Share

Capítulo 07 – Os vales

Raoní, em companhia dos demais líderes, estão reunidos dentro da tenda da rainha, definindo qual o melhor caminho para chegarem até a torre de Zaltana.

Estendendo um mapa, Ubiratã mostra que a viagem deve ser feita por entre alguns vales e tribos que não se renderam a Zaltana, mas só a ideia de que um exército cruze as terras das tribos, talvez seja mais difícil do que enfrentar o grande opressor.

Temos que ir rumo ao norte, passando pelo vale das Amazonas, as mulheres guerreiras – disse Ubiratã. —Por lá a travessia será mais delicada, devemos evitar o confronto direto com elas. Depois seguimos para o vale dos Abaporus e saindo de lá chegamos ao vale dos Bretãs e finalmente aos domínios de Zaltana, no vale do Ojibe.

De todos os três vales que teremos que passar, antes do Ojibe, você comentou que no vale das guerreiras nós teremos que evitar o confronto. Não seriam elas somente mulheres? - perguntou Dacota sendo fulminado pelo olhar da rainha Aruana.

Sim, mas temos que passar por lá sem sermos percebidos. - disse Ubiratã.

Por quê? - Raoní perguntou olhando para a rainha, pois a mesma agora parecia constrangida.

Houve um silêncio na reunião. Parece que havia algo muito difícil de ser dito naquele momento. Então, a rainha Aruana tomou a palavra e disse.

Tempos atrás o vale das guerreiras era um lugar de paz. E uma vez a cada ciclo da lua, elas recebiam homens havidos por terem em suas mãos as mulheres mais bonitas do Ibaque. Mas eles só podiam ficar lá por uma noite. Elas queriam ter filhas. Os meninos, logo eram entregues nas aldeias vizinhas e até em outros vales. As meninas, ficavam no vale das guerreiras para serem preparadas e servirem juntas com a rainha.

Raoní escutava com muita atenção o relato da rainha e de forma alguma se atrevia a interromper a sua fala.

Mas, certa vez, um dos homens caiu no agrado da rainha. Apaixonada, a rainha escondeu o homem em sua tenda por algum tempo. No dia que a filha dos dois nasceu, aquele homem foi descoberto e foi expulso junto com a rainha. A criança ficou aos cuidados de sua irmã mais velha, Aiyara. Foi então que em uma noite, o vale das guerreiras foi atacado pelas forças de Zaltana. Muitas mulheres e crianças foram mortas incluindo a filha mais nova da rainha, fruto daquele amor proibido.

A rainha Aruana começou a chorar, uma tristeza tomava conta daquela tenda e até os mais brutos viravam o rosto como que desejando não ouvir mais a história.

Os pais dela, ao saber do ataque, juntou alguns homens e junto com a rainha fora, lutar contra Zaltana, mas infelizmente, ele e os outros morreram em combate. Algumas mulheres foram levadas como escravas, outras fugiram perdendo as suas essências. Dizem que há muitas delas espalhadas por todo o Ibaque, mas estão escondidas, levando vidas simples.

E o que aconteceu com a rainha? - perguntou Raoní.

Ela foi defender o seu amor e acabou sendo golpeada por Zaltana. E findinga de morta, ela acabou escapando. Mas leva até hoje a marca daquele dia.

A rainha Aruana coloca a mão sobre a cicatriz em seu rosto. Tanto Raoní como Dacota, entenderam que o ocorrido foi com a rainha Aruana.

Raoní vai ao encontro da rainha e lhe dá um abraço. Ela olha para ele com um olhar de ternura, bem diferente daquele olhar duro de antes. E retirando um dos seus colares, a rainha entrega a Raoní dizendo.

O colar não irá lhe proteger de nada, mas espero que pelo menos, se você encontrar a agora rainha Aiyara, ela possa saber que ainda há esperança e que eu ainda a amo.

Raoní agora entendia o motivo de evitar o conflito no vale das guerreiras, a rainha Aruana não desejava que a sua filha, Aiyara fosse, talvez, morta por eles.

Bem, pelo visto já sabemos o que vamos encontrar no vale das guerreiras. E nos demais vales? - perguntou Dacota.

Ubiratã então pega um punhal e vai apontando para as localizações dos vales no mapa.

