— Recentemente, houve um aumento nos casos de gripe. Pedimos a todos que se protejam, evitem sair em público, não se reúnam sem necessidade e mantenham-se aquecidos... — Disse a apresentadora no noticiário exibido na televisão.
— Alice, você está me ouvindo ou não?
Alice, que estava focada nas notícias na televisão, foi tirada de seus pensamentos com um sobressalto. Ela olhou ao redor, incrédula, para tudo à sua frente.
Uma sala de estar antiga, de pouco mais de 30 metros quadrados, com uma decoração envelhecida. No centro do ambiente, um sofá de madeira vermelha desgastada estava ocupado por um grupo de homens e mulheres de meia-idade. No meio deles, sentada de forma imponente, estava uma senhora gorda de cabelos brancos, aparentando uns 60 ou 70 anos.
A velha tinha uma expressão severa e olhava para Alice com raiva. Os músculos flácidos de seu rosto balançavam enquanto ela falava.
Alice observou a cena com atenção. Aquilo… não era exatamente o mesmo que havia acontecido quinze dias antes do início do apocalipse? Sua "querida avó", seu "querido pai" e sua "amada madrasta" estavam ali, naquele mesmo lugar, exigindo que ela saísse de casa para ceder o imóvel ao casamento do irmão.
Mas não fazia nem alguns minutos que ela estava no meio do cerco de zumbis na Base Leste...
— Alice, sua mãe morreu cedo, e sua madrasta sempre te tratou como uma filha de sangue. Todo mundo sabe o quanto ela foi boa para você! Agora, seu irmão vai se casar e precisa da sua casa por um tempo. Por que você está criando caso? Sua ingrata! Parece um animal que ninguém consegue domesticar! — Disparou a velha com a voz cortante.
— Mãe, Alice não é ingrata. Ela com certeza vai entender e nos ajudar. — Disse uma mulher gorda sentada ao lado da velha. Ela fazia o papel de mediadora, mas sua tentativa de parecer simpática era tão falsa que dava náuseas.
A velha bufou de forma impaciente:
— Alice, arrume suas coisas e saia logo da casa. Seu irmão disse que, se a gente for alugar, vai levar muito tempo para reformar. Essa casa está velha demais, os móveis estão ultrapassados, e sem trocar tudo, ele não pode casar aqui. Você vai ter que pagar esses móveis novos, porque ele é seu irmão! Como irmã, você não vai fazer nada por ele?
Alice, que estava de pé no meio do grupo, simplesmente riu. Eles queriam a casa dela e ainda queriam que ela pagasse os móveis novos? Era ridículo! Mais ridículo ainda era o fato de que, na vida passada, ela realmente havia concordado com tudo aquilo.
Naquele tempo, Alice tinha perdido sua mãe em um acidente de carro quando tinha apenas 14 anos. Apenas alguns meses depois, sua madrasta, Cristina Souza, apareceu, trazendo consigo um filho. Cristina era uma atriz nata, sempre mostrando um lado encantador, gentil e compreensivo.
Naquela época, Alice era apenas uma adolescente rebelde, cheia de espinhos, mas desesperada por afeto. Cristina a manipulou com perfeição, usando sua "bondade" para conquistar a confiança de Alice. Cristina nunca a repreendia, nunca interferia em suas escolhas e fazia Alice acreditar que tinha finalmente encontrado o calor de uma verdadeira família.
Alice era tão ingênua que entregava tudo o que tinha de melhor para eles. Até mesmo a única herança deixada por sua mãe, a casa que ela agora ocupava, foi oferecida sem muita resistência.
Mas quando o apocalipse começou, as máscaras caíram. Ela foi descartada por eles inúmeras vezes. E, no pior momento, quando precisaram de tempo para escapar para o carro de resgate, eles a empurraram para os zumbis sem pensar duas vezes.
Foi naquele momento que Alice finalmente entendeu o que eram laços de sangue: uma ilusão cruel. Ela era apenas carne no prato deles, sangue para saciar sua sede. Quando a utilidade dela acabava, eles a descartavam sem remorso.
Alice olhou para aquelas pessoas novamente, sentindo uma raiva silenciosa crescer dentro de si. Se pudesse, teria voltado no tempo só para dar um tapa na versão passada de si mesma por ser tão estúpida.
