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Capítulo 4

Author: Mateus Alves
Tenho uma alergia severa a manga. Só de sentir o cheiro da fruta já me incomodo, quanto mais se uma manga fresca chegar a atingir meu rosto diretamente.

Quando recobrei a consciência, já estava deitada em uma cama de hospital.

Marcelo estava parado diante de mim, com um ar de culpa. Seu olhar era complexo:

— Eu não sabia... Me desculpe.

Não respondi.

Marcelo me fitava intensamente, como se também percebesse algo estranho em mim.

Ultimamente, vinha sendo muito fria com ele, evitando-o sempre que possível.

Um traço de inquietação passou pelos olhos de Marcelo. Ele me serviu um copo de água:

— Clarice, por que tenho a impressão de que você mudou?

Levantei os olhos para ele e tive a estranha sensação de que aquele rosto, que amei por duas vidas, agora me era quase desconhecido.

Falei com indiferença:

— Quem mudou foi você, eu nunca mudei.

Marcelo soltou um suspiro resignado, o tom suavizado:

— Ontem só pedi para você não criar problemas para a Susana, não quis que você pedisse demissão. A Susana acabou de chegar na empresa, só me conhece a mim, então preciso me esforçar para ajudá-la... Aliás, como está o projeto que você vem desenvolvendo? Que tal passá-lo para a Susana? Afinal, ela precisa mais do que você.

Ao ouvir Marcelo, forcei um sorriso sem ânimo:

— Susana já roubou meu noivo, e agora quer roubar meu projeto também?

O rosto de Marcelo se fechou.

Ele me olhou decepcionado:

— Eu e a Susana agora somos apenas amigos. Você pode parar de ser tão insistente? Clarice, sabia que seu desejo de controle é sufocante? Neste momento, viver na mesma cidade, no mesmo país que você, está se tornando insuportável!

Levantei o olhar para ele.

Então coloquei o formulário de pedido de imigração do meu celular diante dele.

Falei, palavra por palavra:

— Pode ficar tranquilo. Pretendo imigrar, nunca mais vou aparecer ao seu lado.

Marcelo não respondeu.

Apenas me olhou com uma expressão indecifrável.

Achei que, ao me retirar discretamente, Marcelo ficaria feliz, mas não vi nenhum traço de alegria em seu rosto.

Dei um sorriso amargo.

No fim, ele nem sequer queria sorrir.

Senti um cansaço inexplicável brotar do fundo do meu ser. Quando estava prestes a pedir que Marcelo fosse embora, o celular dele tocou de repente.

Ele olhou para o aparelho e seu semblante imediatamente se tornou sombrio.

Após um longo silêncio, disse:

— É melhor cancelarmos nosso noivado. A Susana está muito doente ultimamente, não pode ficar sem mim. Não quero vê-la triste.

Consenti com a cabeça.

Tanto faz. De qualquer maneira, o noivado não aconteceria.

Temia repetir o mesmo erro e não queria morrer novamente nas mãos de Marcelo.

Um mês antes de partir para o exterior, enquanto arrumava minhas malas, encontrei um diário.

Nele estavam registradas todas as minhas confidências sobre o quanto gostava do Marcelo.

Estava prestes a jogar o diário no lixo quando meu celular tocou de repente.

Era uma ligação de Marcelo.

Do outro lado da linha, sua voz soava estranha e distante.

— Daqui a alguns dias será seu aniversário. Lembro que você sempre dizia querer ver o nascer do sol em Cidade A. Que tal irmos juntos ver o nascer do sol em Cidade A?

Ao ouvir Marcelo, meu coração amoleceu, apesar de tudo.

Todos esses anos, Marcelo foi minha família, meu amor.

Mesmo nos momentos em que me odiou, ele ficou ao meu lado, sem dormir, quando estive gravemente doente.

Pensei que, pelo menos, poderia me despedir direito.

No amanhecer do meu aniversário, cheguei cedo ao famoso mirante de Cidade A, esperando pela chegada de Marcelo.

Mas não vi Marcelo, nem o nascer do sol. O que chegou foi um terremoto.

Diante de um desastre natural, a fragilidade e pequenez humana se tornam evidentes. Mal tive tempo para pensar: recorri ao que lembrava do manual de segurança contra terremotos e procurei um local relativamente seguro.

Após uma forte sacudida, perdi os sentidos.

Quando acordei, percebi que estava soterrada sob uma pilha de escombros.

Por sorte, dois grandes pedaços de madeira serviram de proteção acima de mim, criando um pequeno espaço onde pude ficar.

Na escuridão, pensei em muitas coisas.

Sobretudo, pensei nos meus pais — ainda bem que não vieram comigo para Cidade A.

Mas agora, certamente, estavam preocupadíssimos comigo.

Naquele breu, o tempo parecia ter parado.

Quando já acreditava que morreria ali sob os destroços, um par de mãos feridas e calejadas me tiraram cuidadosamente dali. No meu olhar turvo, tudo o que vi foi um rosto familiar...
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