No vale dos Abaporus vamos encontrar canibais. Eles possuem armas bem primitivas, as vezes apenas jogam pedras. Mas se acertarem você e você cair, logo dezenas deles aparecem e lhe consomem em segundos.

E os Bretãs? - perguntou Raoní.

Vivem na maioria das vezes dentro da água turva de um longo rio que corta todo o vale. São bons arqueiros. O problema é que eles conseguem ficar por debaixo das águas por um bom tempo. Quando surgem, já vão disparando suas flechas e logo descem evitando um contra-ataque. Mas não ficam por baixo d’água por toda a vida, uma hora eles tem que sair. - disse Ubiratã.

Podemos negociar a nossa passagem com os habitantes do vale? - perguntou Dacota.

Acredito que não. Eles tiveram suas perdas em batalhas contra Zaltana. Não olham para ele como líder, mas também não o atacam. Só não desejam ser incomodados.

Raoní ajustou a sua roupa, cingiu o seu cinto e então perguntou.

Quando partiremos?

Os demais líderes olham uns para os outros.

Já convocamos todos para a batalha. Somo poucos, mas temos esperança de que agora derrotaremos Zaltana e seu exército. Acredito que logo partiremos. - respondeu Ubiratã.

Ao saírem da tenda, eles viram muitos guerreiros, inclusive nômades, vindo para a aldeia. A fama de Raoní estava circulando por todo o Ibaque, de aldeia em aldeia, todos aqueles que desejavam guerrear contra Zaltana vinham para a batalha.

Raoní foi surpreendido com a aproximação de um grupo de guerreiros. As pinturas em seus rostos denunciavam que eles eram guerreiros Kanaparís.

Salve Raoní! - declarou um deles.

Salve Kanaparís. Mas que bom ver meus guerreiros por aqui! - respondeu Raoní.

Quando ouvimos falar de um guerreiro que caiu na garganta das espadas e sobreviveu nós não acreditamos. Mas quando disseram que o guerreiro tinha por nome Raoní então todos nós viemos para cá. - falou um daquele grupo.

Raoní olha para vários outros guerreiros que se aproximavam da aldeia e não vendo outros guerreiros Kanaparís perguntou.

Quantos dos Kanaparís estão aqui no Ibaque?

Muitos vieram, mas morreram em confronto com Zaltana. Só restaram vinte de nós. - disse o guerreiro.

Raoní ficou assustado com a dúvida que pairou em sua mente. Ele precisava de resposta e só havia uma pessoa que poderia desvendar o mistério.

Fiquem por perto. Resolverei um problema e depois volto. Dacota, fique com eles, volto logo.

Raoní saiu apressado para a tenda da rainha Aruana. Chegando lá ele entrou na tenda e disse.

Rainha Aruana, preciso de sua ajuda para esclarecer algo sobre o Ibaque.

Sim, diga Raoní.

Meus guerreiros foram mortos na batalha contra Zaltana ainda fora do Ibaque. Hoje alguns deles apareceram aqui e disseram ter perdido outros guerreiros para Zaltana já no Ibaque. Mas como podem ter vindo para cá tanto tempo atrás se eu levei poucos dias para chegar aqui? - perguntou Raoní.

A rainha Aruana senta em seu trono e pensa por alguns instantes antes de responder Raoní.

O que aconteceu momentos antes de você e Dacota entrarem no Ibaque? - perguntou a rainha Aruana.

O homem que anda sobre as águas nos feriu com golpes mortais. - respondeu Raoní.

Raoní colocou a mão em seu pescoço e sentiu a ferida como cicatrizada, algo que ele ainda não tinha notado até então. A rainha olhou para a cicatriz e disse.

Raoní, talvez você ainda esteja vivo no seu mundo. Agora mais do que nunca você deve se apressar pois a sua morte lá fará com que você não consiga mais voltar. Nem você, nem Dacota. Portanto, o tempo para você aqui no Ibaque não acompanhou aos dos outros. - explicou a rainha.

Raoní foi em direção à saída da tenda quando a rainha Aruana falou.

Raoní, espere. Você já considerou derrotar Zaltana e ficar aqui como chefe guerreiro de todo o Ibaque?

Aquela possibilidade não havia passado pela cabeça de Raoní. Seus amigos e poucos familiares, sua terra, não estavam naquele mundo. Entretanto, no momento ele só tinha uma coisa para pensar: destruir Zaltana.

