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Capítulo 0007

Auteur: Lina dos Santos Coelho
Sofia suspirou fundo antes de falar, como se ainda estivesse incrédula:

— Ele é um típico herdeiro de berço de ouro. Para gente conseguir abrir capital, ainda precisamos do Investimentos Sagaz, mas ouvi dizer que Investimentos Sagaz foi dado a ele pela família Salazar só para ele ir pegando prática.

Capital, família Salazar, Leon, empresa de investimentos... Tudo fechava perfeitamente.

Sofia percebeu meu silêncio e insistiu:

— Aurora? Você ainda está aí?

— Tô, tô sim. — Respirei devagar, tentando absorver as informações. — Tudo que você contou, eu passo para o Rogério, pode deixar.

Só então Sofia pareceu sossegar.

— Ótimo. E aí, já resolveu o dia do casamento? Eu quero receber convite impresso, nada de me mandar convite digital, hein!

Sorri sem entusiasmo.

— Sim, marquei para semana que vem também. E pode ficar tranquila, o convite oficial vai ser impresso.

Uma família como a Salazar nunca deixaria de enviar convites em papel para os convidados. Quando minha mãe me ligou esses dias perguntando quem precisava ser convidado, o primeiro nome que dei foi justamente o da Sofia. O restante ficaria por conta da família Salazar.

Assim que desliguei, mesmo passando mal, mandei uma mensagem para Rogério, mas ele não respondeu. Resolvi então ligar de novo. Achei que ele não atenderia, mas, para minha surpresa, ele atendeu, sim. A voz dele soou fria:

— Está me ligando sem parar. Aconteceu alguma coisa?

Então ele viu a ligação anterior e tinha me ignorado. Tentei me manter calma enquanto sentia o estômago revirar.

— O que você anda fazendo? A Sofia disse que você não pisa na empresa há dias.

Ele soltou um riso de escárnio e zombou:

— Você está querendo dizer que não tem ideia?

— Não faço a menor ideia, Rogério.

Ele respondeu quase num sussurro irritado:

— Não sabe mesmo? Por que você mandou gente jogar tinta na porta da casa da Renata? Tem noção de que ela se assusta com qualquer coisa? Ela é frágil, Aurora, e você agiu de uma forma cruel.

Cruel? A palavra me atravessou igual uma faca, sem eu saber se a dor era no estômago ou no peito.

— Foi a Renata que te disse ter sido eu? E você acreditou?

— Ela nunca mentiu desde pequena! — Ele retrucou, categórico. — Aliás, preciso que você cubra algumas pendências na empresa enquanto fico com ela. A Renata está assustada e não pode ficar sozinha.

Tomei um gole de água morna para aliviar o incômodo antes de responder:

— Meu estômago está me matando, não tenho condições de ir.

Ele sabia que nos últimos anos minha saúde vinha se deteriorando, tanto que, quando estava em casa, vivia cuidando para eu me alimentar direito e tomar meus remédios nos horários certos. Mas, em algum momento, até mesmo o ficar em casa deixou de ser rotina para ele.

— Aurora. — Ele disse do outro lado, com evidente impaciência. — Você tem essa dor crônica faz tempo, não consegue segurar um pouco? Já expliquei que não posso deixar a Renata sozinha, se não fosse isso eu não te pediria um favor desses. Esquece, vou dar um jeito.

Ele estava prestes a desligar quando chamei:

— Rogério, você volta para casa esta noite?

— Aurora, você quer mesmo insistir nisso justo agora, quando a Renata mais precisa de mim?

Fiquei sem reação por um instante. Achei que já não ligasse mais, mas aquele comentário me fez sentir um pontada aguda no peito, como se algo afiado me perfurasse os pulmões e dificultasse até a respiração.

— Hoje é seu aniversário e também nosso aniversário de seis anos juntos. — Toquei o estômago, tentando reduzir a dor. — Rogério, foi você quem prometeu que toda data especial a gente ia passar junto.

Eu precisava terminar tudo cara a cara, ou pareceria que toda a nossa história tinha sido insignificante.

Ele pareceu hesitar do outro lado:

— Eu quase esqueci de tanta correria. Aurora, eu chego aí rapidinho e ainda levo aquele doce que você adora.

Ele mal terminou a frase e ouvimos a Renata gritar ao fundo, em tom de pânico. Na mesma hora, Rogério largou o celular sem desligar e começou a falar baixinho com ela, tentando acalmá-la:

— Não fica com medo, estou aqui com você, meu amor, não vou sair daqui não.

Desliguei em silêncio, olhando para aquela casa vazia. Sem querer, acabei soltando uma risada irônica.

O tempo foi passando, o ponteiro do relógio deu várias voltas e o céu, que escureceu como um véu negro, permaneceu quieto. Além do entregador de comida que tocou a campainha, não houve mais nenhuma movimentação. Rogério, evidentemente, não voltaria para casa.

Já era quase três da manhã quando meu celular enfim vibrou com uma mensagem dele: [Aurora, a Renata não para de ter pesadelo. Mas fica tranquila, antes de amanhecer chego aí. Me espera.]

Eu fiquei olhando para aquelas palavras enquanto a casa parecia ainda mais fria. Sem responder, joguei o que restava da comida e também o bolo no lixo, fui ao banheiro tomar um banho e, em seguida, mandei uma última mensagem. Não esperei retorno, bloqueei o contato e apaguei tudo.

Peguei as duas malas que já estavam prontas e saí logo, sem olhar para trás, pegando um táxi para o aeroporto.

Não ia mais esperar Rogério dessa vez. Minhas coisas, e eu mesma, íamos finalmente embora daquela cidade que nunca foi minha.
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Commentaires (1)
goodnovel comment avatar
Silvia Morais
paguei porquê não libera a leitura
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