Sem dizer nada, Alice pegou os sacos de frutas baratas que estavam sobre a velha mesa de centro e os jogou no lixo. Depois, sentou-se casualmente na frente deles, sem se importar com as expressões de choque ao seu redor.
— Alice, o que você está fazendo? — Gritou um jovem que estava sentado no sofá menor, até então entretido no celular. Ele largou o aparelho e a encarou com raiva. — Essas maçãs importadas foram compradas pela minha avó especialmente para você! Você disse que adora maçãs, e agora faz isso?
Alice riu com desprezo. Ela adorava maçãs? Quando foi que ela disse isso? Nem mesmo ela sabia disso. Ela olhou para ele com frieza:
— Você acha que tem direito de falar comigo sobre essa casa?
Ricardo Souza, seu meio-irmão, sentiu um calafrio ao encontrar o olhar dela. Ele tentou manter uma postura firme, mas algo na maneira como ela o encarava o desarmou completamente.
Os olhos de Alice estavam cheios de uma frieza cortante, um olhar que ela havia cultivado durante os dez anos lutando sozinha no apocalipse. Era o olhar de alguém que já havia matado, sobrevivido e enfrentado o pior que a humanidade e os zumbis podiam oferecer.
Ricardo imediatamente recuou, intimidado.
Nesse momento, Cristina tentou apaziguar a situação:
— Alice, o que está acontecendo com você? Está se sentindo mal? Se for isso, podemos voltar outro dia. Eu sei que você está chateada, mas lembre-se que o Ricardo é seu meio-irmão, não é? A noiva dele está insistindo para que a casa seja no centro da cidade. Você sabe como é difícil comprar uma casa no centro hoje em dia. Mesmo com dinheiro, tem que entrar na fila para conseguir.
Cristina fez uma pausa, suspirou teatralmente e continuou:
— Olha, se você não quiser fazer isso por eles, faça por mim, por favor. Eu te imploro. Ajude seu único irmão. No futuro, quando você se casar, prometo que a gente dá um jeito de arrumar uma casa para você também...
Antes que Cristina pudesse continuar, Rafael Souza, o pai de Alice, que até então estava calado, interveio com um tom irritado:
— Arrumar o quê? Você está achando que essa casa é sua? Uma garota não precisa de casa nenhuma! Essa casa vai para o seu irmão! Quando você se casar, o seu marido que compre uma casa. Que história é essa de brigar com o seu irmão por causa de casa?
Alice ouviu as palavras de Rafael e sequer se deu ao trabalho de se irritar. Na vida passada, ela ainda se questionava por que Rafael tratava tão mal a própria filha e tão bem o enteado.
Mas agora ela sabia. Ricardo era, na verdade, filho biológico de Rafael.
Antes de se casar com a mãe de Alice, Rafael havia sido casado com Cristina em sua cidade natal. Eles já tinham tido um filho juntos. Alice, para ele, não passava de um estorvo.
E durante o apocalipse, Rafael mostrou o quão baixo podia ser. Ele não tinha escrúpulos ou limites.
Alice levantou dois dedos e falou com firmeza:
— Dois milhões.
Todos ficaram atônitos. O silêncio tomou conta da sala. Eles não entenderam o que Alice queria dizer.
— O que você está falando, Alice? — Cristina perguntou, confusa.
— Essa casa era da minha mãe antes do casamento. Ela oficializou a doação para mim e, legalmente, o título de propriedade está no meu nome. Se vocês querem a casa, paguem. Dois milhões de reais. Estou dando desconto. — Respondeu Alice.
— Você quer vender a casa para a gente? Isso só pode ser brincadeira! E onde vamos arrumar tanto dinheiro? — Cristina exclamou, alarmada.
Alice olhou para o relógio digital em seu pulso e respondeu friamente:
— Dou cinco segundos para vocês se decidirem. Se não aceitarem, vendo para outra pessoa. Cinco.
— Alice, nós somos sua família! Como você pode falar de dinheiro com a gente? — Gritou a avó de Ricardo, furiosa.
— Quatro. — Alice ignorou o protesto e seguiu contando.
— Sua ingrata! Vou te ensinar uma lição! — Disse a avó, levantando-se com raiva.
Alice não se abalou. Ela lançou um olhar gélido para a avó e continuou, acelerando a contagem:
— Três, dois...
— Quero ver se você tem coragem! — Rafael se levantou abruptamente, como se fosse bater nela.
