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Capítulo 8

Author: Nuvem
Era Camila.

Leonardo mordeu os lábios num sorriso malicioso e apertou aquela cinta de boneca que cabia direitinho na palma da mão.

— Saudades de quê, hein? — Ele provocou com aquela voz aveludada que Julia conhecia de cor, a mesma que costumava fazer ela derreter toda.

— Seu danado... Vamos entrar logo. — Camila se derreteu nos braços dele, fazendo aquela voz manhosa de menina mimada que sabia usar quando queria algo.

Os dois se grudaram ali mesmo na calçada, se devorando como se o resto do mundo tivesse deixado de existir.

Julia se transformou em estátua de sal, os olhos pegando fogo devagar enquanto uma vermelhidão dolorosa tomava conta, o coração fatiado por navalhas invisíveis numa tortura que anestesiava tudo ao redor.

Na memória dela, Leonardo sempre foi controlado, centrado, dono absoluto de cada gesto. Só com ela ele mostrava aquele lado selvagem que guardava dos outros, aquela intensidade que era só dela.

Agora estava se despedaçando por outra, se entregando com a mesma paixão que um dia pertenceu só a ela.

Lá na frente, Leonardo se saciou daqueles lábios e entrou no clube de braços dados com a garota, parecendo um casal apaixonado saído de filme romântico.

Julia encheu os pulmões do ar pesado da noite e, num ato de puro masoquismo, seguiu os dois para dentro.

Quando chegou na porta do camarote e segurou a maçaneta, a cena que se desenrolou diante dos olhos quase a destroçou por completo.

Leonardo e Camila brincavam de se beijar com um guardanapo fino entre os lábios, numa dança íntima que fez o estômago de Julia se revirar como se tivesse levado um soco no ventre.

— Porra, beija de novo aí! — Berrou alguém no meio da bagunça.

— Leonardo é foda, sabe como fazer! — Outro se juntou na provocação.

A turma toda estava em êxtase, cutucando sem pudor:

— E aí, Camila, conta para a gente como o Leonardo se vira na cama?

Camila se escondeu toda tímida no peito do homem, enquanto Leonardo, com a camisa meio aberta e completamente solto, a puxou mais perto e lançou um olhar divertido para os amigos.

— Chega, seus safados, não estão vendo que ela fica sem jeito?

— Hahahaha, Leonardo, sempre falei que você tinha que curtir mais a vida! — Um deles disparou sem filtro. — A Julia não tem nem metade do fogo que você encontra por aí!

Do lado de fora, Julia segurava a maçaneta com as mãos tremendo feito vara verde, as lágrimas descendo mudas pelo rosto devastado.

Aquela porta estreita tinha virado o tribunal da sua humilhação.

Então era isso. Os amigos do Leonardo sabiam da traição há tempos, todo mundo estava por dentro menos a idiota que ela era, todos se divertindo às custas da palhaça que ela fazia.

Não aguentou mais nem um segundo, girou nos calcanhares e saiu correndo dali como animal ferido.

...

Dentro do camarote, o rosto de Leonardo fechou como céu de temporal quando ouviu o nome de Julia sendo arrastado para a lama.

— Já avisei que quando estou aqui, ninguém menciona a Julia. — A voz cortou o ambiente como lâmina. — E outra coisa, o que acontece entre essas paredes fica entre essas paredes, senão vocês vão me conhecer por inteiro.

— Relaxa, cara, entendemos o recado. — Tentaram acalmar os ânimos.

Mas Leonardo continuou de cara amarrada, o humor totalmente azedado.

Mesmo quando Camila tentou se aproximar de novo, ele estava desligado, sem interesse algum.

Julia era zona proibida, território sagrado onde ninguém pisava.

...

Julia saiu tropeçando nas próprias pernas, foi direto para uma lixeira e ficou ali vomitando até sair água dos olhos, as entranhas reviradas de nojo puro.

Que asco, que repugnância sem fim!

Esfregou com força o braço onde Leonardo tinha tocado mais cedo, como se quisesse arrancar a própria pele, e só então se arrastou até o táxi.

Se jogou no banco traseiro feito boneca quebrada.

— Motorista, mudou o destino, não vou para casa. Me leva num bar qualquer.

O taxista observou ela pelo retrovisor. Tinha visto como Leonardo se despediu dela feito marido exemplar e segundos depois estava se agarrando com outra mulher. Que falta de vergonha.

Soltou um suspiro pesado:

— Moça, homem é tudo farinha do mesmo saco, não tem escapatória. Vocês devem estar casados há um bom tempo, né? Pelo que vi, seu marido não parece ser louco, deve dar para conversar. Arruma uma hora e coloca tudo na mesa, porque a vida tem que seguir.

Julia balançou a cabeça, os olhos vermelhos e inchados.

— Homem que trai é lixo humano, por que eu ia me rebaixar? — A voz saiu embargada, mas firme.

O motorista percebeu que tinha tocado em ferida aberta e ficou quieto, levando ela para o primeiro bar que encontrou.

