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Capítulo 4

Author: Peixinho
Tinham se passado poucos dias desde a última visita, e, assim que Eliana desceu do carro, os empregados da família Pinto a cumprimentaram em coro, chamando-a de senhora Pinto.

O corpo reagiu com um arrepio contido, e ela atravessou o hall sem saber onde pôr as mãos.

Na sala ampla, Leandro e Lara dividiam o mesmo sofá. O olhar da mãe pousava no filho com um afeto que misturava doçura e pena, uma intimidade que despertou em Eliana um fio de inveja, porque, na memória dela, cenas quentes de família já se desfaziam como fotos antigas.

— Sente-se aqui, Eliana. — Lara a chamou com voz macia.

Ao ouvir o som suave e ver o sorriso, Eliana quase enxergou a própria mãe. Ela guardou a pontada, aproximou-se e ocupou o lugar indicado junto de Leandro, apesar de saber que a presença dela o incomodava. Sentada de perfil, Lara avaliou os dois com satisfação discreta.

— Vocês formam um belo par. Combinam demais.

Leandro manteve a expressão fechada. Eliana respondeu com um sorriso curto, algo acanhado.

— Leandro, a Eliana é uma boa moça. Agora é sua esposa, trate ela bem.

Ele não se moveu. Lara se levantou, estendeu a mão para Eliana e a conduziu até o andar de cima com um gesto íntimo que dispensava cerimônia. Quando a porta do quarto se fechou, a doçura cedeu espaço a um tom mais direto.

— Vocês dois não estão morando juntos?

Eliana mexeu a cabeça em negativa.

— Isso não pode continuar. — Lara franziu o cenho. — Sem dividir o teto, o vínculo não nasce.

Eliana pensou que ninguém ali buscava amor. O que a família queria era um herdeiro, e a pressa em arranjar uma esposa para Leandro só confirmava isso.

Ela escolheu as palavras com cuidado ao responder:

— A gente registrou o casamento sem ele saber, então ainda não me aceita. Se eu aparecer na casa dele agora, a rejeição cresce.

Eliana falou baixo e, para amaciar, acrescentou:

— Vou me esforçar, pode deixar. Casei para levar a sério. Quero cuidar dele, ter filhos e construir uma família de verdade.

A atitude dócil agradou. Lara tocou o ombro de Eliana com tapinhas leves.

— Você tem juízo. Enquanto garantir descendência para a família Pinto, nada vai faltar.

Eliana assentiu com um sorriso comportado.

— Esta noite vocês ficam aqui. — Decidiu Lara, sem rodeios.

O sorriso de Eliana vacilou, preso no rosto como se tivesse congelado.

Lara, por sua vez, manteve-se toda sorrisos, sem demonstrar notar o constrangimento dela.

— Oportunidade a gente cria. Se esforce, viu? — Ela disse num tom leve.

Eliana puxou os cantos da boca e forçou um sorriso. Logo depois relaxou, convencida de que Leandro jamais aceitaria esse tipo de arranjo.

Quando o jantar terminou, Eliana ficou esperando que ele saísse da mesa. Para sua surpresa, Leandro apenas se levantou e subiu direto para o quarto.

Ela franziu a testa, intrigada com aquela atitude.

Naquele instante, uma empregada trouxe uma bandeja de frutas frescas. Bem-humorada, Lara a colocou nas mãos dela.

— Leva lá para cima. Come com o Leandro.

— Tá bom. — Eliana pegou a bandeja com as duas mãos, comportada, como se estivesse cumprindo um dever.

No meio da escada, respirou fundo para se recompor. Parou diante da porta, levantou a mão e bateu de leve.

A porta se abriu, revelando o rosto pálido e frio de Leandro. O olhar, distante, não trazia nenhuma emoção.

— Querido. — Ela chamou, num tom meloso, quase provocativo.

O semblante dele escureceu ainda mais.

Eliana ergueu a bandeja, inclinou a cabeça num sorriso delicado, os olhos brilhando como se buscassem agradar.

— Quer comer umas frutas?

