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Capítulo 3

Author: Bagel
A cor sumiu do rosto de Bianca.

Num piscar de olhos, ela correu até mim, agarrando minha mão e implorando com aquele tom inocente tão característico dela.

— Irmã, eu sei que você está preocupada comigo.

— Mas… eu tenho me sentido muito melhor ultimamente. Minha alergia já passou.

— Por favor, não fique brava, irmã. Eu posso comer outra coisa!

A atuação dela era tão transparente que chegava a ser risível.

A primeira vez que fiz scones de manga, eu não sabia que ela era alérgica.

Naquela época, eu adorava minha doce e encantadora irmãzinha.

Bastou ela mencionar que queria um pouco, e eu fiquei acordada por três dias e três noites só para aperfeiçoar o sabor para ela.

O resultado? Bianca desmaiou por causa de uma reação alérgica.

Quando acordou, a primeira coisa que fez foi se atirar nos braços dos nossos pais, chorando.

— Pai, mãe, os scones foram um gesto da minha irmã. Ela disse que uma mordidinha não faria mal.

— Por favor, não a culpem. É culpa minha por ser gulosa!

Eu fiquei ali, impotente, ao lado da cama do hospital, encarando os olhares gélidos dos meus pais.

— Eu não sabia que ela era alérgica a manga. Ela nunca me contou…

Mas, em vez de confiança, recebi um tapa do meu pai.

Até hoje sinto a ardência na pele. Ele bateu tão forte que me jogou no chão.

— Todo mundo nessa família sabe disso. Como você poderia não saber?

— Então é isso! Você queria machucar a sua irmã!

Ele me trancou no porão onde guardavam os vinhos.

Três dias inteiros.

Era frio, úmido, sem comida, sem água.

Minha febre chegou a 39°C. Eu quase morri naquele lugar maldito.

Quando finalmente me tiraram de lá, eu estava tão fraca que mal conseguia ficar de pé.

Todo esse tempo, Bianca estava lá em cima, desfrutando dos cuidados e da atenção da família inteira.

Um riso frio escapou dos meus lábios.

— Você desmaiou há três semanas só pelo cheiro de manga, e agora está magicamente curada?

— Eleanor, deixe o passado no passado. — Minha mãe acenou com a mão em sinal de desdém.

— Bianca quer seus scones. Apenas faça. Qual é a dificuldade?

O pesadelo daquela época voltou à tona, e só de lembrar meu corpo estremecia.

Respondi friamente:

— Não vou fazer. Se querem scones, comprem vocês mesmos.

Um lampejo de maldade passou pelos olhos de Bianca, mas logo ela retomou sua expressão ferida.

— Irmã, eu sei que você não gosta de mim. — Disse ela, caminhando na minha direção, fingindo súplica.

— Mas hoje é tão importante para mim. Por favor…

Quando se aproximou, de repente ela se jogou para trás.

CRASH!

Ela se chocou contra a cristaleira de vinhos, derrubando no chão uma garrafa caríssima de vinho tinto vintage de 1947.

A garrafa, um item de valor sentimental do avô materno de Draven, avaliada em cem mil dólares, se espatifou, espalhando vinho vermelho por todo o chão.

— Meu Deus! — Minha mãe gritou.

Os rostos do meu pai e de Draven empalideceram.

Mas, no segundo seguinte, Bianca pegou o maior pedaço de vidro e passou a borda afiada pela palma da mão, fazendo um corte profundo.

O sangue jorrou imediatamente.

Eu achava que já tinha visto todos os truques dela, mas nunca imaginei que Bianca chegaria ao ponto de se ferir para me incriminar.

Ela ergueu os olhos chorosos para mim.

— Irmã… por que você me empurrou?

Minha mãe avançou num piscar de olhos, puxando Bianca para seus braços, examinando o ferimento com desespero.

