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CAPÍTULO 5

Author: Lira Celestial
Era fim de semana.

Simão não precisava ir trabalhar.

Ele dirigiu até a casa antiga da família para ver Igor.

De longe, já pôde ouvir as risadas de Isadora brincando com o menino.

Sem perceber, seus passos ficaram mais leves.

No enorme quarto infantil, Isadora, vestida com um conjunto confortável cor marfim, estava sentada de pernas cruzadas sobre o tapete, trocando cartões nas mãos enquanto ensinava Igor a reconhecer objetos.

Isadora ensinava com atenção.

Igor aprendia com alegria.

Simão nunca gostou de crianças, e também não planejava ser pai tão cedo.

Quando Heloísa descobriu a gravidez, a primeira reação dele foi mandar interromper.

Mas Heloísa não quis.

E os mais velhos da família Franco também se opuseram.

Durante toda a gestação, ele quase não prestou atenção no bebê que crescia no ventre dela.

Só quando o filho nasceu, ao vê-lo pela primeira vez, tão pequeno e macio, algo dentro dele se moveu, e ele percebeu, tardiamente, que havia se tornado pai.

E aquele menino, com traços parecidos com os de Heloísa, era seu próprio sangue.

Crianças aprendem rápido.

Comparado ao dia anterior, Igor já tinha progredido muito.

Os dois, um grande e um pequeno, pareciam mais mãe e filho do que professora e aluno.

Logo, o pequeno Igor percebeu a presença dele.

Deu risadinhas e correu em sua direção.

— Papai!

Simão se agachou, abrindo os braços para receber o corpo miúdo que vinha correndo. O rosto sempre frio ganhou um leve sorriso.

— Igor foi bonzinho hoje?

— Igor foi bonzinho... Igor sentiu saudade do papai.

— O papai também sentiu saudade do Igor.

Simão o levantou do chão e o ergueu bem alto.

O menino riu ainda mais feliz.

Isadora sorriu suavemente e se aproximou, passando a mão nos cabelos do menino.

— Simão, adivinha quantas palavrinhas o Igor aprendeu hoje?

— Quantas? — O olhar de Simão ficou preso em Igor, todo o seu mundo, naquele instante, era o filho.

— Vinte palavras inteiras!

Isadora sorriu e elogiou:

— Igor é muito esperto, vai ser o melhor da turma quando crescer.

— Tenho que agradecer por você ensinar tão bem.

Simão também achava o filho inteligente, aprendia tudo com facilidade.

Isadora baixou os olhos, um pouco envergonhada.

— Simão, não precisa ser tão formal comigo. Cuidar do Igor é minha responsabilidade.

— Além disso, você trabalha tanto, eu também quero te ajudar um pouco.

Só então Simão desviou o olhar para ela.

— Srta. Isadora, obrigado.

Ela ficou surpresa por um momento, depois assentiu.

— Por que ainda é tão educado comigo? Isso faz parte do meu trabalho, afinal. — Fez uma pausa e, com um tom levemente melancólico, disse.

— Simão, por que não volta a me chamar de Isadora, como antes? Srta. Isadora soa tão distante... e me faz lembrar de...

Ela parou de falar.

O rosto de Simão também ficou mais sombrio.

Demorou alguns segundos até soltar um simples:

— Está bem.

Mas, como de costume, a mudança de humor dele passou rápido.

Logo sorriu novamente e apertou de leve as bochechas do filho:

— Igor, que tal o papai te levar pra montar a cavalo hoje à tarde?

— Montar cavalinho! Igor quer montar cavalinho! — O pequeno gritou, empolgado.

— Olha só como ficou feliz. Mas é bom, montar a cavalo deixa o Igor corajoso.

Isadora sorriu, apertou de leve as bochechas dele e estendeu os braços em seguida.

— Vem cá, o papai está cansado. Deixa a madrinha te pegar um pouquinho, pode ser?

— Pode! Madrinha pega! — O menino pulou nos braços dela sem hesitar.

Isadora deu um passo à frente para segurá-lo.

A distância entre ela e Simão era tão curta que ela pôde sentir nitidamente o perfume limpo e frio que vinha dele.

