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Capítulo 3

Author: Peixinho
O olhar dele percorreu o corpo de Eliana com intenção explícita, sem tentar disfarçar o que queria.

Ela manteve o rosto firme. Não planejava recuar e duvidava que ele tivesse coragem de avançar daquele jeito, naquele lugar. Segurou a barra do suéter e ergueu o tecido até revelar a cintura fina e clara. A renda do sutiã branco chamou atenção contra a lã preta.

De súbito, Leandro a empurrou para fora do colo com repulsa evidente. Eliana quase perdeu o equilíbrio. Quando firmou os pés, conteve o alívio que subiu no peito e preferiu exibir um ar de inocente contrariada.

Leandro lançou um olhar de lado para aquela encenação. Na avaliação dele, por dinheiro ela atravessaria qualquer linha, e esse tipo de escolha cobraria a conta no futuro. A fama de viúva não se apagava fácil, e casamento não servia de brinquedo.

— Cai fora.

Ele detestava fingimento. Eliana se sentiu absolvida e, por dentro, agradeceu. No rosto, manteve resistência.

— Querido...

— Não me faça repetir! — Leandro rosnou, sem paciência.

Ela não insistiu. Baixou o suéter, pegou o casaco e saiu do salão. Só respirou de verdade quando atravessou a porta do clube. O corpo ainda vibrava, e o frio da noite nem tocou a pele. A reunião havia sido tensa e perigosa, porém ela saía inteira.

No dia seguinte, comemorou a própria sobrevivência chamando Catarina para um almoço reforçado.

— Você tem é coragem. — Admitiu Catarina, rendida, depois de ouvir a história sem pular nenhum detalhe.

Eliana enlaçou o braço da amiga enquanto dizia:

— Fortuna se busca no risco.

— Tá, me ganhou. — Catarina ergueu as mãos num gesto de rendição. — Mas e se ele resolver ir para cima de verdade?

— Um homem daquele jeito não anda sozinho. Com aquela cara e aquela família, sempre tem quem tome partido.

— Como assim? — Catarina franziu o cenho.

— Se um filho nosso viesse, não seria um problema. — Eliana soltou um meio sorriso. — A criança nasceria linda.

Catarina ficou sem resposta. Eliana ria para aliviar a tensão, embora Catarina aproveitasse para dar um aviso sério.

Caso Leandro tocasse no assunto do divórcio, Eliana deveria aceitar sem bater de frente.

— Pensa comigo. Quando o casamento vira sufoco, o resto degringola. Aí aparece a tal briga de casal e punir agressor fica mais difícil. — Disse Catarina, num tom que pedia juízo.

— Eu entendi. — Respondeu Eliana, reconhecendo o cuidado da amiga.

Depois do almoço, as duas seguiram para o shopping. Conversaram, olharam vitrines, tentaram afastar a cabeça do assunto até que Eliana freou no meio do corredor.

Catarina acompanhou o gesto e fechou a cara.

— Traste.

Rafael estava ali. Eliana não queria cruzar nem o olhar. Não havia resto de sentimento. O que sobrava era nojo.

— Vamos. — Ela puxou Catarina pelo braço para mudar de direção.

— Medo do quê? Eu ainda nem falei o que ele merece ouvir. — Rebateu Catarina, preparando o corpo para a briga.

Eliana a segurou com firmeza.

— Não é medo. Eu só não encosto em coisa suja.

— Lixo. — Cuspiu Catarina, do jeito que dava.

Elas viraram as costas para sair dali, mas Rafael apressou o passo, cortou o caminho e barrou a passagem.

— Eliana!

Catarina se colocou na frente, pronta para segurar o tranco. Eliana a afastou de leve e encarou Rafael sem tremer.

— O que você quer?

— Você acabou com a minha paz. Acha que quero o quê? — A vergonha dos últimos dias ainda ardia. Sem descarregar o ódio, ele não engolia o que aconteceu.

Rafael tentou agarrar Eliana pelo braço. Ela se esquivou com rapidez. Ele veio de novo, mais bruto, mirando o pulso dela. Eliana girou a mão e acertou um tapa seco. O som ecoou no local. A palma ardeu, mas ela não tirou os olhos dele.

Rafael virou o rosto, atônito, e devolveu o olhar com raiva.

— Eliana, você me bateu!

— Agradece eu não estar com uma faca. — Respondeu Eliana, sem elevar a voz. — E, se insistir em me importunar, vou até a sua casa te enquadrar na frente de todo mundo.

Eliana era assim, quanto mais a pressionavam, mais dura ficava.

No namoro, Rafael quase não a viu pessoalmente. Eles viveram de chamada e mensagem, e ela sempre soou atenciosa e doce. Na cabeça dele, era a "boazinha gostosa". Não esperava firmeza desse tamanho e, ferido no orgulho, pensou que precisava domá-la.

