Share

CAPÍTULO 6

Author: Lira Celestial
— Não. — Simão negou sem sequer pensar.

Gostar da surda?

Isso nunca aconteceria nesta vida.

Sra. Denise ainda ia dizer algo, mas ele a interrompeu com um tom frio:

— Chega, mãe. Eu realmente não gosto da Heloísa, mas nunca pensei em me divorciar dela.

— O quê?

As pupilas da mulher se contraíram.

— Simão, pretende passar o resto da vida com aquela surda? Vai jogar fora a reputação da família Franco?

— Não foi justamente pela reputação da família que me casei com ela?

— Três anos atrás, foi seu avô quem te obrigou a casar. Agora que ele já não manda em nada, você não precisa sacrificar sua felicidade por causa de uma surda.

Sra. Denise levantou-se e caminhou até ele, batendo de leve em seu ombro.

— Simão, aprenda a cuidar da própria felicidade. Não deixe que um falso senso de moral te prenda.

Simão ficou em silêncio.

Demorou um pouco, até dizer calmamente:

— Entendi.

Sem mais uma palavra, deu meia-volta e foi em direção à porta.

Ele dirigiu de volta para a Mansão do Morro.

A mansão enorme, como na noite anterior, estava mergulhada na escuridão. Sem luz, sem o menor sinal de uma presença familiar.

Enquanto subia as escadas, ia abrindo os botões da camisa.

Entrou no quarto principal.

Logo viu, mais uma vez, os cacos da moldura da foto de casamento.

Dona Tina ia limpar, mas ele a proibira.

Estava esperando Heloísa voltar por vontade própria, esperando que ela mesma colasse a foto e pendurasse de novo na parede, retomando seu papel da esposa.

Achava que ela voltaria naquela noite.

Mas não.

Não só não voltou, como também não mandou sequer uma mensagem.

Já estava irritado, e naquele momento, ainda mais.

Atirou o paletó no sofá, acendeu um cigarro e, após uma tragada profunda, pegou o celular e ligou para o assistente, Luís Sanches.

Ele atendeu rápido.

— Sr. Simão? O senhor quer algo a essa hora?

— Onde diabos foi parar a minha esposa?

— Hã?

Luís ficou sem reação.

O chefe ligando de madrugada... pra perguntar onde estava a esposa?

Ainda mais a esposa, que era tão obediente quanto um robô, que nunca criava problemas... Mesmo quando o deixava irritado, ele mal olhava pra ela.

Simão pareceu perceber isso também.

Seu tom suavizou um pouco.

— Ela anda de birra comigo esses dias. Liga pra ela.

— Hã?

De novo, Luís ficou pasmo.

A Sra. Heloísa... de birra?

Quando se deu conta, ele se apressou em se desculpar:

— Desculpe, Sr. Simão, eu só... fiquei surpreso.

— Mas não se preocupe, eu vou encontrá-la e trazê-la de volta.

— Não precisa.

Simão tragou o cigarro mais uma vez e soltou um anel de fumaça devagar.

— Só diga a ela, se não voltar em três dias, que não volte nunca mais.

Luís entendeu na hora:

— Entendido, Sr. Simão. Amanhã mesmo eu entrego o recado.

Ele sabia.

O chefe tinha orgulho demais.

Jamais chamaria a esposa pra voltar pessoalmente.

...Heloísa, embora afastada do trabalho há alguns anos, ainda ajudava Yara com os designs, então não foi difícil retomar o emprego.

Na manhã seguinte, ao chegar de moto elétrica, viu Luís parado na frente do Y&H Studio, claramente esperando por ela.

— Sra. Heloísa, o Sr. Simão me mandou trazer um recado.

Trabalhando com Simão há cinco anos, ele sempre tratara Heloísa com certa cortesia.

— Pode falar, Sr. Luís.

— É que...

Ele pareceu constrangido, mas acabou repetindo exatamente o que ouvira:

— O Sr. Simão disse que, se a senhora não voltar pra casa em três dias, é melhor não voltar nunca mais.

Heloísa já imaginava que não seria nada agradável.

Ficou em silêncio por dois segundos.

— Diga ao Sr. Simão que deixei o acordo de divórcio sobre a mesa da sala.

— O quê?!

O assistente ficou boquiaberto.

Um acordo de divórcio?

E ainda por cima... deixado por ela?

Ele não podia estar ouvindo direito!

Heloísa não disse mais nada. Apenas sorriu educadamente e entrou no estúdio.

Luís voltou à mansão do Morro para prestar contas.

Repetiu as palavras de Heloísa com toda a precisão e respeito, e, no fim, perguntou com cautela:

— Sr. Simão, o senhor quer que eu procure o acordo de divórcio?

Quando levantou os olhos, percebeu que o rosto de Simão estava escuro... como uma nuvem de tempestade.

— Senh... Senhor Simão, o senhor está bem?

— Estou ótimo. Não fiquei cego.

Simão praticamente cuspiu as palavras entre os dentes.

O acordo de divórcio estava ali, bem visível na mesa de centro, precisava que alguém mostrasse?

Ele já o tinha rasgado.