Tudo está pronto para a marcha até o vale do Ojibe. Não são muitos os guerreiros, mas todos têm em seu coração o mesmo desejo de livrar o Ibaque das mãos tiranas de Zaltana. Homens experimentados em guerra de várias cores, raças e credos marchando juntos. Confiantes em dias melhores para todos e para as suas descendências, os guerreiros vão então caminhando a passos largos em marcha triunfal..

Depois de algum tempo de caminhada, o sol se deteve a meia altura e eles chegaram ao seu primeiro desafio, chegaram ao vale das guerreiras.

Temos que ter muito cuidado, não queremos confronto com as guerreiras. - disse Ubiratã. —Por aqui podemos passar sem que elas nos vejam.

Raoní olha para algumas árvores mais a frente da estrada e comenta com Ubiratã.

Diga isto para elas. Olhe para as árvores mais a diante. - Ubiratã viu algumas das guerreiras; mesmo com a vegetação um pouco seca, ainda haviam folhas em certos pontos das árvores e era lá que elas estavam.

Eram poucas, quase que invisíveis, mas estavam lá, as mulheres guerreiras com seus arcos tencionados e prontos para lançarem suas flechas. Raoní desce de sua onça, Jaguaretê, deixando seu arco, sua aljava e suas machadinhas; levando apenas o seu escudo e toda a coragem dos Kanaparís. Ele foi pelo caminho em direção às árvores e disse.

Não estamos aqui para guerrear, só queremos passar em direção ao vale do Ojibe. - Raoní falou escolhendo bem as palavras, mas o que ouviu como resposta foi o som de uma flecha quebrando alguns galhos de uma das árvores e vindo em sua direção. Só teve tempo de recolher seu corpo por trás do escudo.

Os outros guerreiros já iniciavam o ataque quando Raoní gritou.

Esperem! Esperem! Não ataquem! - a ordem foi seguida pelos seus, mas isto não quer dizer que seria atendida pelas guerreiras.

Foi então que mais uma flecha veio em sua direção e acertou o escudo. Notou que por uma fração de segundos, parte do seu corpo ficou exposto. Lembrou que as guerreiras são ótimas arqueiras, então aquele disparo e quem sabe o anterior, foram apenas para afugentá-lo. Raoní então colocou seu escudo no chão e retirou o colar que a rainha Aruana lhe deu e erguendo o mesmo, falou.

Aiyara! Tenho um presente da rainha Aruana para você.

O silêncio poderia indicar muita coisa, inclusive que o perigo só aumentava. E ali sem escudo Raoní queria demonstrar que não estava procurando confronto, queria a paz.

O caminho no qual Raoní estava, tinha árvores a sua frente. De um lado um monte composto de diversas pedras e do outro lado um jardim seco com flores murchas. E de cima daquele monte, pula na sua frente uma guerreira.

Sua pele era morena, cor de cacau. Seus olhos eram castanhos claros. Ela tinha pinturas desde seus ombros até as suas mãos e em seu rosto. Seus cabelos eram lisos e em uma trança, prendidos por uma peça de metal e em sua testa exibia um colar com uma pedra brilhosa de cor azul ao centro. Vestia uma espécie de colete sem alças e uma calça também de couro de animal. O que mais chamava a atenção não era o arco ou a aljava que trazia consigo, mas uma arma em formato de espada com desenhos em sua lâmina de ponta afiada. Ela estava pronta para atacar.

Quem é você? Aiyara? - perguntou Raoní.

Quem quer saber! - respondeu aquela cuja a posição de ataque não mudava.

Sou Raoní. Viemos em paz. Aqui um sinal de nossas intenções.

Raoní estende o colar para aquela guerreira que então baixa a sua guarda e pega o colar. Ele notou que a expressão daquela jovem guerreira mudou por completo.

Ela ainda está viva? - perguntou a guerreira.

Sim, está. - respondeu Raoní.

Sim, eu sou Aiyara. E ouvimos falar de você. Sabíamos que teriam que passar por aqui para ir lutar contra Zaltana, mas nenhum homem passa por nossas terras, nunca mais. - disse Aiyara.