O rosto dela corou, e o coração... derreteu-se em pura ternura.

Heloísa não gostava de incomodar os outros.

Depois de se instalar na casa de Yara, começou logo a procurar um lugar para morar.

Passou o dia inteiro procurando até finalmente achar um apartamento adequado.

À noite, deitada na cama, sentiu-se um pouco sozinha, mas ao mesmo tempo, surpreendentemente livre.

Foi então que percebeu o quanto tinha sido sufocante viver com Simão.

Tinha medo de ele sentir frio, medo de ele sentir fome, medo de ele ficar de mau humor.

Tudo nela girava em torno dele, e ela mesma deixou de existir.

Por amor, aceitava isso de bom grado.

Se Isadora não tivesse voltado de repente ao país, talvez até hoje ela ainda estivesse presa nesse vício, incapaz de sair.

Ao pensar em Isadora, o peito apertou, doendo de leve.

Pegou o celular, prestes a mandar uma mensagem para Regina perguntando sobre Igor, mas antes que pudesse digitar, recebeu uma mensagem de Yara.

Era uma foto.

"Olha o seu ingrato, feliz da vida."

Heloísa abriu a imagem.

Era Simão e Isadora levando Igor para andar a cavalo.

Igor estava sentado no alto, sobre o cavalo. Simão segurava as rédeas com uma mão e apoiava o bracinho dele com a outra, ensinando pacientemente como montar.

Isadora estava do outro lado, enxugando o suor da testa dele com um lenço.

O coração de Heloísa, que já doía, pareceu rasgar-se ainda mais.

Outra mensagem de Yara chegou logo em seguida:

"Hoje em dia, ninguém é confiável. A única pessoa em quem dá pra confiar é em si mesma."

"Homem pra quê? Filho de sangue pra quê? Ninguém merece tanta dedicação sua."

Sim.

Homem pra quê?

Principalmente um que não a ama.

E filho de sangue pra quê?

A mãe, o irmão, o filho... algum deles realmente a via como família?

Heloísa fungou, e respondeu com um emoji amargo.

"Você tem razão. A única pessoa confiável sou eu mesma."

Como haviam se divertido demais no haras, quando voltaram para casa à noite, Igor já estava dormindo.

Simão o colocou com cuidado na caminha.

Isadora estava ao lado, cobrindo o menino, ajustando a temperatura do quarto, e então olhou para Simão.

— Simão, já tá tão tarde... por que não fica aqui hoje?

Simão puxou o colarinho da camisa, o cansaço evidente nos olhos.

Mas mesmo assim respondeu:

— Eu vou pra casa agora.

Isadora pareceu um pouco desapontada, mas não insistiu.

— Então toma cuidado no caminho.

— Tá.

Quando Simão desceu as escadas, Sra. Denise, que assistia TV na sala, o chamou.

— Ouvi dizer que a surdinha tá querendo se divorciar de você?

Simão parou, virou-se e a encarou.

— Mãe, ela tem nome. Se continuar chamando assim, o Igor vai acabar repetindo.

— Ah, o Igor nem tá aqui! — Respondeu ela, impaciente. — Além do mais, você teve coragem de casar com uma surdinha, mas tem medo de o menino ouvir?

— São coisas diferentes. Mãe, é melhor ir descansar.

Simão se preparava pra sair e a Sra. Denise falou de novo:

— E quando é que você vai resolver o divórcio? Quero me programar.

Simão virou-se outra vez.

— Se programar pra quê?

— Pro seu casamento com a Isadora. — Ela lançou um olhar para o quarto do menino no andar de cima.

— Você viu, né? O Igor é apegado à Isadora, e ela também adora o Igor. Os dois se dão melhor que mãe e filho.

O rosto de Simão permaneceu sério, sem alegria alguma.

Sra. Denise, confusa, perguntou:

— Que foi? Você não odiava aquela surdinha? Agora que ela quer o divórcio, devia estar feliz.

Pois é.

Ele não devia estar feliz?

Então por que sentia o peito pesado, como se algo o sufocasse?

— Simão... você não vai me dizer que está gostando daquela surdinha, vai? — Sra. Denise perguntou com desconfiança.
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