Mariana levantou-se sorrindo, com a elegância de quem já estava acostumada a ser o centro de todas as atenções.
— Encontrei a Tati por acaso e a chamei pra almoçar comigo. Você não vai se importar, né, Cris?
Cristiano lançou um olhar frio para Tatiane, passando por ela como se fosse apenas parte do cenário.
— Se você está feliz, por mim tudo bem.
Sentou-se naturalmente ao lado de Mariana, como se aquele sempre tivesse sido o seu lugar.
Mariana, solícita, serviu-lhe café.
— A gente estava aqui conversando, e a Tati comentou que vocês vão se divorciar. — Disse num tom leve, quase divertido. — Já pensei até em arrumar um bom rapaz pra ela. Depois de tantos anos, seria injusto deixá-la sozinha.
Cristiano não reagiu.
Mas o simples fato de se sentar ao lado de Mariana, e não da própria esposa, dizia tudo.
O olhar dele era distante.
Cada vez que cruzava com o de Tatiane, desviava, como quem evita um obstáculo.
Ela não reclamou.
Não tinha energia pra isso. Nem direito.
O que sentia, acima de tudo, era constrangimento.
Devia ter imaginado. Se Mariana estava na empresa, era óbvio que estava ali para encontrá-lo.
O garçom se aproximou com o cardápio.
Cristiano fez o pedido.
— Cris, você só escolheu o que eu gosto. Pede também alguma coisa que a Tati goste, né? — Mariana riu.
Cristiano levantou os olhos para Tatiane, rápido, impassível.
Naquele instante, pensou o quanto ela parecia fora de lugar ali.
Tatiane sentiu o mesmo.
Totalmente deslocada.
Pegou o celular discretamente, tentando se proteger naquele gesto automático.
Cristiano estendeu o cardápio na direção dela.
No exato momento, o celular de Tatiane começou a tocar sobre a mesa.
Ela atendeu.
Do outro lado, a voz apressada de Ana ecoou:
— Sra. Tatiane, o Sr. Gabriel, do Helix Group, acabou de chegar. Disse que o processo do Projeto 2 ainda não foi concluído. Falta a assinatura do Sr. Cristiano, e sem isso eles não podem iniciar.
— Tudo bem. Já estou voltando pra empresa. — Tatiane respirou fundo.
Desligou.
Olhou para Mariana com um sorriso educado.
— Mariana, surgiu uma urgência na empresa. Vou precisar voltar agora. Aproveitem o almoço.
Pegou a bolsa e o celular e saiu antes que qualquer um dos dois respondesse.
Assim que deixou o restaurante, respirou fundo.
O ar pareceu mais leve.
O céu, mais alto.
Por um breve instante, sentiu que recuperava um pouco de si mesma.
Dentro do restaurante, Mariana virou-se para Cristiano com um sorriso curioso.
— Então é verdade? Vocês vão mesmo se divorciar?
— E você acredita em tudo que ela diz? — Ele soltou uma risada curta, desdenhosa.
Recostou-se na cadeira, pegando a xícara de café com um gesto tranquilo.
Tati gostava de poder. De status.
Não era do tipo que abria mão com facilidade.
Mesmo que quisesse, não deixaria o patrimônio escapar.
Dividir os bens com ela, isso, sim, seria uma novela interminável.
Mariana arqueou as sobrancelhas, observando-o.
— Eu achei que ela falava sério. Ou será que é você quem não quer se separar?
— Você pensa demais. Vamos comer. — Cristiano riu, leve, irônico.
Mudou de assunto com a mesma frieza com que trocava de camisa.
— E você? Como está se sentindo?
Mariana ergueu o queixo. O sorriso ganhou um toque doce.
— Estou ótima. Minha irmã tem sido generosa comigo. Ela ainda cuida de mim.
No escritório, após encerrar a reunião com o parceiro comercial, Tatiane acompanhou o Sr. Gabriel até a porta.
— Fique tranquilo, Sr. Gabriel. Eu mesma vou pedir a assinatura do Sr. Cristiano ainda hoje. O projeto não vai atrasar, prometo.
— Ah, agradeço, Sra. Tatiane. Estou em boas mãos, então.
