Capítulo 4

Talvez fosse a lucidez que vem pouco antes do fim, mas o sono não me encontrou naquela noite. Minha mente vagou.

Lembrei-me de um tempo antes de Bianca, quando eu ainda era o orgulho dos meus pais.

Mas eles estavam envolvidos em uma crise da família naquela época, ocupados demais para cuidar de mim.

Me enviaram para viver com parentes na Sicília quando eu ainda era muito pequena.

Minha mãe beijou minha bochecha, a voz trêmula de emoção.

— Minha querida, assim que a mamãe resolver as dívidas de sangue da família, eu prometo que vou voltar para te buscar.

Draven e eu nos conhecíamos desde a infância.

Quando fomos separados aos sete anos, ele chorou e disse que iria se casar comigo.

Eu esperei por quatro anos.

Quando meus pais finalmente voltaram, trouxeram outra garota com eles.

Ela era filha de um aliado caído, cujos pais haviam sido mortos em um conflito entre famílias.

Meus pais a adotaram.

No início, eu, quando mais jovem, fiquei muito feliz por ter uma irmã para brincar.

Eu a tratei como se fosse meu próprio sangue.

Mas então veio a importante reunião das famílias.

Eu estava servindo chá a um convidado distinto, exatamente como minha mãe havia instruído.

De repente, Bianca "acidentalmente" esbarrou no meu braço.

O chá escaldante derramou sobre ela, e ela gritou de dor.

Correu chorando para os braços dos nossos pais, o corpo tremendo.

— Pai, mãe, por favor, não culpem minha irmã! Eu sei que ela não quis me humilhar na frente dos convidados! Por favor, não fiquem bravos com ela, a culpa é toda minha por ser tão desastrada!

Com essas palavras, meu destino foi selado.

Todos os convidados me encararam com desprezo.

Exigi saber por que ela tinha me incriminado.

Um lampejo de sorriso maldoso tocou seus lábios antes de ela começar a soluçar.

— Irmã, por que você me empurrou? Eu só queria ajudar com o chá!

Daquele dia em diante, aos olhos deles, eu era uma traidora da família.

Outra vez, na véspera de Natal, eu estava ajudando a preparar presentes, como manda a tradição da família.

Bianca adicionou secretamente pó de nozes alergênico aos doces que eu estava encarregada de preparar.

O filho de outro Don teve uma reação alérgica grave, quase causando um desastre diplomático.

Como punição, meus pais me trancaram por três dias, convencidos de que eu estava tentando sabotar uma aliança familiar.

Draven e eu éramos namorados de infância, nosso noivado acertado desde cedo.

Desde jovem, eu vinha sendo treinada para apoiar o herdeiro de uma família mafiosa.

Numa ocasião, fui encarregada de organizar e proteger um livro-caixa secreto contendo as transações mais importantes da família.

Bianca se ofereceu para me ajudar a arrumar o escritório.

Ela fotografou o livro às escondidas e vazou seu conteúdo para uma família rival.

Como resultado, vários de nossos cassinos clandestinos foram invadidos pela polícia, causando grandes prejuízos.

Eu não tive como me defender e fui marcada como a traidora que havia traído a confiança do Don.

Mais uma vez, o porão de vinhos me aguardava.

Ao longo dos anos, eu me acostumei à fome e às punições.

Meu corpo, já frágil, ficou cada vez mais debilitado.

Depois veio o diagnóstico do médico: disfunção renal.

Ele me receitou medicação especial para os rins.

Eu tomei fielmente, todos os dias, durante seis meses.

Mas meu quadro não melhorou. Na verdade, piorou.

O que era uma disfunção renal leve se deteriorou e evoluiu para doença renal em estágio terminal.

Nem mesmo meu médico conseguiu explicar a progressão anormal da doença.

— Pela lógica, com esse medicamento, sua função renal deveria ter estabilizado ou até melhorado. — Disse ele, perplexo.

Só muito tempo depois descobri a verdade.

O "remédio salvador" que eu tomava religiosamente havia sido substituído por um veneno de ação lenta, criado para destruir meus rins.

As pílulas que deveriam me curar se tornaram o catalisador que acelerou minha morte.

E eu as tomei sem saber por seis meses.

Quando finalmente criei coragem para contar aos meus pais, fui interrompida antes mesmo de começar.

