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Capítulo 8

Author: Doce Felina
Ele já tinha deixado claro o que pensava, então se eu insistisse no assunto, só pareceria teimosa demais.

Ícaro olhou para frente, com um ar despreocupado, e comentou:

— Júlia vem pra matriz na semana que vem. Tem um cliente importante, amigo dela, que só quer negociar com ela. Antes era o André quem recebia, mas ontem a família dele sofreu uma perda, ele precisou viajar. Melhor não incomodar o André agora. Você vai receber o cliente no lugar dele.

— Tudo bem. Vem mais alguém com ele?

— Só ele mesmo.

Nós conversamos sobre os detalhes da recepção, os padrões do atendimento e o que eu precisava cuidar. No final, Ícaro pediu que eu reservasse o hotel e enviasse o número do quarto pra ele.

Desde que entrei na empresa, já rolavam boatos de que a Júlia e o Ícaro eram mais do que colegas. Ela vivia arrumando pretexto de “cuidar de cliente” pra vir pra matriz e ficar perto dele — cliente que ninguém nunca viu. Agora, dava pra ver que não era só fofoca.

De repente, duas buzinadas me trouxeram de volta à realidade. Era o carro do Tiago chegando.

Mesmo com o carro parado na nossa frente, Ícaro não soltou minha mão.

Tiago desceu correndo do carro, foi abrir a porta pra nós.

Eu achei que Ícaro só estava me acompanhando, mas ele entrou no carro junto comigo, ainda de mãos dadas, bem na frente do Tiago.

— Alameda Vitta.

Esse era só um dos muitos apartamentos do Ícaro na cidade, localizado bem no centro, num prédio chiquérrimo, com segurança top e preço nas alturas.

Durante o caminho, Tiago fez de tudo pra agradar o Ícaro, elogiava, puxava papo, bajulava — dava até vergonha de ver.

Quando chegamos, Tiago correu pra abrir a porta de novo. Ícaro desceu e, sem soltar minha mão, me puxou junto.

Eu e Tiago trocamos um olhar por cima do carro, os dois sem reação.

Ícaro se despediu, sério:

— Obrigado, Tiago.

Tiago parou por um segundo, depois forçou um sorriso:

— Sr. Ícaro, isso não é nada, é uma honra servir o senhor.

— Servir a mim? — Ícaro riu de canto de boca, virou o rosto pra mim e completou. — Serviu direitinho. Agora vai pra casa, se cuida no caminho.

Depois disso, ele passou o braço pela minha cintura e me levou para o prédio.

Ele caminhava com a calma de sempre, enquanto eu sentia tudo apertado e constrangedor. Em que outro lugar do mundo um marido leva a esposa para encontrar o amante?

Assim que entramos, Ícaro tirou o casaco e largou no sofá, desabotoou dois botões da camisa, deixando à mostra a clavícula forte.

Ele sempre preferia camisa branca — com a pele clara, ficava ainda mais limpo e elegante.

Eu tirei meu casaco, me virei e vi Ícaro indo até o bar, de costas, servindo duas taças de vinho.

Antes de dormir, ele gostava de um vinho, e já tínhamos esse ritual de brindar juntos.

Nos sentamos um de frente pro outro, separados apenas pelo balcão do bar. Ele tirou as abotoaduras e dobrou as mangas, revelando o antebraço definido.

Ele virou o vinho de uma vez e me olhou:

— Isso é o que você chama de amor?

Na hora, eu perdi o chão.

Desde que ele me puxou pra entrar no carro, eu já tinha entendido as intenções do Ícaro.

Ele nem fingiu que estava sem motorista — queria mesmo era usar aquela noite pra me jogar na cara o quanto meu “amor” era ridículo.

Eu abaixei os olhos, sem resposta.

— Ainda não entendeu? — Ícaro insistiu.

Como não entenderia? O que ele não sabia era que, pra mim e Tiago, tudo aquilo era só uma estratégia: engravidar.

— Você disse que ele te ama. Amor é entregar você pra mim? — Ícaro serviu mais vinho, agora com um tom suave. — Você é muito ingênua.

Eu fiquei brincando com a taça, pensando em como fazer ele baixar a guarda naquela noite, pra aproveitar a chance e engravidar logo, me livrar dele de uma vez.

