ARAMIDE

No escritório, Alexandre Montenegro fitava com paixão a foto de Letícia Cardoso, os olhos carregados de amor profundo e arrependimento.

— Vendo Letí tão feliz, fiquei satisfeito.

O secretário, sem jeito, perguntou:

— Você nunca teve medo de que a senhora descobrisse que foi você quem mandou causar o acidente? Na época, as pernas dela estavam boas. Foi você quem a envenenou só pra que a Srta. Letícia ganhasse o prêmio de dança, e por isso ela ficou inválida.

— Tudo isso já ficou pra trás. E eu vou passar o resto da vida cuidando da Selene. — Alexandre sorriu com amargura, depois de um breve silêncio.

— Mas o senhor entregou a Srta. Letícia de bandeja pra outro homem, ainda assumiu a culpa pela morte do motorista. Valeu mesmo a pena? E esses dias são o aniversário de morte da mãe da senhora, não seria bom o senhor...

— Chega! Pare com isso! — Interrompeu Alexandre, irritado.

Eu tremia. A xícara escorregou das minhas mãos, e o café se espatifou no chão com um estrondo seco.

Ao ouvir o barulho, Alexandre parou a conversa com o secretário e correu para abrir a porta. Quando me viu, seu rosto mudou completamente. Ele veio até mim, visivelmente nervoso:

— Lene, o que fazia aqui? Está machucada?

Com pressa, tirou cuidadosamente os cacos de vidro da minha mão, com medo de que eu me cortasse.

Vendo ele assim, tão preocupado, era difícil acreditar que aquele homem fosse o mesmo de quem eu acabara de ouvir aquelas palavras.

— Como é que vocês cuidam da senhora?! Nem um café conseguem levar, ela que tem que trazer sozinha! Pra que eu pago vocês, então?! Se ela tivesse se machucado, ia sobrar pra todos! — Gritou Alexandre, furioso com os empregados ao redor.

Os funcionários se curvaram pedindo desculpas sem parar, apressando-se para limpar os cacos espalhados pelo chão.

Todo mundo sabia que Alexandre me mimava bastante. Tudo que eu queria, ele dava um jeito de conseguir. Uma vez, só por dizer brincando que queria uma estrela do céu, ele comprou uma pequena estrela e batizou com a data do meu aniversário.

Criou uma fundação de caridade em meu nome para ajudar pessoas com deficiência, colocou vários imóveis sob minha titularidade.

Fiz um gesto com a mão, mostrando que estava tudo bem. Ele, com cuidado, me ajudou a sentar no sofá.

— Chamem o médico, agora! — Ordenou ele.

Baixei os olhos para minhas pernas inúteis. As lágrimas vieram sem que eu pudesse conter.

Aquele prêmio de dança deveria ter sido meu. Sempre acreditei que o acidente de carro tinha acabado com meu futuro...

Nunca passou pela minha cabeça que tinha sido o próprio homem que dizia me amar quem destruiu minhas pernas com as próprias mãos.

A dor me sufocava. Meu peito parecia se partir, e comecei a socar as pernas com raiva, me odiando por não ter percebido tudo antes.

A dança era meu mundo, minha paixão, algo por que lutei com toda a alma.

Alexandre, ao ver minhas lágrimas, achou que eu tinha me cortado com os cacos de vidro.

Com o coração apertado, me puxou para um abraço, batendo de leve nas minhas costas, como se estivesse tentando acalmar uma criança.

Depois do acidente, quando acordei no hospital, vivia tendo pesadelos. E ele estava lá, todas as noites, ao meu lado, cuidando de mim sem descanso.

Quando eu acordava assustada, ele sempre me acolhia com a maior ternura.

Naquela época, achei que ele era o meu porto seguro, meu refúgio mais doce.

Mas agora, tudo em mim se arrepiava.

Descobrir que tudo não passava de uma mentira bem contada, um plano cruel.

E eu, feita de boba, me deixei envolver nessa ilusão de amor que ele mesmo inventou.