Fiquei de cabeça baixa, desenhando círculos no chão.A vida é um círculo. E agora, todos eles já me disseram adeus.Com o tempo, o filho da Valentina também foi crescendo.Eles me cumprimentavam, e a magnólia balançava os galhos, como se respondesse por mim.Não sei quantos anos se passaram desde a minha morte.Só sei que minha alma ficou cada vez mais transparente. Cada vez mais leve. Até o vento começou a me carregar sem direção.— Valentina! Adeus! Tchau, pestinha!Agora era minha vez de dizer adeus.Acenei para Valentina.No momento em que eu começava a desaparecer, vi seus olhos marejados. Ela também acenou pra mim, com um sorriso entre as lágrimas:— Gina... adeus! Na próxima vida, vamos ser amigas de novo!Capítulo extra — Ponto de vista de OtávioEu amava a Regina.Mas agora, esse amor virou uma ironia cruel.Antes do casamento, Lívia veio até mim com os pais. Ajoelharam-se ao meu lado, implorando que eu me casasse com ela.Disseram que seria só pra realizar seu último desejo.
Era primavera. Tudo florescia. O sol brilhava e os primeiros botões brotavam nos galhos da árvore.Valentina chegou cedo. Usava meu vestido branco favorito e trouxe um bolo. Sentou na grama e ficou ali, comigo.Encostei levemente nela, fechei os olhos. Queria sentir sua presença. O cheiro suave do amaciante na roupa dela ainda era o mesmo: limpo, puro.Parecia que ela me sentia ali. Falava sozinha, como se me ouvisse.Contava as frustrações da semana, as fofocas da vizinhança, as novidades da minha antiga casa.Foi pelas palavras dela que descobri: Lívia e Thiago estavam presos.O filho que Lívia teve foi deixado com Otávio.Fizeram o teste de DNA. O menino nem era dele.A empresa de Otávio faliu. Hoje, ele só vegeta, sem rumo, sem brilho.Valentina sorriu. Pela primeira vez em muito tempo, parecia mais leve. Como se a sombra da minha ausência tivesse finalmente começado a se dissolver.— Valen... Valentina, chegou tão cedinho hoje. — Disse uma voz atrás.Eram meus pais e Otávio, chega
Ele não teve coragem de olhar para o lugar onde estava o meu urnário.O salão todo decorado de branco, mas os olhos dele, vermelhos como sangue.Se arrependia de tudo.De ter aceitado aquela história absurda de “último desejo” da Lívia. De não ter me valorizado. De ter dividido a cama com outra mulher. De não ter escolhido envelhecer ao meu lado.Agora, só restava a distância entre dois mundos.Alguém o xingou por trás. Ele nem se mexeu. No fundo, concordava com cada palavra. Ele não passava de um lixo humano.Enquanto todos estavam distraídos, um vulto escuro se moveu no canto da sala. Sem fazer barulho, pegou a urna com minhas cinzas.A chuva ainda caía lá fora.Essa pessoa abraçou o recipiente contra o peito, protegendo-o como se fosse um bebê.Era Valentina.Estava diferente.Cansada.As olheiras marcavam o rosto. A leveza de antes parecia ter sumido.A menina que sempre sorria, agora nem fingia mais.Caminhamos juntas, em silêncio. Como nos velhos tempos, quando éramos crianças e
— Otávio, não acredita nela! Eu e o Thiago já terminamos! Eu tô sendo acusada injustamente!Valentina soltou uma risada seca. Tirou da bolsa um maço grosso de fotos. Nas imagens, Thiago e Lívia apareciam juntos, em encontros íntimos. Algumas tiradas recentemente, provando que ainda se viam até pouco tempo atrás.— Otávio! Me escuta! Eu posso explicar! — Gritou Lívia, tentando se defender.Antes que terminasse a frase, levou um tapa no rosto. Foi minha mãe. O golpe a fez cair sentada no chão, sem reação.Nos dias seguintes, Lívia mal conseguia dormir. Escondeu o colar. E Otávio, em silêncio, continuava ignorando tudo.Nem mesmo quando ela preparou o jantar, de joelhos, pedindo perdão, ele apareceu para comer.A polícia contou a ele que eu estava grávida. Que dentro de mim havia um bebê já formado.Naquele dia, o grito de Otávio ecoou por toda a delegacia. Chorava, urrava, socava o chão até sangrar as mãos.Meus pais choraram tanto que quase desmaiaram.Também pararam de falar com ele. C
Otávio cambaleou e caiu no chão, murmurando sem parar:— Não... não é possível...O celular escorregou da mão dele e se espatifou no chão, a tela estilhaçada.— Otávio, o que aconteceu? Levanta! — Minha mãe correu até ele, tentando ajudar ele a se levantar. Mas ao ouvir da boca dele a notícia da minha morte, perdeu o controle.— Do que você tá falando?! A Gina tá bem! O que aconteceu com a minha filha?! — Gritava ela, sacudindo os ombros dele com força, em desespero.— Gina... morreu.A família inteira saiu às pressas rumo à delegacia, num silêncio cheio de súplica. No caminho, só repetiam para si mesmos que tudo não passava de um engano.Mas debaixo do lençol branco, uma mecha do meu cabelo escapava, aquele castanho-avelã que sempre me acompanhou.Com as mãos tremendo e os olhos vermelhos, Otávio puxou o tecido devagar.E ali estava eu. O corpo em decomposição. Irreconhecível.— Gina... minha filha... não faz isso com a mamãe. Eu errei, meu amor... volta pra mim, acorda! — Chorava min
Otávio assentia com um sorriso no rosto, fazendo promessas sem parar.Para agradar Lívia, ninguém teve coragem de mencionar meu desaparecimento.Foi então que uma batida urgente soou na porta.Os olhos apagados de Otávio brilharam na hora. Antes que alguém se levantasse, ele já corria até a entrada.No fundo, acreditava que eu havia voltado, que, ao saber da gravidez da minha irmã, eu teria deixado tudo pra trás e voltado pra casa, pronta pra comemorar com a família.Mas, ao abrir a porta, não era quem ele esperava.Era Valentina Pereira. Minha melhor amiga.De braços cruzados, ela analisava Otávio da cabeça aos pés, com um olhar afiado. E foi direta:— Onde tá a Regina?Valentina cresceu comigo.A vida dela nunca foi fácil. Depois do divórcio, a mãe se casou de novo e a deixou com o pai alcoólatra. Cresceu na marra, e isso moldou sua personalidade: direta, intensa, sem papas na língua. Mas comigo, ela sempre foi doce.Por mim, enfrentava o mundo. Sem pensar duas vezes.— Ela não tá aq