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Capítulo 2

Author: Peixinho
O inverno castigava sem piedade. O vento frio atravessava como lâmina, e nem o aquecedor da van conseguia afastar o gelo que se instalava no peito de Eliana.

Sentia o receio rondando, mas se obrigou a lembrar que o tempo de Leandro já corria contra ele, e um homem que vivia na contagem regressiva não tinha tantas cartas para jogar.

Respirou fundo, recuperou firmeza e enviou uma mensagem rápida para Catarina, pedindo que não se preocupasse.

A van parou diante do clube de entretenimento mais luxuoso de Oeiras.

O motorista abriu a porta com gestos corretos, sem esconder a indiferença no olhar. Eliana desceu em silêncio. O homem tomou a frente e a guiou por um corredor iluminado de forma ofuscante até a última porta. As duas folhas se abriram e ele anunciou com voz neutra:

— Sr. Leandro, ela chegou.

Depois fez sinal para que Eliana entrasse.

A flecha já estava no arco, não havia retorno. Decidida a enfrentar o que viesse, Eliana atravessou a soleira sem pressa, e a porta se fechou atrás dela com peso de sentença.

O ambiente abafado parecia espesso, difícil de respirar. Cada batida do coração soava como um tambor.

Ela percorreu a sala com os olhos até encontrar uma figura recostada no sofá, pernas cruzadas, o corpo meio afundado no couro. A penumbra não deixava ver direito. No escuro, apenas a brasa rubra de um cigarro acendia e se apagava, espalhando no ar o cheiro adocicado do tabaco.

Eliana avançou alguns passos. Quando a sombra ganhou contorno, pôde ver o rosto.

As fotos não faziam justiça. Pessoalmente, Leandro era muito mais bonito, embora ainda mais pálido do que na imagem. Usava uma camisa preta com a gola aberta, revelando a linha do pescoço e as clavículas, detalhe de uma sensualidade quase insolente.

A pele clara acentuava a perfeição dos traços, e a frieza do semblante dava um ar cortante. Não havia sinal de alguém prestes a morrer. Pelo contrário, os olhos estavam firmes e lúcidos.

Com um rosto daqueles, não surpreendia que tantas mulheres sonhassem em ter um filho dele.

Quando se aproximou mais, Eliana percebeu a certidão de casamento entre os dedos dele.

Fazia sentido, pois a mãe dele ficava com o documento no dia do registro. Se os pais se empenharam tanto em casá-lo, não seria para mantê-lo escondido.

A ideia de desaparecer se mostrava ingênua.

— Já ouviu falar de gente que morre por dinheiro? — A voz de Leandro saiu fria, carregada de ironia.

O aviso estava claro. Uma mulher que aceitasse casar com ele naquelas condições só poderia ter a fortuna em mente, e, por riqueza, a morte era risco aceitável.

Eliana entendeu o recado e soube que não havia saída. Se era um jogo, jogaria até o fim. Forçou um sorriso atrevido e respondeu:

— Quem garante que não foi por admiração? Talvez eu seja apaixonada por você há anos e esse casamento, seja só a realização de um plano antigo.

O cigarro estalou nos dedos dele. Viu a mentira na mesma hora.

Apagou a brasa no cinzeiro, entrelaçou os dedos compridos e fez sinal para que ela se aproximasse. Eliana engoliu a seco e avançou.

Ele se endireitou de repente, segurou o pulso dela e puxou com força. O corpo dela colidiu contra o peito dele antes de ser empurrado para o assento. A mão firme na cintura a manteve presa, e o calor da palma atravessou o tecido pesado do casaco.

Sem dar espaço para reação, Leandro ergueu o queixo dela usando a quina da certidão. Os olhos, escuros e irônicos, se cravaram nela.

— Você me admira?

O coração de Eliana disparou, mas o rosto permaneceu sereno. O papel arranhava a pele, incômodo, e ainda assim ela sustentou o olhar.

— Em Oeiras, quase todas as mulheres solteiras te admiram.

Ele riu baixo, o som seco reverberando.

— Não tem medo de morrer?

— Tenho.

Uma sobrancelha dele subiu em desafio, e ela completou:

— Todo mundo morre. Se antes disso eu puder ser esposa do homem que admiro, não fico devendo nada à vida.

