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Capítulo 2

Author: Rolinho Primavera de Morango
Anabela vagava pelas ruas apertando contra o peito o papel que havia acabado de receber do médico. Era sua sentença de morte impressa em letras frias.

— Quer dizer que só me sobram uns trinta dias de vida?

— Lamento muito, senhorita Anabela.

Aquela sensação de ter o chão desaparecendo sob os pés não era nova para Anabela. Quando a família Souza entrou em crise e todas as dívidas caíram em suas costas, ela já havia experimentado aquele mesmo desespero.

Naqueles tempos difíceis, Anabela ligava para Gustavo toda vez que sentia o mundo desmoronar ao seu redor. Acreditava que até mesmo uma briga, uma discussão qualquer com ele poderia amenizar um pouco a solidão que a consumia.

No entanto, Gustavo recusava todas as ligações dela. Quando Anabela insistia demais, ele desligava o aparelho e sumia por dias.

Quando reaparecia, era sempre trazendo alguma modelo nova para a cama que um dia foi deles, se exibindo sem nenhum constrangimento.

Gustavo jamais enxergou o sofrimento dela, ele só conseguia ver aquele rosto que tanto o irritava.

Ele beijou a garota bem na frente de Anabela, um beijo molhado e barulhento, enquanto a saliva escorria pelos lábios de ambos numa cena propositalmente nojenta.

— Que tal agora? Finalmente quer o divórcio? — Provocou ele, com malícia.

Anabela controlou a respiração e saiu daquele quarto antes que perdesse a compostura.

Todo mundo em Riviera sabia que ela e Gustavo brigavam desde pequenos, se estranhando sempre que se cruzavam. A maioria acreditava que Anabela odiava Gustavo com a mesma intensidade que ele demonstrava odiá-la.

Anabela girou a aliança no dedo, aquela que Gustavo foi obrigado a lhe dar depois do casamento. Na ocasião, ele havia jogado a caixinha na cara dela com tanto desprezo que deixou uma marca roxa.

Durante muito tempo, Anabela guardou seus sentimentos em segredo absoluto. Até a noite em que Gustavo a obrigou a cumprir seu papel de esposa.

No meio da intimidade forçada, quando Anabela se entregou ao momento apesar de tudo, Gustavo notou a aliança em sua mão e explodiu numa gargalhada cruel.

— Anabela, não me diga que você gosta de mim e por isso não aceita o divórcio? Se é isso mesmo, pode esquecer essa fantasia agora. Eu não só nunca vou gostar de você, como te acho nojenta!

O ódio de Gustavo tinha motivo.

O noivado arranjado entre as famílias Costa e Souza obrigou sua primeira namorada a sair do país, destruindo o único relacionamento que ele realmente quis ter.

Naquela madrugada, Anabela passou as horas olhando para o teto sem conseguir fechar os olhos.

Sua mãe morreu cedo demais para ensinar como se conquista um homem. Criança ainda, Anabela só sabia provocar Gustavo com palavras agressivas na esperança desesperada de chamar sua atenção, mas isso nunca trouxe o resultado que ela queria.

Anabela esfregou os olhos secos quando a vibração insistente do celular quebrou seus devaneios.

Na tela, Gustavo estava mandando dinheiro virtual no grupo de amigos.

Alguém perguntou no chat: [Que foi, Gustavo? Por que essa festa toda?]

Em vez de responder, Gustavo postou uma foto do documento de divórcio com as duas assinaturas.

Aquela imagem simples explodiu o grupo inteiro. De repente, todo mundo que só ficava espiando as conversas apareceu para comentar.

[Divorciaram mesmo? A Anabela topou?]

[Cara, que alívio! Você finalmente conseguiu se livrar dessa sangue-suga!]

[Agora, sim, merece festa! Você vivia reclamando que só de chegar em casa e ver a cara dela já passava mal. Acabou o sofrimento, agora pode pegar quantas quiser sem ninguém enchendo o saco!]

[Não acham meio estranho? O Gustavo comeu um monte de modelo na cara dela e a Anabela sempre ficou quieta. Por que justo agora resolveu reagir? Será que não é só teatro? E se na hora ela não aparecer no cartório?]

O grupo silenciou depois daquela observação.

Segundos depois, o celular de Anabela tocou.

— Anabela, você não está me passando para trás, né? No final do prazo você vai mesmo lá assinar?

Anabela forçou um sorriso amargo enquanto respondia com voz suave:

— Claro que estou te enganando. O que você vai fazer a respeito, Gustavo?
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