Percebendo uma sombra discreta no canto da escada, ele abriu espaço e a deixou entrar.

Assim que a porta se fechou, Leandro a empurrou contra a parede com força. As cerejas bem lavadas caíram do prato e se espalharam pelo chão, rolando pelos cantos do quarto.

O impacto fez as costas dela doerem, mesmo sob o suéter, e por um instante o ar lhe faltou. O corpo ficou rígido contra a parede, como se cada músculo tivesse congelado diante da violência repentina.

A mão dele agarrou sua garganta, apertando sem medir força.

— Tanta encenação... o que você quer?

A dor se espalhava rápido, o sufoco queimava por dentro, e a coragem que tentava manter quase se desfez. Eliana percebeu que havia sido cedo demais ao pensar que ele não era doentio. Desesperada, bateu no ombro dele, cada golpe mais fraco que o anterior.

Quando seus olhos ficaram vermelhos e úmidos, a visão embaciada pelas lágrimas que ameaçavam cair, a expressão de fragilidade pareceu tocá-lo por um instante. Só então Leandro hesitou e afrouxou a mão.

Eliana tossiu várias vezes, a garganta ardendo, como se cada respiração lhe arranhasse por dentro, até recuperar um pouco de ar. O peito subia e descia de forma descompassada, e a cada inspiração sentia o coração martelar dolorosamente.

Ainda ofegante, estendeu a bandeja caída diante dele, como se aquela atitude pudesse apaziguar a tensão.

Leandro franziu o cenho. Que absurdo. Mesmo naquela condição, ela ainda oferecia frutas.

— Sua mãe disse que você devia comer mais. Faz bem. — A voz dela saiu fraca, entrecortada.

Ele pegou o prato sem dizer nada. Eliana deslizou pela parede até se sentar no chão, a mão pressionando o peito. O coração batia tão forte que parecia arrebentar contra a palma da mão.

Leandro não achava que tivesse sido bruto demais, mas, vendo-a assim, por um instante suspeitou ter passado da medida.

— O que eu poderia te fazer, afinal? — Ela riu sem jeito, o sorriso quebrado nos lábios. — Se acha que tenho segundas intenções, se acha que quero tirar algo de você, faça um acordo por escrito. Eu não encosto em nada que seja seu.

De cima, ele a encarava em silêncio. Ela ergueu um pouco o queixo; os cílios pesados de lágrimas lhe davam um ar de pena. Naquele momento, parecia sincera.

— Vou escrever. — Leandro disse direto. — Tudo que é meu não tem nada a ver com você.

— Posso te admirar?

Ela o olhava com ansiedade contida. Os olhos marejados carregavam ternura tímida e um cuidado cheio de medo.

De repente, Leandro achou aquilo interessante. Mal havia terminado com Rafael, casava às cegas com um estranho e agora parecia estar apaixonada até o osso.

Ele se abaixou devagar, até ficar na altura dela, e murmurou com ironia:

— Quantos rostos você ainda esconde?

Eliana não encontrou palavras.

— Admirar um homem condenado... é para morrer ao meu lado quando eu morrer? — A voz dele cortava como veneno.

Diante do olhar vazio dela, ele soltou um sorriso frio.

— Você não quer se divorciar? Muito bem. Seja qual for a sua intenção, para mim você continuará sendo apenas um nome. Nada além disso.

Mesmo com a aparência debilitada, a proximidade ainda fazia transbordar uma pressão sufocante, deixando Eliana com o peito apertado e a respiração curta.

Leandro se ergueu com altivez.

— Sua identidade fica trancada. Lá fora, nada de esposa. Você não tem nada a ver com a família Pinto.

Eliana respirou fundo em silêncio. Não retrucou, apenas tomou aquilo como acordo. Afinal, nunca teve a intenção de revelar a ninguém. Nem acreditava que esse casamento pudesse durar.

— Hoje à noite você vai ter que se virar. — Eliana ergueu o rosto, os olhos marejados piscaram devagar. — Sua mãe quer que a gente more junto.

Leandro virou de costas e disse com frieza:

— Fora da cama, você pode dormir onde quiser.
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