Mas nós precisamos passar. Por favor, reconsidere. - Raoní não poderia dar a volta em todo o vale, levaria muito tempo e o eclipse em breve aconteceria.

Por que deseja guerrear contra Zaltana? Você chegou por aqui não faz muito tempo.

Ele está com a minha esposa, preciso levá-la de volta comigo. - a informação que Raoní passou para Aiyara pareceu surgir efeito.

Espere aqui. Volto logo. - disse Aiyara indo ao encontro das demais guerreiras.

Dacota se aproxima de Raoní e esperam a decisão das guerreiras. Aiyara então voltou e falou o resultado.

Vocês poderão passar, mas para garantir que nenhum homem fique em nossas terras, nós iremos escoltá-los. - disse Aiyara.

Dacota olhava para Aiyara encantado. Nunca em sua vida tinha visto uma índia tão fascinante. Ele estava adormecido com tamanha beleza.

Não gosto que olhem para mim assim. Feche a boca e vire o seu olhar antes que eu arranque os seus olhos. - disse Aiyara levantando a espada e apontando em direção dos olhos de Dacota que fez o que ela pediu, mesmo não concordando em seu íntimo.

Voltando para junto dos guerreiros, Raoní perguntou para Dacota.

Por que você demorou tanto?

Você viu aqueles olhos? - disse Dacota.

Falo de nossa marcha, não de Aiyara.

Ah sim, bem, eu estou aqui não estou? - protestou Dacota.

Agora haviam cerca de vinte mulheres guerreiras juntas com as outras dezenas de guerreiros marchando para o vale dos Abaporus, para o vale dos canibais.

No caminho do vale dos Abaporus, Dacota está bem na retaguarda montado sobre o Xuê, o seu bicho-preguiça. Os olhares dos guerreiros sobre ele o incomoda, afinal, se eles apressarem bastante o passo, provavelmente ele ficaria para trás. E para aumentar o descontentamento de Dacota, passou correndo ao lado dele uma manada de porcos de cor azul.

Olhe Xuê, olhe. Eu não quero ser um senhor chato, mas sabe o que era aquilo ali que passou por nós? Porcos! Sim, porcos e azuis. Só servem para serem comidos e são mais rápidos do que você.

Xuê entendeu sobre o que Dacota reclamava. E em sinal de protesto ela parou e sentou.

Não, não, e não! Não e hora de parar e descansar. Vamos, avante. Ao infinito e… - Dacota agora não só viu como ouviu os risos de alguns guerreiros sobre toda aquela cena.

Taú, guerreiro chefe dos africanos, montado em seu búfalo, Zaki, passou por Dacota e disse.

Ora, ora Dacota. Já pensou em mudar o cardápio dele? Acho que ela está enjoada de comer folhas. - muitos riram naquele momento. Dacota ficou ainda mais constrangido. Mas não podia voltar ou deixar Xuê para trás, deveria seguir para a batalha com ela.

Chegamos ao vale dos Abaporus. - disse Yudi, um dos líderes guerreiros, depois de um certo tempo de caminhada.

Raoní está ao seu lado e olha para o desafio que teriam que passar. Formações rochosas de um lado e do outro apresentam algumas rochas niveladas, lembravam até mesas sobrepostas. Um caminho estreito e no chão coberto com ossos humanos espalhados por todos os lados. A dificuldade da travessia, era um convite para que os Abaporus jogassem suas pedras sobre as cabeças de quem por ali ousasse passar. Mas não tinha jeito, tinham que arriscar.

Vamos prosseguir com cautela, talvez possamos passar sem chamar a atenção deles. - instruiu Raoní.

Agora, praticamente todos os guerreiros estavam dentro do vale. E o som de algumas pedrinhas rolando pelos paredões de pedra chamou a atenção dos guerreiros. Foi então que bem lá do alto, todos viram a primeira pedra cair sobre um dos guerreiros da aldeia de Taú. O corte foi profundo, o sangue escorria e de repente três, quatro, cinco Abaporus caíram sobre o corpo daquele guerreiro indefeso usando seus dentes afiados e desconfigurados. A batalha então começou, a batalha pela sobrevivência de um ideal.

Agora as pedras eram em maiores em tamanho e quantidade. Os guerreiros olhavam para o céu e viam chuva de pedras e de canibais. Ainda em queda, alguns deles eram alvejados pelas habilidosas mulheres guerreiras com seus arcos e flechas. Já outros eram feridos pela lança de Ubiratã e pelos tacapes de Raoní.

