capítulo 3

Ele sabia. Sabia do favoritismo dos meus pais, sabia de tudo que eu sofri na infância. Sabia o quanto eu desejava que, no fim, ele me escolhesse com firmeza, com coragem.

Mas agora, tudo o que ele queria era ser o herói da Lívia. E me deixou para trás como se eu nunca tivesse importado.

Aquele escritório guardava cada esforço meu, cada pedaço de um sonho. Cada pequena conquista parecia ainda ecoar pelas paredes.

Mas, pouco a pouco, tudo foi sendo apagado.

Logo, o escritório deixou de existir. No lugar, nasceu um closet novinho em folha.

Assim como a minha vida que Lívia foi ocupando até não sobrar nada.

No canto da antiga sala, uma foto minha, pequena, de documento, ficou esquecida no chão. Otávio caminhou até ela em silêncio, se abaixou e a pegou com cuidado. Depois, guardou no fundo da carteira, como se quisesse esconder aquilo até de si mesmo.

De volta à empresa, os funcionários o informaram que eu já estava ausente havia dias. Nenhum dos projetos que eu deveria ter entregue aos parceiros havia sido finalizado.

O rosto de Otávio fechou na hora. Puxou o celular e, irritado, tentou me ligar.

Ninguém atendeu.

Pela primeira vez, perdeu o controle diante de toda a equipe. Levantou-se bruscamente e varreu os papéis da mesa com um só movimento.

Sem hesitar, me demitiu por abandono de trabalho. E, como se não bastasse, indicou Lívia para ocupar meu cargo, mesmo ela nunca tendo estudado design.

No escritório, ele acabou cedendo de vez. Se entregou ao toque da Lívia. Se beijaram com fome, como se estivessem apaixonados desde sempre.

Na mesa. Na cadeira. Com uma intimidade que feria os olhos.

Eu observava tudo, e o nojo me subia pela garganta.

Instintivamente, levei a mão até o baixo ventre, já levemente inchado, tomada por uma dor surda.

Eu estava grávida de um mês. Tinha planejado fazer surpresa.

Mas agora... agora nem eu, nem o nosso filho, tínhamos mais o direito de existir.

Nos dias que se seguiram, Otávio parecia tomado por alguma loucura. Mandava mensagem atrás de mensagem, perguntando onde eu estava.

Talvez o choque da traição já tivesse passado, e agora vinha a ressaca. As mensagens vinham com uma humildade desesperada, ele praticamente implorava pela minha volta.

Mas como eu poderia responder?

— Amor, em que você tá pensando? — Perguntou Lívia, se aproximando com um sorriso. A barriga dela também começava a despontar, levemente arredondada.

Duas semanas depois da minha morte, ela engravidou.

Com o rosto corado e um brilho nos olhos, ela parecia mais saudável do que nunca. Nem sombra de alguém com uma doença terminal.

Mas Otávio, cego, não enxergava nada disso.

Ao ouvir a voz dela, ele se assustou como se tivesse sido flagrado. Saiu rapidamente da tela de conversa comigo e tentou disfarçar.

Virou-se, levantou os braços para abraçá-la, mas então notou o colar em seu pescoço.

— Esse não é o colar da Regina? Por que você tá com ele?

— Sério? Igualzinho? Que coincidência! Achei ele lindo na internet e comprei. — Respondeu Lívia, tentando parecer casual.

Otávio franziu a testa.

Ele sabia. Aquele colar foi um presente que me deu na faculdade. Não era caro, mas eu valorizava como se fosse ouro. Nunca tirava do pescoço.

Nos olhos de Lívia, por um segundo, brilhou um lampejo de nervosismo. Mas logo tratou de mudar de assunto.

— Amor, hoje a gente tem que comemorar a gravidez! Meus pais já prepararam o jantar, tão esperando a gente em casa. Vamos?

Fiquei ali, observando os dois se afastarem. Instintivamente, levei a mão ao pescoço, agora vazio.

Aquela joia tinha sumido no dia da minha morte. O assassino levou.

E agora, a mesma peça aparecia no pescoço da minha irmã. Como acreditar que foi só coincidência?

Então... será que minha morte teve mesmo ligação com Lívia?

— Otávio, a Livinha tá colocando a própria vida em risco pra ter esse bebê. Você precisa cuidar bem dela e do filho de vocês. — Meus pais olhavam para o rosto um pouco mais magro de Lívia e deixavam as lágrimas caírem, tomados pela compaixão.