Antes que ele pudesse fazer qualquer coisa, Alice deu um chute na cadeira onde ele estava sentado. Rafael perdeu o equilíbrio e caiu sentado no chão, com um baque surdo. Ela o encarou sem a menor emoção e declarou:
— Um.
Rafael, irritado e humilhado, gritou:
— Alice, você perdeu completamente a noção! Até seu pai você agride agora?
Alice, vendo a cena de confusão e raiva, decidiu que já tinha perdido tempo demais ali. Sem responder, ela pegou o celular e começou a discar:
— Sr. Ivo, quero vender minha casa. Dois milhões...
Aquela casa havia sido colocada em aluguel por sua mãe antes de Alice completar dezoito anos. Por isso, a propriedade havia sido preservada e só foi passada oficialmente para Alice quando ela atingiu a maioridade.
Alice continuou a falar no celular, enquanto olhava de canto de olho para os rostos perplexos à sua frente:
— Sim, a casa está disponível. Se vocês quiserem fechar agora...
— Não! Pare! Nós aceitamos! — Cristina interrompeu desesperada ao perceber que Alice estava prestes a fechar o negócio com outra pessoa. — Alice, venda para nós!
A verdade era que aquela casa valia, no mínimo, três milhões no mercado. Dois milhões era uma oferta extremamente vantajosa, e Cristina sabia disso. Além disso, conseguir uma casa nova no centro da cidade era quase impossível devido às restrições. Era necessário ter registro local e ainda participar de sorteios para adquirir um imóvel novo.
A casa de Alice era um achado.
Cristina não sabia por que as coisas não estavam saindo como planejado, mas sabia que não podia deixar outra pessoa aproveitar aquele desconto. Mesmo pagando os dois milhões, ela poderia revender a casa rapidamente por três milhões, lucrando um milhão sem esforço. Era um bom negócio.
— Fechado! Vamos comprar! — Cristina gritou, ansiosa.
Alice observou a súbita mudança de atitude e deixou escapar um pequeno sorriso. Ela desligou o celular e confirmou:
— Certo. Está vendida para vocês.
Dois milhões era um preço abaixo do mercado, mas Alice não se importava. O que ela precisava agora era de dinheiro rápido. Tempo era mais valioso do que qualquer outra coisa.
Além disso, vendendo a casa para eles, Alice sabia que eles ficariam sem dinheiro. Ela havia calculado bem: dois milhões era exatamente o quanto eles tinham.
E com o apocalipse a apenas três dias de começar, o governo logo emitiria alertas para que as pessoas começassem a estocar suprimentos. Ela queria ver como aqueles "familiares" dela conseguiriam se preparar sem um centavo no bolso.
— Transferência de 2 milhões para a conta.
Meia hora depois, no balcão do banco, a conta de Alice tinha aumentado em dois milhões de reais.
Cristina e os outros, mesmo com expressões de desagrado, tiveram que transferir o dinheiro. Eles não estavam satisfeitos, mas não ousaram reclamar, especialmente porque o corretor de imóveis de Alice, o Sr. Ivo, não parava de ligar, ansioso para fechar o negócio. Cristina temia que Alice mudasse de ideia e vendesse a casa para outra pessoa.
— Esses dias o cartório está fechado, então, quando voltar a funcionar, eu acompanho vocês para fazer a transferência de propriedade. — Disse Alice, olhando para eles.
— Não tem problema, Alice, confiamos plenamente em você! — Cristina respondeu com um sorriso forçado, apertando os olhos em um gesto que pretendia parecer amigável. — Não precisamos ter pressa com isso. Assim que tudo estiver pronto, avisamos você.
Cristina parecia tranquila e generosa, mas Alice sabia exatamente o que ela estava pensando. Cristina não estava confiando em Alice, ela estava tentando ganhar tempo. Seu verdadeiro receio era com a esposa de Ricardo. Cristina queria evitar que, após o casamento, a mulher exigisse parte dos direitos sobre a casa. Enquanto o nome de Alice estivesse no registro, Cristina teria como evitar o problema.
Alice percebeu tudo isso e não conseguiu evitar um sorriso maior. Tudo estava saindo exatamente como ela queria.
Foi então que Ricardo mudou de tom:
— Alice, agora que nossa família comprou sua casa, trate de sumir daqui! Pegue suas tralhas e jogue fora! Não quero ver nada disso quando eu voltar. Vou trazer minha esposa para escolher móveis novos.