A luta era intensa, quanto mais sangue jorrava contra aquelas paredes, parecia que mais Abaporus surgiam para arrancar pedaços de carne com seus dentes.

Raoní olha para aquelas rochas e leva a sua onça, Jaguaretê, para subir por elas. E indo cada vez mais alto, saltando de rocha em rocha Raoní consegue chegar a uma planície onde está a maior parte dos guerreiros Abaporus. Agora eram dois, Raoní e Jaguaretê, contra dezenas de canibais.

Com as suas duas machadinha em suas mãos, Raoní desce de Jaguaretê e avança para o grupo que estava jogando as pedras sobre os seus guerreiros. Enquanto ele avançava atacando os guerreiros Abaporus, Jaguaretê saltava sobre muitos outros e usava as suas garras para ferir muitos de uma só vez. Acuados, os Abaporus não tinham muito o que fazer a não ser pular por sobre os guerreiros que estavam lá embaixo. Mas desta vez, não podiam jogar mais pedras e ao caírem, algumas lanças os esperavam transpassando seus corpos ao final de suas quedas.

Aiyara lutava bravamente com a sua espada, golpeava com maestria. Entretanto, um dos Abaporus caiu sobre ela e a mesma foi ao chão perdendo a sua espada. Ali, sentada no chão e desarmada não sabia como poderia escapar daquele ser que a consumia com os olhos vermelhos e sua boca agonizante salivava por carne.

Poucos metros dali, Dacota disparava a última flecha que tinha em sua aljava. Acertava no peito um dos Abaporus. Então ele olhou mais adiante e viu Aiyara prestes a ser devorada. Não teria tempo de correr até ela, não tinha mais flechas, mas era um guerreiro Kanaparí.

Dacota correu até a sua última vítima e retirou a flecha que estava em seu peito. Ainda correndo alguns metros viu que a única saída seria usar as rochas para apoiar um salto. Pulando para sobre uma rocha mais plana, consegui saltar a uma altura que possibilitou ver mais claramente o seu alvo. Durante o salto, armou o seu arco, a mira era uma questão de segundos. O disparo foi executado enquanto ele cai rolando sobre alguns corpos. A flecha cruza todos os dez metros que os separava e acerta o guerreiro Abaporus por trás de sua cabeça, saindo a ponta de sua flecha por um dos seus olhos daquele canibal.

O corpo daquele Abaporu cai próximo a Aiyara e ela procura quem teria efetuado o disparo que salvou a sua vida. Olha para as suas guerreiras mas elas estavam ocupadas demais para a terem ajudada. Contudo, ao olhar para um guerreiro que corria em sua direção, percebeu que o mesmo estava sem flechas e trazia apenas o seu arco na mão.

Você está bem Aiyara? - perguntou Dacota.

Sim, eu estou. Foi você que me salvou? - disse Aiyara.

Acho que sim. Vamos, levante depressa. - Dacota falou já pegando e entregando a espada de Aiyara para ela.

Raoní, em cima da planície, consegue ver o líder deles. Um sujeito asqueroso, possuía como uma espécie de pingente em seu colar, o esqueleto de uma mão. Seus olhos eram arrodeados com tinta branca e seu cabelo lembrava o rabo de um gambá americano no ato de um ataque. Nosso guerreiro, tinha que matá-lo para que aquele conflito terminasse.

As machadinhas de Raoní abriram caminho entre os corpos daqueles que não pularam da planície. E ali, de frente ao líder dos Abaporus, Raoní deu seu golpe de misericórdia.

Lá embaixo, acoados em um lado do estreito caminho, os Abaporus que restaram, pareciam esperar o momento certo para atacarem com todas as suas forças de uma só vez. Contudo, o grito do seu líder vindo lá de cima fez com que todos olhassem para o alto. E o que viram foi a cabeça do guerreiro chefe dos Abaporus cair, rolando pelas rochas, até ficar aos pés de Dacota.

Os guerreiros Abaporus não acreditaram. Seu chefe havia sido decapitado. Não tinham mais o que fazer ali, então fugiram correndo desesperados ao som do rugido de Jaguaretê. Os guerreiros não poderiam deixar escapar nenhum deles e um grupo foi a caça daqueles que usavam seus dentes como suas armas.