A roda de curiosos crescia e, naquela hora, a apontada costumava sobrar para a mulher. Catarina puxou Eliana para ir embora. Rafael ficou para trás, massageando a face e gritando para as duas de costas.

— Quero ver o quanto você aguenta!

A poucos metros, Leandro havia observado a cena inteira, inclusive o tapa. Dinis, ao lado dele, também viu e se espantou com a coragem de Eliana.

— Aquele é o tal Rafael. Playboy conhecido. Rodou um vídeo dele no círculo deles. Pelo visto, a senhora gravou e espalhou.

Rafael já tinha se esforçado para apagar a gravação, mas Dinis guardava uma cópia. Entregou o celular, e Leandro assistiu em silêncio.

O assistente recolheu o aparelho e murmurou:

— Esse cara não presta. Com a humilhação que levou, pode muito bem querer se vingar.

— Quem ameaça precisa calcular o depois. — Disse Leandro, sem se deter. — Se ele atacar e ela sofrer, não me diz respeito.

Dinis prendeu a respiração. Por um instante, pensou em lembrá-lo de que Eliana constava como esposa no papel. Ainda assim, caminhou ao lado do patrão e arriscou:

— Sobre o divórcio... mantém a decisão?

Leandro recordou a expressão estudada de Eliana e a testa franziu sem esforço.

— Mantenho.

...

Eliana ficou na casa de Catarina até anoitecer. A amiga voltou a xingar Rafael e, apesar do discurso destemido, temia represália. Eliana não demonstrou receio.

— Pede ajuda ao seu marido. — Sugeriu Catarina. — No fim das contas, você é esposa dele. Deixa que ele resolva esse Rafael.

Só de ouvir o nome de Leandro, um arrepio subiu pela nuca. Havia algo perigoso naquele homem.

— Eu não trato ele como marido. Não consigo.

— E agora? Então vem morar comigo.

— Não precisa. Ele não vai ter peito de fazer nada comigo.

Depois de prometer que se cuidaria, Eliana voltou para o próprio apartamento, um dois-quartos comprado pelo pai antes do segundo casamento. Espaço pequeno, mas do jeito que ela precisava.

Tomou banho, caiu no sofá e ficou rolando vídeos até que um número desconhecido piscou na tela. Deixou tocar duas vezes e atendeu.

— Quem fala?

— Amanhã, oito da manhã. Cartório. Divórcio.

A voz era de Leandro. Eliana conferiu o número e, por um segundo, pensou no caminho que a informação percorreu até chegar ali. Para gente com recursos, nada disso custa esforço. Persistência não faltava ao moço. Ela sentou-se de pernas cruzadas, ajustou o tom para algo macio e respondeu:

— Eu casei para a vida toda. Casou, não descasa.

— Se não se divorciar, vai esperar viúvez?

A frase a cortou. Já tinha pensado nisso sozinha, só que ouvir do envolvido trazia outro peso.

— Não fala desse jeito. A medicina avança. Muita coisa tem tratamento. Se você colaborar e manter a cabeça quieta, o corpo acompanha.

Eliana falava com sinceridade, embora ninguém suportasse discurso otimista na hora errada. Leandro olhava a noite pela janela de vidro e quase via a cara desinteressada dela enquanto dizia tudo isso.

— Se não quer passar vergonha, é melhor colaborar.

Eliana percebeu que ele rejeitava o casamento sem rodeios. Ambos sabiam medir quando a fala vinha de verdade e quando apenas servia ao jogo.

— Isso eu não garanto. Converso se os seus pais concordarem. Se eles disserem sim, eu aceito.

Casamento sempre tinha um pouco de impulso. No fim das contas, tanto faz com quem se casava, pois o resultado poderia acabar sendo o mesmo. Com ele, pelo menos, tudo parecia mais simples.

Os olhos dele estreitaram. Ela havia acertado o ponto. Os pais transbordavam euforia com a união; não dariam o braço a torcer. Quanto mais pensava, mais crescia a antipatia dele pela esperteza dela.

— Vai bater de frente comigo achando que é fácil?

O grave da voz trouxe impaciência. Eliana sentiu um medo curto, controlou o impulso e preferiu encerrar.

— Já está tarde. Você não está bem, descanse. Quando mudar de ideia, ou quando convencer seus pais, a gente conversa. Boa noite.

Ela desligou sem abrir espaço para réplica. Soltou o ar devagar, salvou o contato com o nome dele e largou o celular no braço do sofá.

A imagem de Leandro, pálido e bonito, invadiu a cabeça. Ele deveria estar furioso. O plano continuava igual. Evitar encontros sempre que desse. Menos contato, menos risco.

Na manhã seguinte, porém, Lara enviou alguém para buscá-la. Queriam Eliana de volta à mansão antiga da família Pinto.
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