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O Amor que Me Desarma
O Amor que Me Desarma
Author: Peixinho

Capítulo 1

Author: Peixinho
A porta se abriu e a cena atravessou os olhos de Eliana Ribeiro como um golpe. No sofá, dois corpos entrelaçados, alheios a qualquer coisa além de si. O zumbido que tomou a cabeça dela foi tão forte que quase abafou a própria respiração.

Durante o caminho, ela planejou a surpresa, pensou no momento em que entraria sorrindo, diria a Rafael Costa que os dois anos de namoro à distância haviam chegado ao fim porque estava de volta e tudo poderia, enfim, começar de verdade.

Ela imaginou o rosto dele iluminado, e não cogitou topar com aquela cena suja que interrompeu qualquer fantasia de reencontro.

Ficou parada, com os punhos cerrados e o estômago revirado, e percebeu que, no sofá, os dois continuavam mergulhados um no outro, alheios a tudo. Sem respirar fundo, porque o peito travou, ela puxou o celular, abriu a câmera e iniciou a gravação, decidida a não piscar até registrar cada movimento.

Quando o casal trocou de posição, a mulher deu de cara com Eliana e soltou um grito agudo que cortou o silêncio.

Assustado, Rafael arrancou a manta do encosto, enrolou-se às pressas e tentou esconder a parceira atrás do próprio corpo, tropeçando na própria pressa.

— Você... O que está fazendo aqui? O que pensa que está fazendo?

— Uma cena dessas não aparece todo dia. — Disse Eliana, com os olhos vermelhos e a voz firme. — Vou registrar e postar nos meus Stories.

Rafael largou a mulher, desceu do sofá ainda embrulhado e veio arrancar o celular da mão de Eliana, o rosto fechado de raiva e o passo pesado.

— Se der mais um passo, envio para todo mundo. — Avisou ela, o dedo firme sobre a tela.

Rafael não acreditou, continuou avançando sem medir as consequências, e Eliana tocou em "enviar para todos" sem tremer.

Rafael ficou paralisado, a expressão de espanto abriu fissuras num rosto que ela conhecia bem. A mulher doce e paciente, que sempre cedia para evitar brigas, havia mostrado outra face.

— Eliana, você enlouqueceu! — As veias saltaram na testa dele e os dedos fecharam como se procurassem um pescoço.

Eliana ergueu o celular para ele ver a tela. O 190 estava discado.

— Chamei a polícia.

Rafael arregalou os olhos, perdeu a fala por alguns segundos, apontou para ela com a mão trêmula e acabou rendido.

— Tá bom. Você venceu.

— Joguei dois anos da minha vida no lixo. Pior ainda, um cachorro receberia mais respeito do que você me deu. — Disse Eliana, com o olhar frio que não deixava espaço para acordo.

Sem olhar para trás, saiu e fechou a porta com a mesma calma com que abriu, não por frieza, e sim porque qualquer tremor faria o corpo desabar.

...

Eliana foi direto para o apartamento da melhor amiga, Catarina Lopes, e se trancou ali por cinco dias. Nesse período, Catarina gastou voz e paciência xingando Rafael de todos os jeitos possíveis.

Na manhã do sexto dia, Eliana ficou tempo demais encarando o celular, sem tocar em nada. Catarina se aproximou, envolveu a amiga pelos ombros e não tentou escolher palavras macias.

— Por causa de um traste desses? Ele não vale uma lágrima.

— Já não choro por ele faz tempo. — Respondeu Eliana, balançando a cabeça. — O que pesa é outra coisa... o casamento que o Diego quer empurrar.

— Como assim?

O pai de Eliana apareceu com um bom partido e pressionou para que ela voltasse à conversa de família.

Segundo ele, o homem vinha de uma família rica. Alto, bonito, filho único. A proposta soava generosa. O dote seria pago no registro. Se engravidasse em até dois meses, teria direito a um bônus. E, com um filho ou uma filha, passaria a ser a senhora da casa, com acesso a uma fortuna sem fim.

Catarina deu um tapa no ar, bufou e fez cara de quem já viu esse roteiro.

— Isso tem a mão da sua madrasta. Se fosse tão maravilhoso, ela empurrava a própria filha sem piscar. Cheira a armadilha.

— Você sabe de algo que eu não sei?

— Tem parte verdadeira e tem o que esconderam.

— Diz.

— O nome dele é Leandro. Bonito, poderoso, cheio do dinheiro. Por muito tempo, metade de Oeiras quis casar com ele e a outra metade, pelo menos, sonhou com uma noite. — Disse Catarina, com um biquinho irônico. — No ano passado, saiu a notícia de que ele está com doença terminal e pouco tempo de vida. Dizem que tinha namorada. Quando soube, ela sumiu do mapa. Então casar com ele é assinar que vai ficar viúva.

Eliana repetiu o nome em voz baixa, como quem testa uma peça antes de encaixar. O nome soava familiar e, mesmo sem lembrar de onde, a informação pesou porque a situação inteira parecia cruel.

— Tem mais. — Continuou Catarina. — Sua madrasta quer te empurrar para lá. E você sabe como é. Quando entra madrasta, o pai muda junto.

— Depois que ele morrer, posso casar de novo. — Disse Eliana, com calma.

— Espera... você está mesmo considerando? Em que estado esse homem está? E procurar casamento agora não mostra que o objetivo é um herdeiro antes do fim? — Disse Catarina, arregalando os olhos. — Gente assim, nessa situação, costuma ficar doida da cabeça!