— Imagina, é tudo pelo trabalho.
— O Sr. Cristiano teve sorte de encontrar uma esposa tão dedicada. Dá até inveja. — Ele riu.
Tatiane apenas sorriu, mantendo o tom profissional.
Pouco depois, Ana apareceu com a marmita do almoço.
— Sra. Tatiane, como foi o exame hoje?
Tatiane abriu o recipiente.
— Tudo certo. O médico disse que está tudo normal.
— Mesmo assim, precisa se cuidar, viu? Agora você é jovem, o corpo aguenta, mas isso tem um preço. Um dia, a conta chega. — Ana a observou, séria.
— Eu sei. Pode deixar. Vou me cuidar. — Tatiane riu suavemente.
Prometeu a si mesma que não ficaria presa ao trabalho por muito tempo.
Mas promessa é uma coisa... E ela, mais uma vez, se afundou nos relatórios logo depois do jantar.
À noite, ainda estava no escritório. Quase todo o andar às escuras, menos a sala dela.
Não era paixão pelo trabalho.
Era fuga.
Voltar para casa significava encarar o vazio.
E o silêncio do quarto gritava mais alto que qualquer relatório.
Naquele mesmo horário, Cristiano participava de um jantar de negócios.
Enquanto conversava, o celular vibrou.
Era Lorena.
Ele se afastou da mesa, saiu para a área externa e acendeu um cigarro.
— Cris, você sabe que horas são? — A voz da mãe veio firme. — Você nunca para. Será que dá pra sossegar uns dias? Pra ser marido de verdade por duas noites que seja?
Cristiano tragou fundo, o olhar perdido no estacionamento.
— Mãe... A senhora foi pro Residencial Solaris?
— Fui, sim. Vou ficar aqui uns dias. E quero você em casa agora. Ah, e passa na empresa pra buscar a Tati. Ela ainda está trabalhando.
O silêncio dele durou alguns segundos.
Apagou o cigarro no cinzeiro.
— Tá bom. Eu sei.
Desligou.
Passou a mão pela testa, massageando as têmporas.
O cigarro, o vinho, o barulho. Tudo começava a cansá-lo.
Pegou o celular novamente e abriu a lista de contatos.
Procurou.
Nada.
Não havia Tatiane.
Nunca salvara o número dela.
E, sinceramente, já nem lembrava o número completo.
Soltou um suspiro curto.
Como o caminho de volta passava pela empresa, decidiu ir direto até lá.
Sem ligações. Sem avisos.
Passava das nove, e para Tatiane, a noite estava apenas começando.
Naquele dia, ela não tinha atendido clientes nem participado de reuniões, preferiu organizar os documentos de transição do trabalho.
Afinal, se o divórcio realmente fosse adiante, não havia motivo para continuar na empresa.
Nos últimos anos, havia tocado inúmeros projetos, e agora precisava deixar tudo em ordem, sem dar a ninguém o prazer de chamá-la de ingrata.
O prédio estava quase todo às escuras.
Apenas algumas luzes permaneciam acesas nos escritórios do andar superior.
O silêncio tomava conta do ambiente, tão profundo que o som do teclado parecia ecoar.
Tatiane já estava acostumada àquela solidão metódica.
Era o único lugar onde ainda se sentia útil, viva, em controle.
Enquanto digitava, os olhos fixos na tela, ouviu batidas na porta.
— Entre.
A porta se abriu.
Tatiane ergueu o olhar.
Era Cristiano.
Ela piscou, surpresa.
— Você ainda está no trabalho? — Pegou uma pasta sobre a mesa e se aproximou. — O projeto com a Helix Group vai começar, mas o contrato ainda não foi finalizado. Fui ao seu escritório duas vezes hoje à tarde, mas você não estava. Será que pode assinar agora?
Cristiano a observou por alguns segundos antes de pegar o documento e folheá-lo.
Havia muito tempo que ela só falava com ele sobre trabalho.
Nada além disso.
O contrato estava em ordem.
Cristiano pegou a caneta sobre a mesa dela, inclinou o corpo e assinou com sua caligrafia firme e impaciente nos campos destinados ao contratante.
