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Adeus, Casamento. Alô, Liberdade.
Adeus, Casamento. Alô, Liberdade.
Author: Pequeno Ouriço

capítulo 1

Author: Pequeno Ouriço
Depois de uma semana inteira sumido, Frederico, meu noivo, finalmente resolveu ligar.

Atendi. Do outro lado da linha, ele já começou aos berros:

— Clarice Amorim! Que diabos está acontecendo com você? As duas famílias já tinham acertado o local e a data do casamento, até os convites! E agora vem com essa história de desistir? Quer o quê, afinal?

Tentei abrir a boca, mas ele não deu espaço. Continuou despejando tudo de uma vez:

— Já falei mil vezes, a Nena tem saúde frágil! Uma simples gripe pode virar algo grave de um dia pro outro. Eu preciso ficar com ela, garantir que não aconteça nada. E você aí, sempre com esse ciúme doentio, como se a vida dos outros não valesse nada!

Vida dos outros… Ri, sem humor.

Na noite anterior, eu tinha ido sozinha cuidar de detalhes do nosso casamento. Na volta pra casa, fui atropelada por um caminhão em alta velocidade.

Antes de desmaiar, ainda tive forças pra tentar ligar pro Frederico. Ele recusou a chamada. Duas vezes.

Quando já estava quase apagando de vez, com a tela do celular toda manchada de sangue, veio a notificação: uma mensagem dele.

[O que foi? Fala logo!]

Não tive nem tempo de responder. Logo em seguida, chegou outra:

[Tá maluca? Vai me interromper justo agora, quando estou tentando acalmar a Nena? Você tem noção do perigo que ela corre quando se estressa? Pode ser fatal!]

Antes e depois de eu acordar, tudo que ele fez foi me culpar.

Foi aí que Vivi entrou no quarto, pegou meu celular da minha mão e falou no viva-voz:

— Frederico, você tá maluco? A Clarice sofreu um acidente ontem! Foi atropelada duas vezes pelo mesmo caminhão, de propósito! Se não tivessem socorrido a tempo, ela podia estar morta agora! Você realmente não consegue diferenciar uma gripe de um atropelamento?

Do outro lado da linha, a risada dele veio carregada de deboche.

— Contar uma história dessas pra um médico? Viviane, você realmente superestima a inteligência de vocês duas.

E, sem mais nada, desligou.

Vivi ainda encarava o celular, apertando-o com tanta força que os tendões da mão saltavam.

Mas eu nem tive tempo de dizer nada. Quase no mesmo instante, o celular dela também começou a tocar.

Era Theo, noivo da Vivi e amigo de infância do Frederico.

— Viviane, que diabos vocês estão tentando fazer? — Gritou ele, sem rodeios. — Sabem que, por culpa desse ciúme absurdo e dessas mentiras, a Nena ficou tão abalada que quase teve uma crise?

— Se não fosse por mim e pelo Frederico, o que teria acontecido com ela hoje? Vocês não enxergam que tem uma vida em risco? A família Albuquerque não vai aceitar uma mulher tão cruel. Esse casamento? Você que se vire se ainda quiser!

Vivi arregalou os olhos, prestes a soltar uma resposta atravessada, mas parou no meio do impulso. Theo já tinha bloqueado ela.

— Que se dane essa família inteira… — Rosnou entre dentes, com o celular tremendo na mão.

Estendi a mão, com dificuldade, e segurei a dela.

— Não se desgasta com isso, Vivi. Eles não valem esse desgaste.

Ela me olhou e, ao ver todos os fios conectados ao meu corpo, os olhos se encheram d’água.

— Ainda tá doendo, Clarice?

Dei um sorriso leve e balancei a cabeça.

Não. Já passou.

Toda a dor que existia nesta vida se esgotou no momento em que Frederico desligou o celular.

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