Share

CAPÍTULO 3

Author: Caramelo de Leite
Escritório.

Miguel estava sentado na cadeira de diretor, com o olhar preso na porta por onde Inês havia saído, sem conseguir voltar a si.

Lígia o chamava repetidas vezes, mas ele nem a ouvia.

A forma fria e objetiva com que Inês veio e partiu o deixou desconcertado.

De repente, um rosto surgiu bem diante dele.

Lígia, irritada com a indiferença:

— Miguel, no que você está pensando?

Ele apertou os lábios e respondeu, depois de alguns segundos:

— Em nada.

Antes, sempre que Lígia dizia estar se sentindo mal, Inês era quem ficava mais preocupada do que ela.

Mas, hoje, parecia não dar a mínima.

Nem sequer olhou para Miguel direito.

Desde que estavam juntos, era a primeira vez que Inês o tratava assim.

Mesmo assim, Miguel não pensou muito, logo voltou a se deixar envolver por Lígia.

Mansão.

No quarto principal, onde Inês e Miguel haviam vivido lado a lado, cada canto guardava lembranças.

Cada objeto trazia o traço deles dois.

Tudo o que era dela, Inês mandou os empregados separarem.

— Senhora, quer que levemos essas coisas para outro lugar?

— Não. Joguem tudo fora.

Sentada na sala, Inês bebia chá.

Ao lado, uma mala, uma das poucas coisas que ainda lhe pertenciam.

O resto, aquilo que já estava sujo, merecia o lixo.

Ela mandou colocarem a mala no carro. Pretendia terminar o chá antes de ir embora.

Mas alguém apareceu de repente.

— Inês, quem deixou você tomar chá?

— Você está grávida, não deve tocar nessas coisas que fazem mal pro bebê.

Lígia avançou rapidamente, tentando arrancar o copo da mão dela, mas Inês o segurava firme, e Lígia falhou na tentativa brusca.

Quando Lígia ainda ia fazer força, Inês virou a mão e jogou o chá quente diretamente no rosto dela.

Antes que Lígia pudesse reagir, Inês abriu as mãos, com expressão inocente:

— Desculpa, Lígia. Escapou. Depois que engravidei, estou sem força, não consigo segurar nada direito. Talvez seja melhor tirar logo o bebê, né?

— Não!

Mais do que o rosto queimado, o bebê era o que mais importava.

Lígia reagiu na hora, tentando acalmar:

— Inês, o bebê é uma vida! Não diga essas coisas, por favor.

Logo mandou os empregados colocarem os suplementos que havia comprado na mesa de jantar e convidou Inês a comer.

Inês soltou um sorriso frio diante daquela falsa preocupação.

— Claro.

Foram para a sala de jantar.

Os empregados trouxeram uma tigela atrás da outra, sopa de galinha, sopa de peixe, caldo de ossos, tudo gorduroso e pesado.

Só de olhar, Inês já perdeu o apetite.

Mas Lígia parecia disposta a não sair dali enquanto ela não comesse.

— Inês, isso é bom pro corpo da grávida. Come um pouco.

Inês fingiu concordar, pegou a tigela... e, no instante seguinte, jogou toda a sopa de galinha sobre o corpo de Lígia.

— Desculpa, escorregou.

Pegando Lígia de surpresa, o calor a fez levantar num pulo.

— Inês! Não vem me dizer que foi sem querer! Ninguém deixa as coisas caírem duas vezes seguidas!

Antes que terminasse de falar, a sopa de peixe voou na direção dela.

— Foram três vezes. — Corrigiu Inês, calma.

Agora só restava na mesa uma tigela de caldo de ossos.

Lígia deu vários passos para trás, tensa.

O cheiro misturado de peixe, galinha e gordura a enojava, a roupa molhada colava no corpo, e o rosto dela escureceu de raiva.

Mas não podia perder o controle.

Apertou os dentes e se conteve:

— Tudo bem. Grávidas têm o humor instável, é normal. Eu só vim buscar uma coisa pro Miguel, e já vou.

Inês observou enquanto ela subia as escadas e entrava no escritório dele.

Um aperto amargo subiu no peito.

Todos aqueles anos de amor... e, desde que se casaram, Miguel nunca a deixava entrar naquele escritório.

Sempre dizia que lá era um espaço de trabalho e que a presença dela o distraía, que ela deveria viver feliz, sem preocupações.

Mas, ainda assim, permitia que Lígia invadisse o lugar quantas vezes quisesse.

Inês se lembrou da noite em que acordou e percebeu a cama vazia.

Do barulho vindo do escritório.

Levantou, ainda sonolenta, abriu a porta, e foi recebida pelo grito dele.