Leonardo já tinha pago a corrida, ainda com gorjeta generosa.

O taxista deu alguns conselhos paternais antes de ir embora.

Julia tinha anos de experiência em eventos sociais, conhecia bem seus limites, perdia raramente o controle com álcool. E tinha faixa preta em taekwondo, senão jamais teria coragem de frequentar esse tipo de lugar sozinha de madrugada.

Ela pediu um Bloody Mary bem forte.

Sozinha no balcão, tentando afogar no álcool as imagens nojentas que grudavam na memória.

— E aí, gostosa, beber sozinha é desperdício. — Uma voz melosa invadiu seu espaço.

Um sujeito de camisa florida se sentou ao lado dela sem convite, exibindo aquele sorriso nojento enquanto a devorava com os olhos.

Julia estava usando blusa de seda cinza, saia preta justa, cabelos soltos nos ombros, uma visão de tirar o fôlego.

Julia ergueu os olhos e fixou o olhar na marca branca no anelar do cara.

Soltou uma risada de desprezo.

— Casado e ainda tem cara de pau para falar uma coisa dessas? Sua índole está mais podre que peixe velho.

O sujeito mudou de cor, agarrou o pulso dela com força e apontou para a aliança que ela usava.

— Olha quem fala! Também é casada e está aqui toda produzida se oferecendo. Somos iguais, para de bancar a santa.

Julia estreitou os olhos até virarem fendas perigosas e acertou um chute preciso nele.

Aproveitou que ele caiu e saiu andando rápido.

— Sua vadia! — O cara gritou, se levantou, mancando e foi atrás dela.

Julia dobrou a esquina apressada e se chocou contra uma parede humana, bateu o nariz e a dor explodiu na cabeça.

— Ai, droga... — Ela gemeu cobrindo o nariz, sentindo um perfume masculino limpo e caro.

Uma mão grande e firme pousou no ombro dela.

Em seguida, a voz grave desceu do alto:

— Está machucada?

Julia acenou vagamente, ainda tonta de dor, sem olhar direito para o homem, já querendo sair dali.

Foi quando uma voz grossa e raivosa explodiu atrás:

— Ei, sua piranha, para aí! O chute que você me deu, eu vou te...

A ameaça morreu no ar quando o desgraçado viu quem estava protegendo Julia.

Ele apontou o dedo na cara dela com ódio.

— Eu sabia que você era vagabunda! Já está grudada em outro homem, que rapidez!

Julia ia abrir a boca para responder quando o canalha voou longe com um chute de um segurança, se contorcendo no chão.

Um gerente apareceu correndo, viu quem estava ali e quase teve um ataque.

— Sr. Antônio, peço desculpas pelo transtorno, vou expulsar esse sujeito agora mesmo!

Sr. Antônio?

Julia nunca tinha ouvido esse nome em Santa Clara. Curiosa, ergueu os olhos para ver quem era.

O homem tinha um perfil impecável, traços marcados e aristocráticos, olhar frio e penetrante. Terno preto sob medida, alto e elegante, gravata perfeitamente ajustada... Cada movimento exalava classe e poder.

Antônio Ribeiro olhou para o gerente com desprezo total.

— Os clientes fazem o que querem aqui e a culpa não é da administração? — A voz saiu gelada. — Quem não conhece pode pensar que é bordel.

Bruno suou frio na hora, nem ousou olhar nos olhos do homem.

— Vou resolver isso agora, prometo que não acontece mais... — Ele gaguejou, depois olhou para Julia. — Esta deve ser sua namorada, né? Foi falha nossa, garanto que não se repete! Que tal liberar o consumo de vocês hoje, cortesia da casa?

Antônio e Julia ficaram confusos.

— Não é isso! Você entendeu errado! — Julia se apressou em negar. — Vou pagar minha conta, sim.

Começou a procurar o celular na bolsa, revirou tudo. Mas por mais que procurasse, não encontrava em lugar nenhum.

Julia franziu a testa. Só Leonardo tinha mexido na bolsa dela. Será que ele tinha pego o telefone?

Por quê?

De repente parou de procurar, uma realização terrível tomando conta. Leonardo tinha roubado o celular para apagar as fotos da Camila...

Mas nem pensou que se ela passasse por algum perigo, como ia pedir ajuda sem telefone?

Naquele momento, Julia sentiu todos os sabores amargos da vida misturados... fel, vinagre, sal queimado.

— Senhora? — Perguntou o gerente, confuso.

Julia voltou à realidade e disse constrangida:

— Desculpe, perdi meu celular, não posso pagar agora. Deixo minha identidade aqui e volto amanhã para quitar?

— Deixa que eu pago. — O homem disse de repente.

Julia ficou sem jeito, mordeu o lábio e o olhou de soslaio.

O cara mantinha uma expressão fria, nem parecia se importar. Devia ser troco miúdo para ele, apenas uma gentileza.

— Obrigada. — Julia murmurou, mordendo os lábios. — Me dá seu contato que eu te pago depois?
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