Resolvi me mostrar vulnerável:

— Sr. Ícaro, se o senhor acha que eu sou tola, eu admito. Mas o amor do Tiago é real, sim. Ele não tem o seu poder, mas em casa, ele me trata com carinho, não me deixa pegar no pesado, cuida de tudo pra mim. Eu nunca tive isso na minha família. Meus pais sempre foram frios e duros comigo. Foi só com o Tiago que eu entendi o que é ser cuidada de verdade.

Ícaro tomou mais um gole de vinho e comentou, com um sorriso irônico:

— E por isso você aceita se deitar comigo pra ajudar na carreira dele?

Aquela frase fez tudo o que eu disse antes soar patético.

Ainda assim, tentei manter a dignidade:

— Sr. Ícaro, o senhor ajudou minha família financeiramente, e eu sou muito grata por isso. No trabalho, deu oportunidade pro Tiago crescer, mostrou confiança nele. Por tudo isso, eu nunca vou esquecer o que fez por nós dois. Mas o sentimento entre eu e Tiago, isso o senhor nunca vai entender.

Ícaro me chamou com o dedo. Eu me levantei, fui até ele. Ele pegou a taça da minha mão, bebeu o vinho e, de repente, me beijou profundamente...

Eu senti a fita do meu vestido sendo desfeita, como se ele estivesse abrindo um presente.

O olhar dele, intenso pelo vinho, foi ficando cada vez mais selvagem, e o beijo também.

Eu logo cedi à intensidade selvagem dele. Ícaro me pegou no colo e me sentou no balcão do bar; ali mesmo, nos entregamos sem reservas. Eu conseguia ver, refletidas no lustre de cristal acima, as nossas sombras entrelaçadas, meu rosto corado e meus olhos perdidos naquele prazer avassalador.

Naquela noite, ele perdeu o controle. Eu quis aproveitar a chance para usar o broche, mas ele percebeu e jogou a peça longe com um simples gesto.

No silêncio do quarto, ouvi o som seco do broche rolando pelo chão, mais uma oportunidade que se esvaía diante de mim.

Na manhã seguinte, cedo, eu abri os olhos e só então percebi que ainda estava no apartamento do Ícaro.

Vesti o roupão dele e fui para a sala. Não o encontrei, mas vi uma senhora de uns cinquenta e poucos anos saindo da cozinha com o café da manhã recém-preparado.

Quando ela me viu, sorriu com gentileza:

— Yasmin, já acordou? Venha tomar café.

Eu hesitei um instante.

— Ainda não me arrumei, vou me lavar e já volto.

Quando me virei para sair, lembrei de perguntar:

— Como devo te chamar?

Ela respondeu com simplicidade:

— Sou Catarina, parente distante do Ícaro. Ele me chama de irmã.

Ícaro podia chamá-la de irmã, mas eu sentia que não tinha essa intimidade.

— Catarina...

Mal terminei de falar, ela me interrompeu sorrindo:

— Me chama de irmã também, igual ao Ícaro. Fica tudo em família.

— Eu... — Eu não sabia como explicar o que eu era dele.

Talvez percebendo meu constrangimento, Catarina se aproximou e perguntou:

— Moça, quantos anos você tem?

A pergunta inesperada me pegou de surpresa.

— Tenho vinte e oito.

Ela riu, pegou na minha mão e comentou:

— Olha só, certinho! Ícaro tem trinta e um, vocês combinam. Esse menino nunca deu trabalho, mas agora que cresceu faz a família se preocupar. Cuido dele há anos, e você é a primeira garota que ele traz pra casa.

Quando percebi que o mal-entendido estava crescendo, tentei explicar:

— Catarina...

— Hum? — Ela franziu levemente a testa.

Eu tratei de corrigir imediatamente:

— Irmã.

— Agora sim! — Ela sorriu satisfeita.

Eu queria dizer que não era namorada dele, mas nesse instante a porta do escritório se abriu. Ícaro saiu de lá segurando algumas folhas, virou-se para Catarina e falou:

— Irmã, vi que a geladeira tá vazia. Vai comprar umas coisas frescas, por favor.

Catarina entendeu na hora, foi tirando o avental enquanto respondia:

— Se você não tivesse lembrado, eu ia acabar esquecendo. Vou lá buscar, pode deixar a louça na mesa que depois eu arrumo.

Quando ela saiu, Ícaro veio até mim e me entregou os papéis. Peguei sem entender.

— O que é isso?

Quando li o título em negrito — ACORDO DE DIVÓRCIO — encarei Ícaro, sem acreditar no que via.

Só ouvi ele dizer, com a voz calma:

— Eu preparei isso logo cedo. Você só precisa assinar. O resto deixa com o advogado.
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