— Quem mandou você entrar? Sai daqui!

Aquele berro a despertou na hora.

Depois, ele se desculpou, dizendo que só estava preocupado com o descanso dela, que não queria que perdesse o sono.

Mas agora, lembrando... antes de ele gritar, lembrava-se dos dedos dele se movendo apressados no teclado, e da voz feminina que há pouco ecoava no quarto, junto das risadas dele.

Tudo mostrava o óbvio, Miguel não havia se tornado um homem podre de repente.

Ele já era assim há muito tempo.

Ela é que não tinha percebido.

Meia hora depois, a voz de Lígia voltou a soar.

— Mordomo, coloque todos os lanches, cafés e petiscos no meu carro. A Inês está grávida, não pode comer esse tipo de porcaria.

Ela havia dito que iria ao escritório pegar algo, mas saiu de lá vestindo uma camisa larga de Miguel, com o cabelo ainda molhado, claramente tinha acabado de tomar banho.

O olhar provocador dela encontrou os olhos serenos de Inês.

— Inês, eu me sujei toda quando você jogou as sopas em mim, então aproveitei pra tomar um banho e peguei uma camisa do Miguel. Você não vai ficar brava comigo, vai?

Inês soltou uma risada curta.

— Você já vestiu, né? Quer que eu arranque a roupa de você pra te mandar embora pelada?

Ao ouvir isso, Lígia ergueu o queixo, vitoriosa, e passou a ordenar ao mordomo e às empregadas que carregassem suas coisas para o carro, quem visse de fora pensaria que ela era a dona da casa.

E, como sempre, ninguém disse nada.

Ela costumava aparecer ali com frequência, dizendo que vinha visitar Inês.

E Inês realmente acreditou, deixava que a irmã se sentisse em casa, sem nenhuma reserva.

O ronco do motor esportivo ecoou até sumir.

Mal tinham se passado dois minutos desde que Lígia partiu, o telefone de Inês tocou.

Era Miguel:

— Quem mandou você jogar a sopa na Lígia? A pele dela é sensível, você sabia que ela se queimou?!

— Hoje não vou pra casa. Pense bem no que fez e amanhã me traga uma carta de desculpas!

A bronca veio com tanta força que terminou num clique seco do telefone.

Inês acabou rindo.

Quando ainda se amavam, escrever cartas de desculpa um pro outro era uma brincadeira entre eles.

Mas agora, fazer isso seria pura humilhação.

Essa casa... ele que decida se quer voltar ou não.

Inês se levantou e saiu de casa com um ar despreocupado.
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 30

    Comparada à fúria de Miguel, a atitude de Inês era fria como gelo.Ele já tinha destruído, com suas próprias ações, qualquer sentimento que ela ainda pudesse ter por ele.Agora, não importava o quanto ele gritasse, ela não sentia absolutamente nada.— Você não entende o que eu digo? Eu só quero o meu celular de volta. Tem algum problema nisso?— Você… — Miguel sentiu como se levasse um balde de água fria na cabeça. A raiva apagou, restando apenas confusão.O olhar dele estava cheio de confusão e incredulidade.— Inês, o que é que você tá querendo com tudo isso?Na cabeça de Miguel, tudo o que havia acontecido era culpa dela.Ele apenas fizera o que achava certo.Nada demais.Por que ela parecia outra pessoa de uma hora pra outra?— Já sei. Tá brava porque eu te tranquei no banheiro ontem, não é?— Você anda cada vez mais sem noção, viu? Eu te tranquei por um motivo! Se você não tivesse partido pra cima da Lígia, eu não teria feito nada.— Já é uma mulher feita e ainda não consegue ente

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 29

    Desde que voltou para a casa dos Sanches, Inês sempre viveu como uma hóspede indesejada.Mais tarde, com Miguel, também foi a mesma coisa. Cedia em tudo, sem limites, acostumada a resolver sozinha qualquer problema, quase esquecendo o que era ter alguém ao seu lado de verdade.Só depois de conhecer Duarte entendeu o que significava ser cuidada.Quando o Grupo Azevedo foi criado, quase ninguém a respeitava.Ao descobrirem que ela era namorada de Miguel, o desprezo aumentou.Achavam que ela era só mais uma mulher que se aproveitava do homem, esperando o sucesso dele pra colher os frutos.Mas Inês trabalhou incansavelmente, passou noites sem dormir, até que finalmente provou o contrário.Agora ela tinha surgido de repente como a mulher de Duarte, e ainda por cima grávida. Se fosse com aquele grupo do Miguel, com certeza diriam que ela era uma mulher venenosa, pronta pra tudo pra subir na vida e garantir o próprio lugar.Mas com a equipe do Duarte era diferente, todos a tratavam com respei