Os guerreiros vencedores vibraram com aquela batalha. Estavam cheios de esperança, começavam a ter confiança de que a liberdade para o vale do Ibaque estava próximo.

Raoní, do alto da planície olhou para o outro lado das formações rochosas e percebeu que estava sendo observado. Com certeza não era um dos guerreiros que o acompanhava. Estava todo de branco, exibia uma capa esvoaçante e nela haviam alguns rasgos. Cobria a sua cabeça com um capuz e em uma de suas mãos usava um cajado. Ao notar que sua presença tinha sido notada. Virou e desapareceu entre as rochas.

Os outros guerreiros voltaram de sua caçada e comemoraram a vitória sobre os Abaporus. Contudo, agora o desafio estava mais próximo. A maneira como os Abaporus foram vencidos encheu de garra aqueles guerreiros. Muitos ficaram pelo caminho, os líderes sabiam disso, mas o desejo de atacar Zaltana só aumentava e todos viam em Raoní o guerreiro chefe que faltava no Ibaque. E no caminho para o vale dos Bretãs, conhecidos por suas habilidades de serem ligeiros como peixes, Dacota tem a recompensa por sua bravura. Ele estava andando ao lado da Xuê quando Aiyara se aproxima dele e passam a caminhar juntos.

Eu vim lhe agradecer por ter salvo a minha vida. Você lutou bravamente. Seu disparo foi certeiro e difícil, até pensei que fosse uma de nossas guerreiras. - disse Aiyara.

Não foi nada. Eu teria feito por qualquer uma. Quer dizer, não que você seja qualquer uma, mas eu faria por todas; bem… é… de nada. - o guerreiro Kanaparí parecia ter encontrado um adversário que ele enfim temeu.

Aiyara também não ficava a vontade conversando com um homem e sendo este um que a salvou ela lhe devia uma certa gratidão.

Eu entendo. Mas para nós, mulheres guerreiras, é complicado aceitar que um homem possa fazer algo mais do que procriar. - agora foi Aiyara que parecia tropeçar nas palavras.

Vejamos. Você é a filha da rainha Aruana, então é uma princesa. Eu salvei a sua vida, será que não tem uma tradição na sua tribo para quem salvar a princesa possa casar com ela? - Aiyara olhou para Dacota com um certo olhar de fúria. E até Xuê, sua preguiça, parecia não gostar da história por seu olhar de reprovação.

Você sabe o que significa o meu nome? - perguntou Aiyara com muita irritação.

Não. - disse Dacota.

Significa: “Aquela que não tem dono.”

Dacota não podia mais esconder seus sentimentos por Aiyara, então disse.

Mas não quero ser seu dono. Você é uma princesa, quero apenas ser teu servo.

Aiyara e as demais guerreiras que estavam próximas ficaram surpresas com as palavras de Dacota. Mas a guerreira não tinha tempo para ficar ouvindo galanteios e apressou os passos chamando as demais guerreiras. Ao Dacota restou a companhia da Xuê, pelo menos até um certo tempo, pois quando Dacota aproximou dela, Xuê passou a andar para o outro lado, longe de seu senhor.

Enfim chegaram ao vale dos Bretãs. Um povo que tinha na água a sua maior fortaleza, pois as águas turvas encobriam seus guerreiros quando submersos. Um extenso lago deveria ser atravessado e no centro dele uma gigantesca árvore.

O início da travessia era cautelosa, pois ainda não tinham visto nenhum sinal dos guerreiros Bretãs. E a medida que avançavam, o lago era cada vez mais profundo, o que aumentava a cautela e a ansiedade dos guerreiros de Raoní. Mas, de uma forma súbita, dezenas dos guerreiros Bretãs surgem com seus arcos e flechas nas mãos disparando contra nossos guerreiros.

O ataque era feito e logo os Bretãs submergiam e em seguida já outros emergiam e disparavam. Ficou difícil ter um alvo e as baixas e feridos foram cada vez maiores. Não havia nada para proteger os nossos guerreiros daquele ataque, a única solução era recuar as vezes mergulhando; outrora correndo e torcendo para não ser atingido pelas flechas dos Bretãs.

