto a pacata cidade.E a aura de mistério que o caso havia ganhado era inevitável.Afinal, quem na verdade matou José Carlos?Teria sido Joelma com todo seu ódio incontido?Ou teria sido Aníbal tomado pela paixão e vendo a morte dos irmãos como principal estratagema para possuir seu grande amor?Talvez ninguém nunca saiba com certeza a resposta.-Nada disso importa mais. Os cul
- Muito interessante, mas impossível de ser provado – atalhou Aníbal.-A essa altura isso não interessa mais.E unindo as palavras à ação, Joelma efetuou um disparo em direção ao delegado Aníbal acertando-lhe o peito. E num movimento rápido, virou-se e disparou mais um tiro em Miguel para logo depois ela própria ser alvejada pelos policiais que ali estavam.E assim terminava uma longa trilha semeada por ódio, tragédias e ressentimentos.Terminava da única forma que poderia terminar: com sangue e sem vencedores.Aníbal, o obsessivo delegado fôra morto pela mulher que era o objeto do seu desejo.Joelma morria amargurada sem ter certeza de ter alcançado sucesso em sua sinistra empreitada.E Miguel caía vitimado pelos seus próprios erros e por aqueles que nem sabia que cometera.E perdia também a cidade de Folhagem. Perdia sua imagem e seu aspecto de cidade pacata e pacífica que tanto seu povo se orgulhava.
- Mas o que é que você está fazendo aqui? Como você descobriu onde Joelma estaria?-Isso não é óbvio Miguel?-Não, não é - interrompeu Joelma – Apesar de todas as provas apontarem para mim, por que se você está aqui é por ter encontrado minha carta que Zeca deve ter escondido, eu não fui a au-tora dos disparos. Quem matou seu irmão foi ele! Eu gostaria muito de ter puxado aquele gatilho, mas não fui eu. Foi ele!-Uma ridícula tentativa de se salvar de sua condenação por homicídio. Que motivos eu teria para assassinar Miguel?-O motivo dele – gritava Joelma – foi o mais mesquinho possível! Sabendo dos meus planos e de que toda a culpa recairia em mim, ele simplesmente atirou em Miguel para depois poder me chantagear e conseguir o que mais quer na vida: eu mesma!Todos olharam para o homem que estava parado ali a sorrir de forma cínica.-Ridículo! Como eu disse, essa é uma teoria absurda. Uma tentativa de se eximir da culpa e escapar da provável con
- A idéia é tão asquerosa assim Joelma?-Isso não é importante. Só não vou ceder às chantagens de ninguém. Sou senhora do meu destino e disso não abro mão, não importa quais serão as conseqüências.-E você acha que essa arma apontada pra mim vai resolver seus problemas? O que vai fazer com meu corpo depois? Como vai explicar meu desaparecimento para toda a cidade?-Pra quê explicar? Basta sumir da cidade...- E sua tão sonhada vingança? Como ficaria?Joelma emudeceu por um instante.O Conteúdo do diário era esclarecedor. Não existiam mais dúvidas. Lendo as últimas páginas dava pra deduzir o autor dos disparos, embora ainda não estivessem claros quais eram os motivos.Uma simples semelhança física entre duas mulheres não conseguiria explicar um homicídio.É impressionante como um evento tem o poder de desencadear outros que, aparentemente, não tem nenhum tipo de conexão.Mas está tudo entrelaçado.Esse era o pensa
Se isso não fosse uma permissão divina, nada mais seria.Um momento de desatenção com sua bolsa e o revólver sumiu.Sentia-se frustrada, pois estava tudo planejado.Sua vingança estaria próxima.Enquanto um irmão morria aos poucos, ela faria o outro morrer rapidamente. Estaria vingada e sua vida perderia o sentido. Poderia morrer em paz.Por que, com certeza, para cadeia não iria.Mas, com o revólver desaparecido, Joelma tinha dois proble-mas: não tinha como consumar sua vingança e agora alguém sabia de suas intenções. Podia então esperar um contato para ser chantageada.Foi quando Zeca lhe contou ter visto uma pessoa entrando rapidamente no bosque e, movido pela curiosidade, resolveu investigar qual o objetivo daquela pessoa.Voltou do bosque com ar preocupado, dizendo que nada havia encontrado, mas ela pôde vê-lo depositar algo no guarda-roupa.Algo extremamente familiar.Quando ele saiu pela manhã para conversar com o ir