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 28

    O banheiro estava completamente vazio.Miguel arregalou os olhos.— Cadê ela?— Onde está a Inês?O gerente, ao saber que Miguel tinha chegado, correu até lá.Quando viu o banheiro vazio, ficou tão atônito quanto ele.— Ué, mas ela estava aqui ontem à noite!— Depois que vocês foram embora, ninguém mais tocou nessa sala. A gente só trancou e saiu.Miguel semicerrava os olhos, desconfiado.Mandou o gerente verificar as câmeras.Pouco depois, o homem voltou pálido.— As gravações sumiram.— O quê? — Miguel se espantou. — Como assim sumiram?O gerente também estava completamente confuso:— A gente também não entende. As imagens de ontem não deviam ter sido substituídas. Verificamos todos os horários, mas justamente o trecho em que a Sra. Inês foi trancada e o momento em que ela saiu desapareceram.Miguel se lembrou de algo.— O presidente do Grupo Moreira não veio aqui ontem?— Você não o viu nas câmeras?O gerente deu um estalo de compreensão.— Agora que o senhor falou… realmente, não.

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 27

    A escova de dentes caiu da mão de Miguel com um estalo seco no chão.A memória voltou de repente, e ele se lembrou de tudo.— Tem certeza de que avisou?— Tenho absoluta certeza… — Respondeu o assistente, firme.Miguel ficou com a expressão pesada, disse apenas: — Entendido, falamos quando eu chegar na empresa.E desligou o telefone.Do outro lado da linha, o assistente revirou os olhos.Dentro da empresa, todo mundo sabia quem realmente fazia o Grupo Azevedo funcionar.Bastaram alguns dias sem Inês, e já tinha acontecido uma confusão dessas.Quem sabia o que mais ainda poderia acontecer depois disso…Ele suspirou, despachou os colegas curiosos dizendo que o Sr. Miguel logo voltaria, e começou a pensar seriamente em procurar outro emprego.Miguel terminou de se lavar e saiu do banheiro.Lígia ainda dormia na cama.Ele se aproximou, com o rosto indecifrável, e deu leves tapinhas no rosto dela.— Lígia, acorda.Ela soltou um gemido manhoso, abraçou a cintura de Miguel, se enfiando no co

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 26

    Miguel tinha bebido demais na noite anterior e, ao ser acordado de repente, sentiu a cabeça latejar.Massageou as têmporas com irritação e perguntou, de mau humor:— O que aconteceu?— O senhor esqueceu, Sr. Miguel? Hoje às nove e meia da manhã o parceiro viria assinar o contrato. Mas não conseguimos contato com o senhor de jeito nenhum. Eles esperaram até as dez, se irritaram e foram embora. O vice-diretor ligou pra pedir desculpas, mas desligaram na cara dele. Cinco minutos atrás, o parceiro avisou que vai repensar o contrato.— Sr. Miguel, pelo jeito eles não querem mais cooperar com a gente. O que vamos fazer?Era o maior projeto do ano do Grupo Azevedo, e a equipe tinha passado meio ano negociando pra fechar.Quando finalmente o parceiro topou assinar, tudo desmoronou por causa do atraso do próprio presidente.Se essa história se espalhasse, todos morreriam de rir!E seria também um prejuízo enorme.— Nove e meia? Como é que eu não sabia disso? — Vocês são todos inúteis? Não podi

  • Meu Ex Perdeu o Juízo Tarde Demais   CAPÍTULO 25

    — Vejo que você tem plena consciência das coisas.Duarte soltou uma risada leve.— Mas é uma pena, a família Moreira não é desse tipo frio e sem coração.— Dentro do que estiver ao nosso alcance, se precisar de algo, nós vamos te ajudar.— Uma gravidez é difícil, e os Moreira não são gente sem empatia.Inês ficou surpresa.Achava que a relação entre eles era puramente um acordo.Na primeira vez que se encontraram, a atitude dele deixava claro que só queria o bebê, nada mais, o casamento era apenas um contrato no papel, sem valor real.Mas agora Duarte dizia que os Moreira não eram pessoas cruéis nem indiferentes.Será que isso queria dizer que ele também não a rejeitava tanto assim?Inês se lembrou do comentário de Tiago sobre as roupas e, de repente, percebeu que Duarte vinha ajudando em silêncio há algum tempo.Ela só não tinha notado, ocupada demais com a própria dor e o sentimento de traição.— Então... — Ela girou os olhos, reunindo coragem antes de perguntar. — Quero reerguer o G

More Chapters
Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status