Tatiane recebeu os papéis, conferiu rapidamente as páginas e, em tom neutro e profissional, disse:
— Atualmente, só estou responsável por esse projeto. Depois farei a transição com o Diego. Assim que terminar de organizar a documentação, apresentarei minha carta de demissão para você e para o conselho. — Fez uma pausa. — Também redigi um termo de confidencialidade. Depois que eu sair, não vou atuar em nenhum setor relacionado e vou manter em sigilo todas as informações da Áurea Global. Se houver algo mais que precise preparar, posso providenciar nos próximos dias.
Cristiano não respondeu.
Apenas a encarou, como se tentasse reconhecer naquela mulher firme a garota que ele conhecera.
Tatiane sustentou o olhar, serena.
Não era formada em finanças ou administração.
Era engenheira. Automação, robótica industrial, controle inteligente.
Na época da Universidade A, Tatiane era uma prodígio.
Entrara aos dezesseis anos, com uma das notas mais altas do país, tornando-se o maior orgulho de seus professores.
Ainda no ensino médio, já construía modelos de robôs, participava de competições, ganhava prêmios e até havia depositado uma patente em seu nome.
No último ano da faculdade, recebeu convites para o mestrado na própria Universidade A, em outras duas instituições de prestígio e até de universidades estrangeiras.
Mas, por Cristiano, recusou todas.
Achava que o amor valia mais do que qualquer diploma.
E foi assim que a menina genial escolheu o caminho mais irracional de todos: o do coração.
Agora, diante daquele homem, sentia apenas um vazio tranquilo.
"Quando isso acabar, vou voltar pra minha área. Vou voltar a estudar. A fazer o que amo."
Ela sempre preferira robôs a pessoas.
Não gostava de cargos sociais, nem de representar, nem de sorrir quando queria chorar.
Ali, falando com ele sobre contratos, percebeu.
Já não era sua esposa.
Era apenas sua funcionária.
Cristiano continuou em silêncio.
Cristiano olhou para Tatiane com o rosto inexpressivo, e por um instante teve a estranha sensação de estar diante de uma ilusão.
Tatiane já não era mais a mesma de antes, não tinha mais o calor de outrora, nem aquele brilho vivo no olhar, tampouco se esforçava para agradá-lo.
Por fim, falou com frieza:
— Minha mãe está no Residencial Solaris. Vamos pra casa.
Tatiane pareceu querer dizer algo, mas apenas assentiu.
— Tá bem. Só vou guardar os papéis e desligar o computador.
Ela organizou os documentos, desligou o monitor e, ao se virar, viu que Cristiano ainda estava ali.
Esperando.
Isso a surpreendeu por um segundo.
Pegou o celular e a bolsa, e o acompanhou pelo corredor vazio.
No elevador, o silêncio era denso.
Cristiano, mãos nos bolsos, olhava para o painel.
Tatiane encarava o reflexo dos dois na porta metálica.
Dois corpos lado a lado.
Tão distantes quanto estranhos.
Ao chegarem ao térreo, o Maybach preto os aguardava.
Tatiane entrou no banco de trás.
Cristiano foi para o volante.
Ela nunca mais tentara sentar-se na frente.
Lembrava da primeira vez, logo após o casamento, quando Lorena pedira que ele a levasse até a casa da família.
Ela abrira a porta do passageiro.
Cristiano trancara a porta.
O resto do caminho fizera em silêncio, com o coração apertado e o sorriso imóvel.
Desde então, nunca mais entrara no carro dele.
Naquela noite, era apenas coincidência.
Quando o motor ligou, Tatiane cruzou o braço esquerdo sobre o peito e segurou o celular com a mão direita.
Não olhou para ele.
Não tentou conversar.
O silêncio dentro do carro era quase palpável.
Houve um tempo em que contava tudo para Cristiano.
Depois de descobrir que ele ignorava suas ligações de propósito, que lia suas mensagens e não respondia, aprendeu a calar.
Cristiano também não disse nada.
Dirigiu o trajeto inteiro em silêncio.
Dois mundos separados pelo mesmo carro.
Quando o portão automático se fechou atrás deles, Tatiane soltou um leve suspiro.
Dentro de casa, o clima mudou.
Lorena veio ao encontro deles com um sorriso caloroso.