Leandro não disfarçou o desprezo. Afastou-a de forma brusca e ainda deu um tapa de lado no local onde ela havia caído.

— Divórcio.

Eliana viu a certidão ser jogada ao lado. Endireitou-se e respondeu com calma:

— Existe um período de reflexão, um mês.

— Acha que preciso disso? — Ele ergueu os olhos.

Ela ficou em silêncio. Para ele, de fato, não fazia diferença.

Leandro se levantou. A altura, a postura impecável, os ombros largos e a cintura estreita compunham uma figura imponente. Deu dois passos firmes e parou tão perto que a barra da calça roçou no casaco dela. O olhar percorreu seu corpo de cima a baixo. O recado estava dado.

— Não vou me divorciar. — Declarou Eliana.

A frieza nos olhos confirmava que não se tratava de brincadeira.

— Não estou brincando. — Continuou Eliana. — Pensei muito antes de aceitar. Só como sua esposa consigo cuidar de você como deve ser. Só assim posso te dar filhos. O tempo que tiver não importa. Não quero me arrepender depois. Pode chamar de egoísmo, mas, se for para estar ao seu lado, faço o que for preciso.

Os olhos dela brilharam com a carga da própria voz, e, por um instante, até ela se surpreendeu com a emoção que conseguiu transmitir.

Leandro se inclinou, dizendo com a voz baixa e gelada:

— Qualquer coisa?

A pressão daquela proximidade era sufocante, mas Eliana ergueu o queixo e respondeu sem titubear:

— Qualquer coisa.

Ele deixou escapar um sorriso curto, suficiente para arrepiar a pele da nuca dela. Voltou a se sentar, abriu espaço entre as pernas e ordenou:

— Ajoelhe-se.

O coração dela falhou por um segundo. A ordem estava clara, o tom não deixava espaço para dúvida.

— Nem isso consegue?

O desprezo nos olhos dele provocou uma pontada de irritação. Eliana respirou fundo, retirou o casaco e o jogou sobre o sofá. Prendeu o cabelo num elástico, apoiou um joelho de cada lado e montou no colo dele sem hesitar.

— Assim serve?

Naquela posição, o rosto dela ficou levemente acima do dele. Quando abaixou os olhos, viu a centelha de surpresa que atravessou o olhar frio de Leandro.

O suéter de lã moldava suas curvas sem disfarce, e a calça jeans realçava a linha firme do corpo. Estavam tão próximos que as respirações se misturaram, e a tensão no ar transformava qualquer gesto em ameaça de algo maior.

Eliana tinha uma beleza de impacto. Mais atraente do que em foto de casamento, os olhos levemente inclinados e o sorriso enviesado carregavam uma malícia natural.

Leandro a observava em silêncio, braços apoiados no encosto, e, no fundo dos olhos, se refletia o sorriso provocador dela.

— Tira.

Os lábios frios se moveram pouco, mas a ordem veio nítida.

Eliana disfarçou o suspiro, levou a mão ao peito dele e tocou o primeiro botão da camisa preta. Foi abrindo um a um, com movimentos firmes e contidos. A pele clara surgia pouco a pouco, um contraste que atraía os olhos.

Um botão. Dois. Três. O ar pesava mais a cada abertura.

Ela levantou o olhar. Leandro a encarava de cima, distante, com a altivez de quem observava um objeto qualquer. Ela engoliu o orgulho e continuou. Quando os dedos roçaram sem querer os músculos do abdômen, ele segurou sua mão com força.

Eliana ergueu os olhos e encontrou um breu que fez seu coração tropeçar.

— Nesse ritmo, quando sai essa criança? — A voz dele veio impaciente.

A respiração dela falhou, mas não recuou.

— Não dá para forçar. — Eliana curvou levemente os lábios. — Quando existe química, dizem que os filhos nascem mais bonitos e mais inteligentes.

— É mesmo? — O olhar dele estreitou.

— É. — Eliana enfiou coragem na voz e deslizou a outra mão por baixo do tecido, tocando a pele.

Leandro a deteve rápido, prendendo também aquela mão.

— Fico sem tirar nada? — O tom veio carregado de desafio. — Assim não tem graça.
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