— Mas pagam muito. — Disse Eliana, a voz baixa, sem floreio. — Se ele morrer, fica uma herança. É dinheiro e é liberdade. Tem quem troque tudo por isso.

— Você bateu com a cabeça? — Catarina ficou boquiaberta.

— Estou lúcida. Pensei com calma. Amor parece fantasma. Todo mundo fala, quase ninguém vê. Para quê correr atrás? A gente trabalha, se aperta, poupa, sempre para alcançar dinheiro e liberdade. Se apareceu um caminho curto, por que não seguir? — Eliana falou sério.

Catarina passou a mão pela testa, como se tentasse afastar um peso invisível, e acabou soltando um meio sorriso de espanto.

— O pior é que faz sentido.

— A realidade é essa. — Disse Eliana, sorrindo.

...

Naquela noite, Rafael ligou de um celular emprestado para ofender. Ele disse que Eliana era bonita, mas inútil, despejou rancor e desligou. Quando ela bloqueou, ele trocou de número e tornou a ligar. Eliana bloqueou um, bloqueou outro e, por fim, desligou o aparelho para conseguir dormir.

Na manhã seguinte, quando ligou de novo, o celular vibrou sem parar com notificações que transbordavam dos grupos de WhatsApp.

As mensagens de Rafael se espalharam, e ele resolveu inventar o que quisesse para ferir. Mesmo sem nunca terem transado, ele disse que o peito dela era de silicone, chamou de vulgar, repetiu que ela fingia santidade, uma sequência de frases baixas, escritas para humilhar.

Eliana respirou fundo e decidiu enxergar aquilo como um atalho do destino. Era melhor descobrir agora quem ele era de verdade do que gastar mais tempo tentando consertar um erro. Pegou o telefone e ligou para Diego.

— Eu aceito.

...

Logo, pai e filha seguiram para a mansão da família Pinto. Não encontraram Leandro, e quem os recebeu foram os pais dele.

Ao ouvirem que Eliana concordava com o casamento, eles mal esconderam a euforia e apressaram cada etapa, como se qualquer demora abrisse chance para recuo.

Eliana impôs uma condição simples e direta.

— Antes de qualquer coisa, quero o registro. Papel assinado, tudo legalizado. Dispenso festa.

Ninguém discutiu. O medo era perder a noiva antes da assinatura.

Marcos Pinto, pai de Leandro, fez uma ligação, e funcionários do cartório chegaram para realizar o registro dentro da própria casa, sem fila, sem sala de espera, tudo tratado ali.

Foi naquele encontro que Eliana viu a foto de Leandro pela primeira vez. O retrato mostrava traços regulares, um olhar fundo que prendia, uma presença difícil de ignorar. Um homem assim, sem doença e sem limite de tempo, jamais cruzaria o caminho dela em condições de casamento arranjado.

Quando recebeu a certidão, Eliana encarou a imagem que colocaram ao lado do nome dela, uma montagem visível que tentava apresentar um casal já formado. Não era perfeita, mas servia para cumprir o registro.

Lara Pinto, mãe de Leandro, entregou um cartão bancário. O dote viria sem cerimônia, e havia uma quantia para despesas pessoais. O gesto veio rápido e sem rodeios, e o cartão pareceu pesado quando tocou a palma.

Eliana guardou sem teatrinho, como quem entendia o acordo e não pretendia fingir surpresa. Olhou de novo o nome "Leandro Pinto" no documento e se perguntou, sem dizer em voz alta, o que ele pensaria ao saber que os próprios pais o colocaram à venda.

...

Ao deixar a mansão com o pai, ele sorria de orelha a orelha.

— A família Pinto te tratou bem, deu presente e tudo, né? — Eliana parou, virou o corpo só o suficiente para encará-lo

— O que quer dizer com isso? — Diego deu uma travada, o rosto sem jeito.

— Não precisa fingir. Se isso não fosse vantagem para vocês, você nem lembrava que eu existo.

— Eliana... — O constrangimento subiu no rosto de Diego.

Ela ergueu a mão, cortou a desculpa antes que começasse e andou alguns passos.

— É a última vez. Daqui em diante, não me procura mais.

...

Quando Catarina soube que o casamento estava registrado, andou em círculos no meio da sala, os olhos brilhando entre raiva e medo.

— Seu pai foi cruel. Sabia do buraco e te empurrou. E você, por que correu para o cartório? Sem papel, se desse errado, dava pra fugir. Com certidão, se ele resolver te ferrar, até correr fica difícil.

Eliana sentiu a preocupação da amiga bater no peito e tentou acalmar sem prometer o que não podia garantir.

— Tenho a certidão, mas não vou me exibir para ele. Não pretendo ficar na frente dele todo dia.

Catarina estreitou os olhos, desconfiada. Eliana devolveu um olhar curto, como quem pedia voto de confiança antes de revelar o plano inteiro.

— Você disse que ele não passa de fevereiro. Faltam menos de três meses. Fico quieta até lá. Quando ele perder força a ponto de não levantar, eu apareço.

Na cabeça dela, a estratégia parecia simples. A realidade, porém, colaborava raramente com planos muito certinhos. Poucos dias depois, bateram à porta do apartamento, e o recado veio sem rodeios.

— O senhor Leandro quer se encontrar com a esposa dele.
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