— Tati, querida. Que bom que chegou. Fiz uma sopa pra você. Vem tomar enquanto está quente.
— Claro, mãe.
Lorena recebeu Tatiane com entusiasmo, como se só ela existisse ali, Cristiano, simplesmente, foi ignorado.
Ele, porém, não se fez de rogado: caminhou direto para a sala de jantar, puxou uma cadeira e sentou-se sem dizer uma palavra.
As empregadas serviram o jantar.
Lorena acomodou-se ao lado de Tatiane e segurou-lhe a mão.
— Tati, estou pensando em ficar aqui no Residencial Solaris por uns dias. Você não se incomoda, né?
Tatiane arregalou um pouco os olhos, surpresa com a pergunta.
— Imagina, mãe. Pode ficar o tempo que quiser.
O sorriso de Lorena se abriu.
— Sabia que podia contar com você.
Do outro lado da mesa, Cristiano observava as duas.
Uma mulher que ele nunca conseguira entender.
Outra que parecia tê-lo substituído sem esforço.
Quando Lorena percebeu o semblante fechado do filho, lançou a ele um olhar firme.
— Cris, não adianta me encarar assim. Você pode ter a opinião que quiser, mas não vai mudar nada. — Endureceu o tom. — De agora em diante, quero você voltando pra casa depois do trabalho. Jantando aqui. Chega de viver fora como se não tivesse família.
Ela dizia que ficaria alguns dias, mas tinha outro plano.
Estava ali para vigiá-lo.
E só sairia quando Tatiane engravidasse.
"Quero ver se essa tal de Mariana é párea pra mim."
Cristiano ergueu os olhos com um ar preguiçoso e provocante.
— E o dinheiro? Não quer mais gastar?
— Quem é que precisa sair de casa à noite pra ganhar dinheiro, Cristiano? Para de inventar desculpa. Vai trabalhar de dia e volta pra casa de noite, como qualquer homem decente. — Lorena bufou.
Sabendo que discutir com a mãe era inútil, ele deu de ombros.
Longe daquela casa, ninguém o controlava.
Tatiane, em silêncio, pensou que, se o divórcio não saísse logo, ele seria o primeiro a enlouquecer.
Depois do jantar, ficaram um tempo na sala com Lorena. Conversa leve, trivial.
Quando a mãe achou suficiente, acompanhou os dois até o quarto, certificando-se de que entravam juntos.
Só então desceu as escadas.
A porta se fechou.
Cristiano tirou o paletó e o deixou no sofá.
Arregaçou as mangas da camisa.
O tecido claro contrastava com a pele branca e as veias azuladas que marcavam os braços.
O celular vibrou na mesinha.
Ele não atendeu de imediato.
Pegou um cigarro, acendeu e caminhou até a janela de vidro.
O brilho da brasa iluminava parte do seu rosto.
A fumaça saía lenta, desenhando-se no ar.
Atendeu.
— Minha mãe veio pra cá. Hoje à noite não vou.
— Tudo bem. Vai descansar, então.
— Tá certo. Eu sei.
— Beijo.
Cristiano respondeu com um murmúrio suave, quase terno.
Um tom que Tatiane jamais ouvira dirigido a ela.
Ele não se incomodou com a presença dela no quarto.
Falou como se estivesse sozinho.
Quando desligou, voltou até a mesinha e apagou o cigarro.
O cheiro do tabaco tomou o ambiente.
Tatiane sentiu o ar pesado.
Sair dali seria suspeito aos olhos de Lorena.
Ficar era um constrangimento contínuo.
Cristiano acendeu outro cigarro, abriu o notebook e começou a digitar.
Indiferença sólida, como uma muralha.
Sem saber o que fazer, Tatiane sentiu-se encurralada. Aquela situação não podia continuar daquele jeito.
Então olhou para Cristiano e disse:
— Pensei que talvez a gente pudesse resolver logo o divórcio, antes de contar pros nossos pais.
Era verdade.
Cristiano ergueu os olhos devagar.
Fixou nela o olhar frio, atento.
Um sorriso breve, provocante, surgiu nos lábios dele.
— Tão apressada assim pra se livrar de mim? Já tem outro, é isso?