Bianca se encostou nela, soluçando baixinho:

— Mamãe… dói…

O rosto de Draven era puro ódio. Ele se virou contra mim.

— Eleanor! Você enlouqueceu? Tem ideia do que acabou de fazer?

— Eu não a empurrei. — Respondi com calma, minha voz oca, esvaziada por uma dor tão profunda que já havia se transformado em entorpecimento.

— Ela fez isso consigo mesma.

— Chega! — Meu pai berrou.

Ele agarrou outra taça de vinho da mesa e a arremessou aos meus pés.

O vidro estourou, e um estilhaço cortou minha panturrilha.

— Eleanor, você não tem respeito algum pelas regras desta família!

— Você sempre foi uma criança cruel, que empurrou Bianca escada abaixo, e agora está repetindo as mesmas atrocidades!

— Quando você vai parar?

O impacto do gesto parecia tê-lo esgotado.

Senti o sangue quente escorrendo pela minha perna.

Minha mãe percebeu o corte, e por um instante seus olhos demonstraram pena.

Mas, quando os choramingos de Bianca aumentaram, ela desviou o olhar e voltou a consolá-la.

Eu limpei o sangue da perna.

Não importava. Eu só tinha alguns dias de vida mesmo.

Perder um pouco mais de sangue não fazia diferença.

Subi as escadas, peguei a pequena mochila que já tinha preparado.

Era pouca coisa. Quase nada valia a pena levar.

Quando desci, suas provocações começaram.

— Olha só, aprendeu a fugir de casa agora?

— As regras da família existem para te proteger, Eleanor! Por que você nunca entende que queremos o seu bem?

— E pode esquecer de ser minha noiva! — Draven acrescentou.

Eu já tinha sido decepcionada tantas vezes que me tornei imune.

Depois de ouvir essa ameaça pela milésima vez, eu não sentia medo algum de perder aquela "família".

Porque aquela família nunca foi minha de verdade.

Saí pela porta sem olhar para trás. Atrás de mim, ouvi meu pai atirar um vaso na mesa. O som da porcelana quebrando ecoou pelo corredor.

Parei, engoli as lágrimas e me virei para encará-los.

— Já que vocês se arrependem de ter me trazido a este mundo, hoje, corto todos os laços com a família Rocci.

— Quem volta atrás na sua palavra é um traidor das famílias.

Eu mal tinha atravessado o portão principal quando Draven me alcançou.

Ele tirou um maço de dinheiro do bolso do terno, sua voz um pouco mais suave.

— Vá para algum lugar e esfrie a cabeça por uns dias. Quando tudo se acalmar, volte e peça desculpas. Isso tudo vai passar.

Um maço de dinheiro.

Para Bianca, era o equivalente ao troco de uma ida ao shopping.

Para eles, esse era o meu valor.

— Eu disse. Quem volta atrás na sua palavra é um traidor. — Respondi, e simplesmente fui embora, mancando noite adentro.

— Eleanor, não seja tão ingrata assim! — Draven gritou atrás de mim.

Ele voltou furioso para a sala de estar. Bianca arrancou o dinheiro da mão dele e sorriu, afagando-o.

— Querido, não dê nada a ela. Quando ficar com fome, ela volta rastejando para você, não volta?

Draven olhou para o rosto delicado dela e achou que fazia sentido.

Afinal, em todas as brigas que tiveram, eu sempre era a primeira a ceder, a implorar pelo perdão dele.

Ele acreditou que desta vez não seria diferente.

Uma dor aguda atravessou meu corpo de repente.

Arrastando minha carcaça exausta, caminhei por uma eternidade até finalmente cruzar o limite do território da família Frost.

Com o pouco dinheiro que me restava, aluguei um quarto em um motel caindo aos pedaços na periferia da cidade.

No meio da noite, encolhi-me na cama pequena e suja.

Dois dias restantes.

Enquanto minha vida escapava pouco a pouco, eu apenas esperava pela morte.
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