Assim que viu o dinheiro sair da conta da família, Ricardo revelou sua verdadeira face.
— Ricardo, como você espera que sua irmã encontre outro lugar para morar em tão pouco tempo? — Cristina tentou disfarçar, mas logo mudou o tom para algo mais manipulador. — Alice é tão compreensiva, com certeza vai cuidar das coisas direitinho, talvez até pague uma taxa de armazenamento para você e compre móveis novos. Como irmão mais velho, você deveria ser mais tolerante com ela.
— Mãe, por que você ainda a defende? Essa gananciosa só pensa em dinheiro! Ela não merece nada! E tem mais, aquele cachorro velho que vive no quarto dela... trate de levar essa praga embora! Se eu voltar e ainda vir o bicho aqui, vou matá-lo e fazer um churrasco! — Gritou Ricardo, sem o menor remorso.
"Cachorro velho."
Alice, que estava prestes a pegar suas coisas e ir embora, congelou. Aquela palavra ecoou em sua mente com força.
Thor.
Alice sentiu um arrepio percorrer seu corpo. Thor ainda estava vivo! Sem perder mais um segundo com aquela gente, ela correu em direção ao quarto.
Ao abrir a porta, um grande pastor-alemão preto, forte e de olhar atento, estava andando de um lado para o outro no quarto, silencioso, mas claramente ansioso. No momento em que a viu, o cachorro saltou para abraçá-la.
— Thor!
Alice caiu de joelhos, abraçando o animal com força. Lágrimas ameaçaram cair. Thor estava vivo!
Thor era uma cadela aposentada do exército, um presente que Alice havia ganhado de sua mãe em seu aniversário de dez anos. Ele sempre fora incrivelmente leal e sensível. Após a morte de sua mãe, foi Thor quem ficou ao lado de Alice nos momentos mais difíceis.
Cristina e sua família nunca gostaram do cachorro. Tentaram várias vezes abandoná-lo, mas Thor sempre encontrava o caminho de volta para casa. Quando ameaçaram dá-lo de vez, Alice brigou com todos, enfrentando-os com determinação. Cristina, preocupada em manter sua imagem de "boa madrasta", acabou permitindo que o cachorro ficasse, mas ele nunca podia sair do quarto de Alice.
Foi só quando Alice finalmente conseguiu se mudar para a casa que sua mãe havia deixado que Thor pôde ter liberdade para se movimentar no quintal. Porém, agora que Ricardo e sua família estavam de volta, Thor havia sido confinado novamente.
Na vida passada, quando o apocalipse começou, Thor já estava velho. Enquanto Alice saía para buscar comida, Ricardo e sua família, sem nenhuma hesitação, mataram e comeram o cachorro. Foi algo que Alice nunca conseguiu perdoar, nem a eles, nem a si mesma, por não ter conseguido protegê-lo.
— Thor... — Alice disse, acariciando o focinho dele.
— Uau! — Respondeu Thor, lambendo as mãos dela.
— Thor, eu prometo. Desta vez, eu nunca mais vou deixar que algo te aconteça.
— Uau! — Respondeu Thor, como se entendesse cada palavra.
Depois de acalmar Thor e garantir que ele estava bem, Alice começou a organizar suas coisas.
A casa, embora antiga e desgastada pelo tempo, ainda guardava os móveis que sua mãe havia comprado antes de falecer. Cada peça trazia memórias preciosas. Embora não tivessem utilidade prática, Alice sentiu uma pontada de saudade ao observar tudo.
Foi então que uma voz soou em sua mente.
"Ding! Sistema do Super Lorde ativado! A cada 1,000 reais em bens acumulados dentro de uma hora, será concedido 1 metro cúbico de Espaço!"
Alice ficou paralisada, surpresa com o que acabara de ouvir. Sua habilidade Toque de Ouro acabara de se manifestar!
"Contagem regressiva: 59 minutos e 59 segundos!"
A voz do sistema continuou.
Alice, ainda incrédula, pegou seu celular de cima da mesa e decidiu tentar.
"Beep! Celular detectado, valor de 4,999 reais! Espaço concedido: 4 metros cúbicos!"
De repente, Alice viu surgir em sua mente uma área vazia de 4 metros cúbicos. O celular, que estava em sua mão segundos antes, desapareceu e apareceu nesse espaço virtual na sua mente.
Espaço estava funcionando!