— Eleanor, todo dia é um problema diferente com você. Como alguém tão fraca pode ser esposa de um herdeiro?

Tudo bem. Não importava. Ninguém acreditaria em mim de qualquer jeito.

A dor aguda nos rins me fez encolher na cama.

Para ser sincera, eu já não conseguia distinguir se a dor era física ou emocional.

De repente, senti uma enorme vontade de comer o espaguete que meu avô costumava fazer, um sabor que nenhuma iguaria cara jamais poderia substituir.

Mas meu corpo estava exausto e eu não tinha dinheiro suficiente para a passagem.

Até mesmo uma viagem ao seu túmulo se tornara um desejo impossível.

Pedi o espaguete mais barato disponível em um aplicativo de entrega.

Enquanto esperava, recebi uma mensagem de Draven.

[Eleanor, se estiver com fome, volte.]

[Peça desculpas à Bianca como deve.]

[Todos nós só estávamos com raiva. Se você voltar e admitir que errou, ainda será minha noiva, a filha mais velha da família Rocci.]

Talvez meu silêncio desde que saí houvesse incomodado Draven, porque, pela primeira vez, ele foi quem veio falar comigo.

Eu me perguntei se nossos dez anos de história juntos valiam ao menos um fiapo de preocupação genuína dele.

Eu não respondi.

A campainha tocou. Achei que fosse minha comida.

Mas, quando abri a porta, Bianca estava ali.

— Que espelunca. — Ela disse, torcendo o nariz enquanto examinava o quarto.

— O que você está fazendo aqui? — Perguntei, fraca.

— Vim visitar minha pobre e querida irmã, é claro.

Ela caminhou até o saco de comida ao lado da porta e o chutou "sem querer".

O molho derramou pelo chão.

— Ops. Mil desculpas. — Disse com um sorriso de deboche.

— Ah, e eu tenho boas notícias para você.

Ela se sentou numa cadeira, cruzando as pernas.

— Já cancelei sua sessão de diálise.

— E aquele padre que ia ajudar você a quebrar o noivado? Foi expulso por violar regras da Igreja.

— Você não tem mais ninguém.

Ao ouvir isso, finalmente perdi a compostura.

— Por que você está fazendo tudo isso?

— Porque eu te odeio. Se quiser culpar alguém, culpe a si mesma por ser um azar. Você até arrastou o padre para sua desgraça.

— Então você tem insuficiência renal. E daí? Pode gritar pro mundo inteiro, mas a mamãe, o papai e o Draven acreditam em você?

— Se vai morrer, morra longe. Por que quer ser um estorvo aqui?

Mesmo vendo todo o ódio dela, eu não senti nada.

Em vez disso, encontrei uma calma que nem sabia que tinha.

— Irmã, eu nunca te fiz nada. Por que está fazendo isso comigo?

Bianca soltou uma risada profundamente sarcástica.

Demorou muito até ela parar.

— O que posso dizer? Uma filha adotada nunca é tão boa quanto a filha de sangue.

— Por mais que tentassem esconder, eu sempre vi a preferência deles por você.

— Então eu tive que encontrar maneiras de garantir meu lugar nesta família.

— O que mais você fez? — Perguntei. Eu queria ouvir da boca dela.

— Com um pouco de "medicamento especial", eu podia fingir uma alergia. — Disse Bianca, despreocupada.

— Eu me queimei. Eu coloquei o pó de nozes nos doces. Eu roubei o livro secreto.

— E o seu remédio para os rins? Troquei tudo por um veneno que destrói os rins.

— Deu muito trabalho te incriminar, sabia?

— E então? Está com raiva?

— Nesse estado, prestes a morrer, o que você pode fazer comigo?

A dor no meu corpo se misturou com uma fúria gelada, e comecei a tremer.

Tentei me levantar, mas ela me empurrou de volta ao chão.

— Não se anime demais, irmã.

— Você sabe que mamãe e papai não te amam mais.

— Eles me amam. Sempre foi eu.

— E o Draven também. Ele vai casar comigo no final. Quando ele herdar a família Frost, eu serei a Donna mais honrada.

— Ver você ficando mais fraca a cada dia tem sido tão divertido.

Ela me deu um chute nas costelas antes de ir embora, com um sorriso satisfeito.

— Aproveite o pouco tempo que te resta, querida irmã.