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Capítulo 6

Author: Beatriz Falcão
Toda vez que eles tinham que me sacrificar por Gabriela, usavam as mesmas frases que eu já estava cansada de ouvir.

— Gabriela tem a saúde fraca e uma história de vida difícil, ceda um pouco para ela.

Mas eu não me importava, porque o conhecimento me dava força. Eu usava meu tempo livre para estudar e, aos doze anos, fui a estudante mais jovem a entrar no ensino médio na nossa cidade. De repente, meu nome se tornou conhecido em toda a cidade, e todos sabiam que a família Lima tinha uma filha prodígio.

O telefone do meu pai tocava sem parar com ligações da alta sociedade que queriam me arrumar namorados. Mas, para não ferir os sentimentos de Gabriela, meu pai recusou todos os convites, sem nem pensar no quanto seria bom para o meu futuro conhecer essas pessoas.

Mas é claro, como eu poderia me comparar com o tesouro deles, Gabriela?

No dia em que saiu o resultado do exame de admissão, a diretora e os repórteres do jornal foram pessoalmente à minha casa para entregar a carta de aceitação. Mas quem os recebeu foram apenas meus pais, saindo às pressas. Como Gabriela permitiria que eu roubasse a atenção dos meus pais? Ela apenas fingiu que tinha dor de cabeça, e meus pais a levaram para o hospital às pressas, sem sequer ter tempo de cumprimentar a diretora.

Embora já estivesse extremamente decepcionada, senti um pouco de tristeza e desamparo naquele momento. A diretora me olhou profundamente e disse com sinceridade:

— Nossa escola não tem dormitórios, mas se você quiser morar na escola, pode fazer um pedido. Eu providencio tudo para você.

A mão da diretora era tão gentil, eu já não sentia o carinho e a atenção de um adulto há muito tempo, e não pude conter as lágrimas na frente dela.

E foi por causa dessas lágrimas que eu conheci as duas pessoas mais importantes da minha vida.

Às vésperas do início das aulas, eu não pude esperar para me mudar para a escola, longe daquela casa sem carinho. No dia da minha mudança, meus pais foram levados para o hospital por Gabriela.

Embora Cláudio estivesse de férias, ele nem sequer me ajudou a arrumar a bagagem. Ele apenas me observou, indiferente, e no final, deixou uma frase:

— Finalmente esta casa terá paz.

Eu levei a última mala para o táxi, sem sequer olhar para Cláudio. O quarto que a diretora preparou para mim era ótimo, uma espécie de apartamento confortável, que parecia ter sido reformado a partir de um antigo dormitório de professores.

Passei um dia limpando o quarto. Depois, fui a uma livraria e comprei um monte de livros e apostilas. No ensino médio, as aulas seriam mais pesadas. Eu precisava me esforçar ainda mais para superar todos.

No primeiro dia de aula, eu era, como esperado, alvo de exclusão dos outros colegas. Quando souberam que a diretora tinha aberto uma exceção para me conseguir um dormitório, imediatamente me rotularam como alguém que só conseguiu o que conseguiu por ter “contatos”.

— Olha só, a prodígio de 12 anos chegou!

— A prodígio tem medo de morar sozinha no dormitório? Será que vai chorar e chamar a mamãe à noite?

— Sentem a prodígio perto do bebedouro. Quem sabe ela precise misturar a fórmula infantil no intervalo.

Esses estudantes arrogantes me excluíram porque minha presença ofuscou o brilho deles. Essas palavras cruéis poderiam ser um grande golpe para os adolescentes, mas para mim, que renasci, soaram apenas como piadas bobas.

Mesmo sendo nova, eu era alta. Fui direto para o meio da sala de aula e me sentei. Imediatamente, ouvi mais uma voz desagradável.
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