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Capítulo 5

Author: Peixinho
Leandro entrou no banheiro sem sequer olhar para trás, deixando claro que não pretendia prolongar a conversa.

O som da porta se fechando ecoou pelo quarto, e Eliana, sozinha, levou a mão ao pescoço. Por um instante, acreditou mesmo que ele seria capaz de estrangulá-la.

Sem que ele precisasse repetir, já sabia que o melhor seria manter distância. Escorregou até a parte mais escura do quarto e, com amargura, pensou que o plano de se tornar ricaça por aquele caminho não estava funcionando.

Quando Leandro voltou do banho, lançou um olhar rápido para a porta e não a viu no mesmo lugar. Supôs que tivesse saído, mas, ao avançar alguns passos, encontrou-a sentada no chão, acuada na penumbra.

Eliana digitava no WhatsApp. A amiga estava inquieta desde que soube que os dois dividiriam o quarto, e Eliana tentava tranquilizá-la com uma foto tirada do chão e uma mensagem breve: [Não pira. Estou é com mais vontade de mexer com o coração dele.]

No mesmo momento, um ruído suave chamou sua atenção.

Ela ergueu os olhos e o viu. O pijama cinza, com a gola entreaberta, deixava à mostra a pele clara do pescoço e o relevo marcado do pomo de adão. O cabelo ainda úmido caía sobre a testa, e o olhar preguiçoso dava a ele um ar quase felino, de uma imponência calma que hipnotizava. Os traços perfeitos não deixavam espaço para defeito algum. Como marido, só a presença já valia por si.

— Dorme cedo. — Disse Eliana, num gesto de cortesia, que também lembrava da saúde dele.

Leandro não respondeu. Foi direto para a cama, levantou o edredom, deitou-se e apagou a luz.

Ela ficou sem reação. O quarto amplo e silencioso a engolia. Sentia-se como uma gata de rua que, sem querer, entrou numa casa que não a queria. Restava a ela apenas se encolher e apagar a própria presença. Perdeu o ânimo de continuar narrando tudo a Catarina.

Para ele, aquilo parecia normal. Se fosse o contrário, talvez já tivesse chamado a polícia.

Encostada na parede, Eliana não sentia frio, porque o aquecedor mantinha o ambiente aquecido, mas a estranheza de dividir o quarto com um homem com quem não tinha intimidade, embora fosse seu marido no papel, deixava-a em alerta.

Pensou nos últimos dias. Tudo parecia um sonho atravessado de sobressaltos. Um riso quase escapou, mas o gosto que veio junto foi amargo. Suspirou baixo, fechou os olhos e recordou o ditado que sempre ouvia, de que o caminho que se escolhia, mesmo de joelhos, precisava ser percorrido até o fim.

...

Eliana acordou encolhida, o frio atravessando o corpo como se lembrasse a cada segundo da posição desconfortável em que havia passado a noite.

Ninguém a puxava para a cama, nenhum cobertor a envolvia, nenhum gesto quente suavizava a distância entre os dois.

Leandro podia ser impiedoso, e naquela madrugada mostrou que não tinha intenção de disfarçar.

Já de pé e impecavelmente vestido, ele a observava a poucos passos.

— No banheiro tem roupa limpa. Se arruma direito. Não quero ninguém dizendo que te maltrato.

Eliana esfregou o nariz e acabou espirrando. A preocupação dele não parecia dirigida a ela, mas à imagem que os outros teriam.

Mesmo assim, ela se apoiou na parede para se erguer. As pernas estavam dormentes, a lombar latejava, o pescoço parecia preso. Cada passo até o banheiro exigia esforço.

Leandro acompanhou a cena com olhar imóvel, mas dentro do peito sentiu uma pontada rara. Não imaginava que ela tivesse realmente passado a noite sentada no chão. Casaram-se, mas ela manteve distância. Para ele, isso soava como bom senso.

O celular vibrou na mesa. Ele atendeu sem tirar os olhos da porta entreaberta do banheiro.

— Leandro, eu caí. — A voz de Eliana soou frágil, trêmula.

O cenho dele se fechou. Pouco antes acreditava que ela tinha bom senso. Agora vinha com aquilo.

— Caiu? Então levanta.