Dacota, mesmo agachado, é ferido no braço por uma das flechas. Xuê, vendo aquela cena, começa a ir na direção da árvore e é atingida diversas vezes por flechadas, contudo, sua carne grossa não a deixa recuar. Vendo que aquele grande animal estava mais interessado em subir na árvore, os Bretãs acreditavam que ela estava fugindo de tudo aquilo e param de disparar contra ela, voltando a fazer disparos e mais vítimas entre os nossos guerreiros.

Raoní olha para Xuê e observa que a mesma prepara um salto de cima da árvore, ela cairia bem no meio do lago e seria a oportunidade que todos estavam esperando para contra-atacar. Raoní então grita.

Preparem seus arcos e firmem seus pés!

As mulheres guerreiras fizeram o que Raoní ordenou, gesto repetido por todos os arqueiros que estavam ali. E quando Xuê salta, o impacto do seu corpo na água causa uma grande explosão de água o que fez com que os corpos dos guerreiros Bretãs fossem jogados para o alto. Agora era o momento perfeito, não precisavam de um alvo e Xuê deu todos. Muitas flechas foram disparadas e atingiram os guerreiros Bretãs. As ondas causadas por Xuê traziam mais corpos para bem perto dos nossos guerreiros, e estes não tinham tempo se quer de pensar. Espadas, flechas, facas e zarabatanas foram usadas contra aqueles que viviam na água que, fora dela, eram presas fáceis. Sendo levados para a parte rasa não conseguiam mergulhar e foram massacrados por nossos guerreiros.

Depois das ondas passarem e os guerreiros Bretãs serem vencidos, Dacota corre para perto de Xuê. A água parecia ter baixado e levaria um tempo para retornar à profundidade que tinha antes. E ao chegar bem perto dela, tocou Dacota o corpo de Xuê e não sentiu a sua respiração.

Xuê? Não brinque comigo! Vamos, levante. - cada palavra dita por Dacota parecia diminuir a intensidade até chegar ao ponto de que suas lágrimas falavam por ele.

Raoní chega para ajudar o amigo, não tinham muito o que fazer ali. Aiyara também foi para tentar consolar Dacota e esquecendo das tradições de sua tribo, abraça aquele que na batalha anterior havia salvo a sua vida. Todos os guerreiros estavam tristes, tantos falaram, debocharam de Xuê e foi exatamente ela que salvou a todos. Entretanto, aquele abraço de Aiyara e Dacota serviu como um consolo para ele, mas para Xuê, serviu como uma vontade de viver.

Xuê levanta a sua cabeça e estica um de seus braços agarrando Dacota e Aiyara e trazendo ambos para perto dela.

Xuê! Você está viva! - grita Dacota com uma felicidade que contagia todos os outros guerreiros.

Ela levantou seu pesado corpo com uma certa dificuldade e estando toda molhada, sacudiu seu corpo espalhando água sobre todos. Ela olha para Aiyara e com um olhar de quem não estaria disposta e entregar Dacota para ela tão facilmente, coloca um pouco de sua língua para fora e assopra, espalhando saliva sobre os que estavam mais próximos dela.

Nenhuma tribo havia visto um guerreiro Bretã antes. A curiosidade era de todos. Os Bretãs tinham roupas brancas. Uma espécie de turbante em suas cabeças também de cor branca. Uma das faixas do turbante cobriam seus narizes e bocas, deixando apenas seus olhos de fora.

Yudi, o guerreiro asiático, retira um pouco do turbante de um dos Bretãs para que pudessem ver o que escondiam. O que viram, foi que saindo de suas bocas até para baixo de suas orelhas, haviam guelras, sendo assim que os Bretãs conseguiam ficar tanto tempo submersos.

Agora o próximo destino era o vale do Ojibe, conhecido como “aquele que está em decadência.” E quando todos estavam prestes a partir, Raoní olha para além do lago e mais uma vez aquela figura vestida de branco e com o seu cajado está logo adiante.

Raoní é chamado por Dacota que pergunta.

O que foi Raoní? - Raoní olhou para Dacota.

Quando voltou a olhar mais adiante buscando aquele ser misterioso, Raoní não o viu mais.

Nada Dacota. - respondeu Raoní. —Vamos, agora o desafio será bem maior.

Related chapters

Latest chapter

DMCA.com Protection Status