Percebendo o mau humor do chefe, Luís perguntou com cuidado:

— Mas, Sr. Simão, se a Sra. Heloísa concordou com o divórcio... o senhor não devia estar feliz?

O rosto de Simão escureceu ainda mais.

Todo mundo achava que ele devia estar feliz.

Mas ele, no fundo, não sentia nada disso.

— Você acha que eu deveria estar feliz?

— Eu... — Luís gaguejou, percebendo que ser largado por uma surda soava humilhante.

Tentou consertar:

— Mas, Sr. Simão, tenho certeza de que ela não fala sério. A Sra. Heloísa só está fazendo charme, tentando te provocar.

— Aposto que em menos de três dias ela volta.

A expressão de Simão finalmente melhorou um pouco.

Porque, de fato, era isso mesmo que ele pensava.

Mas ninguém imaginava que três dias passariam tão depressa.

Três dias depois...

A Sra. Heloísa, que supostamente estava fazendo charme, não só não voltou para casa, como também não deu um único telefonema.

No começo, Simão não se incomodou muito.

Mas, aos poucos, começou a ficar irritado.

Tudo lhe parecia fora do lugar.

Logo cedo, por não encontrar a gravata que queria, chutou a lixeira e a mandou voando alguns metros.

Dona Tina, assustada, tremia sem saber o que fazer.

Com cautela, sugeriu:

— Senhor, talvez o senhor devesse ligar pra Sra. Heloísa... Ela é quem sempre arrumava o closet.

A negativa veio quase automática, mas ele engoliu o resto das palavras.

Por fim, foi até a janela, com uma mão no bolso e o celular na outra.

Desde que Heloísa saíra de casa, fazia uma semana.

E era a primeira vez que ele ligava pra ela.

Ela atendeu rápido.

Simão sorriu de canto, confiante.

Pensou que essa mulher faz pose de orgulhosa, mas devia estar só esperando ele ligar.

— Sra. Heloísa, jogando de difícil pra provocar? Cuidado pra não perder o controle do jogo e acabar sem saída.

Heloísa, calçando os sapatos pra sair, e ao ouvir as palavras de Simão, ficou surpresa por um instante.

Logo continuou calçando os sapatos e perguntou:

— Sr. Simão, o senhor me ligou tão cedo pra quê?

O tom dela estava surpreendentemente calmo.

Isso, Simão não esperava.

Ele desfez o sorriso e respondeu num tom neutro:

— Só queria saber onde você colocou minha gravata azul-escura.

— Todas as gravatas estão na caixa de gravatas, Sr. Simão. Se o senhor não encontrar, peça à Dona Tina pra procurar.

Heloísa já tinha saído de casa.

Quando viu o elevador se fechando devagar, correu apressada para alcançá-lo.

— Espere, por favor!

As portas reabriram.

Ela entrou apressada, agradecendo ao homem lá dentro:

— Obrigada.

Mesmo pelo telefone, dava pra perceber que sua voz estava leve.

Simão sentiu algo estranho no peito.

— Heloísa Valente!

Falou o nome dela, irritado.

Era hora de pico, o elevador estava cheio.

Depois de se acomodar, ela perguntou de novo:

— Sr. Simão, o senhor ainda precisa de mais alguma coisa?
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 30

    Heloísa e Yara levaram um susto ao mesmo tempo.As duas olharam para Isadora, sem entender como ela tinha caído. Só viram o sangue escorrendo da testa e o salto alto torto no pé.Enquanto ela se contorcia no chão, gemendo de dor.Por instinto, Heloísa, de natureza bondosa, se abaixou para ajudá-la.Mas, no instante em que seus dedos tocaram o braço dela, uma voz urgente ecoou por perto:— Isadora!E, no segundo seguinte, uma força violenta a empurrou para o chão.O rosto de Heloísa bateu contra o piso.O ouvido latejou de dor.— Heloísa! — Gritou Yara, correndo para erguê-la e fitando Simão com fúria. — Você enlouqueceu? Por que empurrou ela?!Mas Simão nem olhou para as duas. Toda a sua atenção estava voltada para Isadora, aninhada em seus braços, tremendo e chorando de dor.— Você está bem?— Simão... ai, minha cabeça... e o meu pé... dói tanto...— Não se mexa. Eu vou te levar pro hospital.Simão envolveu o corpo dela com firmeza, prestes a levantá-la do chão, mas antes lançou um ol

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 29

    O bolo era pequeno, mas muito delicado.Em cima, havia um desenho de tubarão, o preferido de Igor. Dava pra ver que tinha sido feito especialmente pra ele.— Ótimo, o Igor já não vê a hora de comer.Foi então que Isadora "finalmente" notou Heloísa ao lado.Sorriu e cumprimentou:— Que coincidência, Srta. Heloísa. Vim comprar um bolo pro Igor, e você?O tom dela soava como se fosse a verdadeira mãe da criança.Era uma cena que Heloísa já tinha presenciado muitas vezes, mas, mesmo assim, o coração ainda se apertava como se alguém o torcesse.Ela olhou para a mulher à sua frente, depois para o bolo nas mãos dela, e disse baixinho:— O Igor não gosta de bolo de chocolate.O sorriso educado continuava no rosto de Isadora, mas as palavras que saíram de sua boca foram cortantes:— A Srta. Heloísa ficou com o Igor por quantos dias mesmo? Duvido que tenha passado mais tempo com ele do que eu. Como pode saber se ele gosta ou não de bolo de chocolate?— Além disso, o gosto das pessoas muda, assim

