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capítulo 2

Author: NaMedida
Meus ferimentos eram leves e logo foram tratados.

Mafalda ainda não havia recobrado a consciência, e Fabrício, ignorando a própria condição, insistia em ficar ao lado dela.

Até o médico achou aquilo um absurdo e pediu que eu, como noiva, o convencesse a aceitar tratamento.

Lancei um olhar para o joelho dele. O sangramento havia cessado, mas era evidente que algo estava fora do lugar, os dois joelhos já nem dobravam no mesmo ângulo.

— O médico disse que sua perna está seriamente machucada. Por que não vai se consultar? Eu fico aqui com a Mafalda.

Ele me lançou um olhar impaciente e respondeu, seco:

— Sou homem feito, isso aqui não é nada. E se a Mafalda acordar e não me vir por perto, vai acabar chorando.

Arqueei as sobrancelhas, perplexa.

Mafalda já tinha vinte anos, fazia tempo que havia deixado de ser uma garotinha chorona.

Mas ainda vivia grudada em Fabrício, chamando-o o dia inteiro de "tio Fabrício" com aquela voz doce e forçada.

Mesmo depois do nosso casamento, ela nunca se deu ao trabalho de esconder suas intenções. Pelo contrário, adorava provocar e semear discórdia entre nós.

Brigamos incontáveis vezes por causa disso. E em todas, Fabrício dizia que eu era mesquinha, que me incomodava à toa com uma menininha.

Afirmava que eu era maldosa, que manchava a "relação pura" de tio e sobrinha que existia entre eles. Que ele a criara desde pequena, e ela apenas se acostumara a depender dele.

Pensando nisso, não insisti mais para que fosse cuidar da perna ferida.

Fabrício me lançou um olhar irritado, a voz carregada de impaciência:

— Já cuidaram dos seus ferimentos, né? Então tá esperando o quê? Vai logo fazer um mingau pra Mafalda. Quando ela acordar, vai estar faminta.

— Faz aquele de vieiras que ela mais gosta. Não esquece a cebolinha. E pouco sal, ela ainda está machucada, não pode comer nada muito temperado.

Fiquei olhando pra ele, sem acreditar:

— Pede por UberEats. Também me machuquei. E estou exausta. Não vou ficar indo e voltando.

Fabrício franziu a testa, prestes a retrucar, mas, antes que pudesse dizer algo, Mafalda despertou na cama.

— Fabrício...

A voz de Mafalda saiu fraca, quase um sussurro.

No mesmo instante, Fabrício arrastou a perna ferida até o leito dela, ofegante.

— Mafalda, você finalmente acordou! Você sabe o susto que me deu?

— Desde os sete anos está comigo. Eu dei tudo de mim pra cuidar de você, pra te ver crescer! Se hoje tivesse acontecido alguma coisa contigo, como é que eu ia seguir vivendo?

Os olhos de Mafalda se encheram de lágrimas.

Ela disse:

— Fabrício... tio, não chora. Como eu poderia te deixar?

— No meu aniversário de dezoito anos, eu jurei que nunca mais ia sair do seu lado!

— Mesmo que você nunca entenda o que sinto, só quero que saiba, eu nunca vou te abandonar.

Fabrício segurou a mão dela com força e a encostou no próprio rosto.

— Eu entendo, Mafalda. Eu entendo tudo. Mas nesta vida, enfim, não importa. O que importa é que eu nunca vou te deixar. E quem tentar nos separar, vai se arrepender!

Enquanto dizia isso, ele lançou um olhar enviesado na minha direção.

Em seguida, vociferou:

— Valentina Alencar, ainda está aí parada por quê? Vai logo preparar o mingau da Mafalda! Por que você não pode ser mais como ela? Entender as coisas, me ajudar um pouco?

— Fabrício!

Mafalda o repreendeu com um tom manhoso e colocou a mão sobre a boca dele, tentando silenciar o Fabrício.

— Que jeito é esse de falar com a Valentina? Se ela não quiser fazer o mingau, tudo bem. Eu aguento a fome. Só não quero ver vocês brigando por minha causa…

Fabrício sempre cedia quando ela fazia aquela carinha triste, com os olhos marejados.

Seu semblante escureceu, e ele explodiu comigo:

— Valentina, tá surda? Se você não fizer esse mingau agora, então esquece: daqui a uma semana, não tem mais casamento nenhum! Isso mesmo. A tal cerimônia que você sonhou por cinco anos. Então pense bem!

Na vida passada, talvez eu tivesse abaixado a cabeça de novo.

Mas agora, encarei o Fabrício com calma e respondi, serena:

— Tudo bem. Então vamos cancelar o casamento.
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