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capítulo 3

Author: NaMedida
Assim que cheguei a casa, comecei a arrumar minhas coisas e mandei tudo pelo correio para o endereço da escola onde atuaria como voluntária.

Quando Fabrício voltou e viu o apartamento mais vazio do que de costume, franziu o cenho:

— Por que tem tanta coisa faltando?

Respondi com naturalidade:

— Ah, doei para comunidades carentes.

— Doou? Mas eram coisas novas! Compramos tudo pra montar a casa... Foi a própria Mafalda quem escolheu a maioria dessas! — Disse ele, surpreso.

Ficou visivelmente contrariado, mas, talvez por orgulho ou para manter as aparências, suavizou o tom:

— Tudo bem. Você é a dona da casa. Se decidiu assim, quem sou eu pra dizer o contrário?

Em seguida, foi direto para a cozinha.

Só então percebi que ele tinha voltado para casa com um único propósito: preparar o mingau da Mafalda.

Uma hora depois, saiu mancando da cozinha, sorrindo de leve:

— Fiz um pouco a mais. Separei uma tigela pra você. Hoje eu fui grosso na frente da Mafalda, mas estava muito nervoso com o estado dela. Não guarda mágoa de mim, tá?

Eu entendi o recado, era o jeito dele de tentar fazer as pazes.

Ele sempre foi assim: errava, e depois vinha com uma falsa tentativa de reparação.

E o mais triste é que, na vida passada, eu realmente caía nessa.

Ao perceber que eu não toquei no mingau, se aproximou ainda mais, sorrindo:

— Vai dizer que tá esperando eu te dar na boca? Ainda tá brava comigo, é isso?

Me afastei de seu toque. As tentativas de agradar do Fabrício sempre foram melosas, e agora, apenas nojentas.

Ao ver que eu não retribuí como de costume, perdeu a paciência e voltou a se exaltar:

— Valentina, você vai continuar com isso até quando? Ainda tá achando que existe algo entre eu e a Mafalda?

— Já te expliquei mil vezes! Entre nós só existe carinho de família, nada mais! No dia da festa de dezoito anos dela, ela estava bêbada. Foi por isso que disse aquelas bobagens!

O tom dele transbordava de raiva enquanto disparava, sem parar:

— E naquele dia você também estava lá! Viu que eu rejeitei claramente os sentimentos dela e ainda dei uma bronca!

— A Mafalda é só uma menina. É natural cometer erros, mas reconhecer o erro e mudar é uma virtude enorme. Só porque, num momento, ela sentiu algo que não devia por mim, você quer condenar ela para sempre, como se fosse uma criminosa que violou toda a moral?

— Valentina, não é mania minha ficar discursando. Mas é preciso saber perdoar! E além do mais, a Mafalda já mudou. Você mesma viu: no nosso casamento, ela até fez questão de desenhar os convites com as próprias mãos!

Baixei o olhar e soltei um riso frio. Ele ainda tinha coragem de tocar nesse assunto.

Mafalda estudava artes visuais. Foi ela quem se ofereceu para criar o design dos convites do meu casamento com Fabrício.

Mas, no esboço que entregou, aparecia a foto íntima dela com Fabrício, e para completar, ela mesma se colocou de noiva, com vestido branco, e até o nome da noiva era o dela.

Levei o convite até Fabrício, revoltada. E ele, indiferente, disse:

— Era só um modelo de convite. Na impressão, ia trocar pela nossa foto. O nome da noiva também ia ser o seu.

— A Mafalda fez isso para ajudar. Provavelmente, para economizar tempo, usou a própria foto e o próprio nome.

Como o casamento estava próximo, engoli a raiva.

Mas ignorei o olhar de satisfação e de ternura que Fabrício lançou ao ver aquele convite.

Ao lembrar disso, um aperto atravessou meu peito. Então era isso… Ele já sentia, há muito tempo, o que não deveria pela sobrinha sem laços de sangue.

Agora, tanto faz. De qualquer jeito, eu estava prestes a ir embora.
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