Eu nunca consegui esquecer o olhar dele no momento em que caiu do penhasco. Havia sofrimento estampado nos traços, mas, ainda assim, ele insistiu em me dirigir um sorriso torto, quase desafiador.Ele chegou a mover os lábios, mas eu jamais soube o que tentou me dizer naquela fração de segundo.Depois que saí da delegacia, acompanhei Enrico até o carro.Pouco antes de partir, Luiz lançou um olhar na minha direção. O semblante dele, tão abatido, denunciava o peso da perda de Fernando e Milena, que o haviam atingido de uma forma irreparável.Achei que talvez ele fosse me dizer algo, mas só desviou os olhos, frio, antes de sumir pela porta.Continuei morando em Santa Maria, trabalhando na pousada como de costume, enquanto Luiz desapareceu da minha rotina e nunca mais foi visto na cidade.Até que, certo dia, uma multidão chegou de repente em Santa Maria, e meu primeiro impulso foi achar que estavam ali para arranjar confusão.Pensei em ligar para a polícia, mas Enrico segurou minha mão, sor
Luiz e Fernando haviam se mudado para a casa ao lado, e eu vivia cruzando com eles pelos arredores da pousada.Naquele dia, saí para comprar algumas coisas, mas logo senti que alguém me seguia. Apertei o passo, tentando despistar, acreditando que, talvez, fosse apenas Luiz ou Fernando de novo.Só que, de repente, tudo ficou preto e apaguei.Quando recobrei a consciência, estava à beira de um penhasco, Milena do meu lado. Ela parecia exausta, nada lembrava a mulher orgulhosa de antes.Segurando uma faca contra meu pescoço, ela falava com uma raiva contida:— Ana, você nunca se compara a mim. Por que eles escolheriam você? Olha só, até agora parece que nada te abala! Quero ver se mantém essa coragem quando eles chegarem, não me venha implorar, hein.Eu tentei falar, mas havia um pano enfiado na minha boca, impossibilitando qualquer palavra.Pouco depois, vi Luiz e Fernando correndo ao longe.O olhar deles era inquieto, mas ambos hesitavam em se aproximar.Milena soltou uma risada, desliz
Então Enrico ainda se lembrava daquele vídeo.Luiz e Fernando chegaram com todo o grupo deles e se hospedaram na pousada, o que me surpreendeu bastante considerando que Santa Maria fica a quilômetros de distância de Oeiras. Era verdade que a cidade tinha apostado pesado no turismo nos últimos dois anos, conseguindo atrair muitas empresas, mas mesmo assim não esperava que eles viessem pessoalmente até ali.Eu estava entediada atrás do balcão, folheando algumas ilustrações sem prestar muita atenção, quando escutei uma voz familiar me chamando.— Ana, precisamos conversar. — Disse Milena, se aproximando com aquela pose superior de sempre, embora dessa vez eu pudesse notar que seus ombros não estavam tão rígidos quanto antes, como se ela estivesse lutando para manter a compostura.Quando chegamos ao jardim, ela enfiou a mão na bolsa e puxou um cartão de crédito.— Tem cinco milhões aqui dentro. — Ela anunciou, estendendo o cartão na minha direção. — Sai do país, Ana.A surpresa me deixou
Percebi o rancor por trás das palavras dele, mas não liguei e subi as escadas. O olhar sombrio de Fernando fez meu coração, que havia se acalmado momentos antes, acelerar novamente numa inquietação que eu conhecia bem demais.Ele era um louco mesmo.Talvez Luiz já tivesse superado o passado, mas Fernando claramente ainda carregava aquele rancor todo.Fiquei sentada na cama pensando nisso quando de repente alguém bateu na porta. Mal abri e uma pessoa se espremeu para dentro sem cerimônia.Era Fernando, que agarrou meu pulso antes mesmo que eu pudesse reagir, e logo em seguida entrou mais alguém. Luiz mantinha aquela expressão indiferente de sempre enquanto caminhava com passos calmos e calculados para dentro do meu quarto. A porta se fechou com um baque surdo que soou como uma sentença.Fernando segurou meu queixo com força desnecessária, seus olhos pareciam arder em chamas contidas.— Ana, ainda tem coragem de fingir que não me conhece? — Disse ele, com a voz carregada de algo perigos
A pousada recebia apenas um ou dois hóspedes ocasionalmente, o que me deixava bastante ociosa na maior parte do tempo, mas mesmo assim o patrão era generoso com o salário. Descontando o aluguel, eu ficava com quatro mil reais líquidos.No primeiro mês comprei um celular novo e fiz uma linha telefônica usando os documentos do patrão.— Você não tem medo de que eu seja uma pessoa perigosa? — Perguntei certa vez. — Tipo uma assassina fugindo da polícia?O patrão olhou para mim demoradamente, e em seus olhos pude ver um desprezo que não chegava a ser zombaria.— Com esses seus braços e pernas de palito, assassina? — Ele riu. — Se for para falar a verdade, eu tenho muito mais cara de assassino que você.Sua expressão ficou sombria por um instante, mas eu não senti medo algum. Meu patrão, Enrico Ramos, era daqueles homens durões por fora, mas com coração de manteiga.Os dias se arrastavam monótonos e tranquilos.Naquele dia eu varria o chão quando Enrico aumentou o volume do vídeo que assis
O choque me atingiu como um soco no estômago. Minhas pupilas se contraíram num instante enquanto encarava Milena, que arqueou as sobrancelhas com uma expressão de quem havia acabado de desvendar um grande mistério.— Você realmente não sabia disso? Ai, meu Deus, Ana, você é mesmo muito ingênua! Nunca perguntou para o Luiz por que ele te levou para casa? Como consegue ficar tão de boa assim, sem curiosidade nenhuma? — Ela riu com maldade pura.Como não teria perguntado? Na festa de aniversário do Luiz, depois de alguns drinks, criei coragem e fiz aquela pergunta diretamente para ele.Lembrei que ele ficou meio sem jeito por uns segundos antes de passar a mão suavemente no canto do meu olho.— Quando te vi pela primeira vez, aquela tristeza profunda no seu olhar me chamou atenção. — Ele havia murmurado. — Naquele momento só queria te salvar, você parecia uma flor murcha, e eu queria ver como seria quando florescesse de novo. Agora você voltou à vida e está igual àquela rosa que segurava,