Do outro lado, o silêncio pesado. Eliana tentou falar, mas a dor se impôs. As lágrimas escorreram quando percebeu a frieza dele. Se conseguisse se erguer, não teria ligado.

— Não consigo me mexer... — Ela fungou, com a voz embargada.

Tinha tentado tirar a calça, ficou apoiada em uma perna só, perdeu o equilíbrio e despencou. Por sorte o celular escorregou junto para o chão. Do contrário, teria que gritar até ficar rouca.

O gelo dele a feriu, mas não havia a quem culpar.

— Leandro... — Ela chamou de novo, num fio de voz.

— P*rra. — Ele soltou um resmungo curto, algo entre suspiro e irritação, e desligou.

Eliana pensou que não havia mais esperança, mas a porta do banheiro se abriu com força.

Leandro entrou com a expressão carregada. O desagrado transbordou quando a viu estendida no piso frio. O sutiã preto contrastava com a pele clara, uma perna ainda presa no jeans, a outra solta. A posição era desajeitada, sem qualquer elegância.

O rosto de Eliana ardeu de vergonha. Sabia que estava patética, mas não havia como mudar a cena.

— Eu não consigo levantar. — Disse Eliana, com voz baixinha.

Para provar que não fazia drama, ela apoiou as mãos no chão e tentou erguer o quadril. A dor veio aguda e a obrigou a soltar um gemido, com lágrimas saltando dos olhos.

O olhar de Leandro escureceu. Ele se abaixou sem palavra, passou os braços por baixo dela e a ergueu do chão.

O contato da pele fez a garganta dele apertar. Engoliu seco, tentando disfarçar o incômodo, e se deixou carregar. Ele a colocou na cama com firmeza.

Eliana puxou o edredom, cobrindo-se, sem se importar de estar deitada ali, no espaço dele.

— Obrigada. — Ela murmurou, a voz ainda frágil, mas sincera.

Nunca havia passado por vergonha tão grande. Cair já seria constrangedor em qualquer situação, mas no banheiro dele, sem roupa, parecia cruel. Ainda bem que não havia tirado tudo. Esse pensamento foi o único consolo. Com o lábio preso entre os dentes, Eliana permaneceu muda, a humilhação pesando no ar.

Alheio à expressão dela, Leandro pegou o celular e fez uma ligação curta.

— Dá um pulo aqui na mansão antiga. Não, não sou eu... Isso. — Desligou sem explicação.

O olhar de soslaio pousou na mulher encolhida debaixo do edredom. Bastava pensar que, alguns minutos antes, ela estava caída no chão do banheiro e agora estava deitada na sua cama para a testa dele vincar em desgosto. Aquela mulher parecia atrair problema como se fosse imã.

O silêncio se prolongou. Eliana acreditou que ele tivesse chamado um médico. Puxou o cobertor até o queixo, hesitou e, num fio de voz, pediu:

— Pode pegar minha roupa para mim?

Leandro permaneceu imóvel.

— Se alguém entrar daqui a pouco e me vir desse jeito... — Ela mordeu o lábio, sem coragem de encará-lo. — No papel, eu sou sua esposa. E estou na sua cama...

— Cala a boca.

Ele foi até o banheiro e voltou com um conjunto de roupas femininas, jogando-as sobre a cama sem cuidado.

Eliana já tinha notado que o banheiro não era simples. Havia um closet lateral bem-arrumado, com produtos de higiene escolhidos a dedo e, entre as prateleiras, peças íntimas e pijamas femininos dobrados com esmero. Estava claro que alguém havia preparado aquele espaço com antecedência.

Pegou a roupa, tentando se vestir ali mesmo, mas a dor nas costas e a rigidez das pernas a impediram de colocar a calça. A lombar latejava, a perna não respondia, e o tecido não subia de jeito nenhum.

Ergueu os olhos e encontrou Leandro parado a poucos passos. Não precisou falar, pois o pedido estava na expressão dela.

Ele compreendeu de imediato, e a sombra no rosto se fechou como céu prestes a desabar.

— Dá uma força? — A voz dela não tinha charme, só necessidade. — Ou chama uma das empregadas.

Leandro avançou até a cama. Sem uma palavra, puxou o edredom de lado com brusquidão, expondo o corpo dela inteiro diante de si.
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