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 28

    Do outro lado.Yara pulava de raiva depois que Heloísa desligou o telefone à força:— Por que sentir pena daquele canalha? É justamente porque você é boa demais que ele vive desfilando com aquela sonsa pra te provocar!— Eu não senti pena dele. Só não quero te meter no meio. Ela sabia que Yara só queria defendê-la.Mas Simão não era alguém que Yara pudesse afrontar impunemente.A prima que teve a boca arrebentada.A mãe e o irmão, internados com ossos quebrados.Esses exemplos sangrentos ainda estavam lá, no hospital, pra lembrar.— Eu não tenho medo dele! — Yara bufou e tomou um gole d’água.Heloísa tirou o copo da mão dela e o colocou na mesa.— Pronto, não fica brava. Eu te pago um bubble tea.— Quero agora.— Tá bom, eu compro.— Quero sair pra tomar na rua.— Tudo bem.Há pouco era Yara quem a consolava, mas agora os papéis se inverteram, e Heloísa é que a estava acalmando.E, pra falar a verdade, estava conseguindo muito bem. As duas largaram o trabalho e foram passear.Heloís

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 27

    Ela também sabia que Simão tinha saído do escritório com a intenção de procurar Heloísa.Mas ela não queria que ele fosse.E ela não apenas conseguiu o impediu de ir atrás dela, como ainda cravou mais uma faca no coração de Heloísa.Conseguiu duas vitórias de uma vez. …Quando Yara viu Heloísa voltar desanimada, largou o pincel e perguntou, preocupada:— O que foi? Sua mãe e seu irmão estão muito mal?Heloísa assentiu.Sim, estavam bem feridos, mas não era por isso que estava triste.Yara, achando que era, apertou-lhe as bochechas com raiva misturada a carinho:— Menina, quando é que você vai parar de ser tão boazinha, hein? Depois de tudo o que sua mãe e seu irmão te fizeram, e você ainda se preocupa com eles?Heloísa abaixou a cabeça, sem querer que Yara visse o brilho úmido em seus olhos.Mas a voz trêmula a traiu:— Yara... eu vi o Igor. O Simão e a Isadora estavam com ele no hospital.Yara não soube o que responder, teve quase um infarto.Até parou o gesto de consolo no meio do c

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 26

    Para não atrapalhar o trabalho de ninguém, Heloísa entrou no quarto.Havia duas camas, e mãe e filho estavam cada um em uma, enrolados em faixas de gaze como duas múmias.Ao ver o estado miserável deles, Heloísa quase riu.Ótimo.A mãe e o irmão egoístas que ela tinha, finalmente alguém os colocara no devido lugar.— Vão ter coragem de ir pedir dinheiro de novo? — Perguntou, pegando o prontuário da mesa.A mãe tinha o couro cabeludo aberto, o braço esquerdo quebrado e uma vértebra deslocada.Hugo, bem pior, cabeça rachada, nenhum dos quatro membros intactos.Pelo visto, levaria uns três meses pra poder voltar ao cassino.— Sua desgraçada, ainda tem coragem de zombar da gente? Se você não ficasse enchendo o saco com esse divórcio, o Simão não teria feito isso comigo... nem com o seu irmão... ai, ai, ai! — Gemeu Fabiana, tentando se mexer e gritando de dor.Depois continuou a berrar:— Seu pai já está daquele jeito, e agora você ainda quer acabar comigo e com o seu irmão! Você só tem ess

  • Três Anos Depois, Ele Voltou de Joelhos   CAPÍTULO 25

    Heloísa bateu a cabeça na coluna com tanta força que abriu um corte e começou a sangrar.Mesmo assim, passou o resto do dia inteiro com o ferimento aberto, caminhando em silêncio até o fim da cerimônia de casamento.A força com que Fabiana batia nunca mudava.No cartório, naquele dia, ela usou a mesma brutalidade.Ter uma mãe assim...Também era uma espécie de tragédia.Pela primeira vez, Simão chegou a sentir um pouco de pena de Heloísa.Ele apertou o anel de casamento no dedo anelar, em silêncio. Só depois de um tempo, sob o olhar ansioso da dupla, pegou o telefone fixo da mesa.— Chame o Luís aqui.Mãe e filho acharam que ele ia mandar fazer um cheque. O sorriso deles quase escapava pelos cantos da boca.Mas o que saiu dos lábios de Simão foi um comando frio, palavra por palavra:— Batam neles até quase matarem. Depois joguem pra fora.— Sim, Sr. Simão.Luís assentiu respeitosamente e já pegou o celular para ligar.Mãe e filho ficaram atônitos.Demoraram alguns segundos pra entender

More Chapters
Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status