Ayla deu apenas alguns passos quando um homem desceu do carro e abriu a porta traseira para ela.
Era o mesmo que, dias antes, entregara o cartão de visita, mas agora usava um terno preto simples, sem uniforme, e óculos escuros. A aparência formal permanecia, mas o semblante era muito mais acessível.
Ayla sorriu discretamente e entrou no carro.
Pelo jeito, ele fora designado apenas para buscar ela, pois estavam sozinhos no veículo.
— Posso perguntar... quem é você? — Disse, num tom cortês.
— Sou o assistente pessoal do Sr. Daniel. Pode me chamar de Enzo. — Respondeu ele de imediato, entendendo o que ela queria saber.
— Enzo, por que o seu patrão me escolheu para esse casamento? Acho que nós dois nem nos conhecemos. — Perguntou Ayla, em voz calma, mas curiosa.
Enzo ergueu levemente o canto dos lábios.
— Não tenho acesso à vida pessoal do senhor, mas ele voltou ao país há pouco tempo. Creio que realmente não conhecia a senhorita.
— Entendo. — Ayla hesitou por um instante e não resistiu à curiosidade. — E o seu patrão… é bonito?
A pergunta saiu com naturalidade, quase em tom de brincadeira. Afinal, aquele homem era envolto em tanto mistério que ela começou a imaginar o pior.
Mesmo que fosse um casamento de conveniência, ninguém quer sentar diante de um monstro. Ela queria ter ao menos uma ideia do que a esperava.
Enzo não conteve uma risada breve. Trabalhava com Daniel havia anos e jamais ouvira uma mulher duvidar da aparência dele.
Logo, retomou a seriedade.
— Não me cabe fazer comentários sobre a aparência do meu patrão. Quando a senhorita o vir, vai entender.
Ayla arqueou as sobrancelhas, resignada.
Pela resposta, o homem provavelmente estava longe de ser encantador.
Pouco tempo depois, o carro entrou em uma rua discreta e parou diante de uma charmosa mansão urbana.
Ficava em uma área central, mas cercada de muros altos e vegetação densa, perfeita para encontros reservados.
— Este é um restaurante privado bastante conceituado. — Explicou Enzo, enquanto a acompanhava até a entrada. — Funciona apenas para membros, e o senhor Daniel reservou o salão inteiro para hoje.
Assim que Ayla entrou, Enzo e os seguranças permaneceram do lado de fora. Um garçom a conduziu por um corredor silencioso até uma sala isolada.
— Sr. Daniel? — Chamou ela, ao cruzar a porta.
O brilho do enorme lustre de cristal inundava o ambiente, refletindo-se sobre a figura imponente de um homem de costas.
Assim que ergueu o olhar, Ayla viu um rosto de beleza agressiva, quase inacreditável.
O homem tinha as sobrancelhas marcadas, o nariz firme e elegante, os lábios finos e bem delineados, como se tivessem sido esculpidos à mão.
Ela ficou imóvel por alguns segundos, até ouvir a voz fria que cortou o silêncio:
— Sou eu. Srta. Ayla, por favor, sente-se.
— Ah… claro. — Respondeu, apressada, desviando o olhar e esquecendo por um instante qualquer traço de elegância.
Mas não diziam que ele não era bonito?
— O que foi? Acha que eu sou feio? — Perguntou Daniel, notando o modo como ela mantinha os olhos baixos.
A presença dele impunha uma força quase palpável. O ar ao redor parecia mais denso.
— Não, de forma alguma. — Disse Ayla rapidamente. — O senhor é muito bonito. Extremamente bonito.
De fato, era o homem mais atraente que ela já tinha visto.
Gustavo, com seu rosto de galã e charme estudantil, sempre fora considerado o mais belo entre os colegas, mas diante de Daniel, até essa lembrança empalidecia.
Ele era outra coisa.
Uma beleza precisa, perfeita, quase irreal. Os traços eram tão harmônicos que pareciam criados por alguma divindade caprichosa.
— Obrigado. — Respondeu Daniel com um leve aceno. — A senhorita também está muito bonita. Esse vestido lhe caiu muito bem.
— Devo agradecer pelo presente. — Disse Ayla, sorrindo.
Ao levantar o rosto e encarar Daniel de frente, percebeu que ele não era tão inacessível quanto imaginara.
— Foi apenas um gesto simples, nada demais. Se a senhorita gostou, posso mandar mais. — Respondeu ele, com gentileza.
A voz soava cortês, o tom polido, mas havia uma distância intransponível, uma frieza contida em cada palavra.
Após algumas trocas rápidas, Daniel fez um sinal discreto, e o jantar começou.
Os pratos vinham um a um, cada um mais elaborado que o outro. Sabores complexos, combinações sutis, porções pequenas e elegantes, tudo impecável.
Mas, para Ayla, comer tão devagar era quase um tormento; mal sentia que se alimentava.
Durante toda a refeição, Daniel manteve o olhar fixo nela, em silêncio absoluto.
Os dois ainda não tinham intimidade. Mesmo com a comida na mesa, era impossível evitar o leve constrangimento que pairava no ar.
Ayla se lembrou do que Felipe havia comentado: Daniel era exigente com as pessoas ao seu redor. Já que ele mantinha o silêncio, ela também não ousava tomar a iniciativa.
Somente após os pratos principais terem sido servidos e já na hora da sobremesa, Daniel voltou a falar:
— A comida agradou?
— Sim. Estava ótima. — Respondeu Ayla, levando uma colher de doce à boca.
No entanto, mal deu a primeira colherada, retirou-a logo em seguida.
Sentiu as orelhas esquentarem, achava que sua resposta havia soado simplista demais.
Pensou um pouco e completou:
— O senhor tem muito bom gosto. Os pratos foram bem escolhidos, todos com sabores ricos e bastante distintos.
Daniel inclinou ligeiramente a cabeça, sem deixar transparecer qualquer expressão.
"Será que ele achou minha resposta superficial?" pensou.
Ayla sabia que não era crítica gastronômica, tampouco estava acostumada com restaurantes tão sofisticados. Faltavam-lhe referências.
— Se a senhorita não gostou, podemos escolher outro restaurante da próxima vez. Fique à vontade para indicar um. — Disse ele, com serenidade.
— Não, eu gostei sim. — Ayla se apressou em dizer, gesticulando com as mãos.
Mas, diante do olhar aparentemente analítico do homem, decidiu se explicar melhor:
— A comida aqui é realmente excelente. Eu gostei de verdade. Só não costumo frequentar lugares tão refinados, e este é nosso primeiro encontro, então estou um pouco nervosa.
Fez uma breve pausa e completou com um sorriso:
— Talvez, em um ambiente mais descontraído, a conversa possa fluir melhor.
— Está bem. — Daniel assentiu, os lábios finos cerrados, sem grandes reações.
— É que o senhor fala pouco. Eu não sabia exatamente como puxar assunto.
— Eu percebi. — Respondeu Ayla, em tom leve com um sorriso descontraído.
Daniel parecia mais à vontade. Seu corpo alto se recostou levemente, e a camisa preta amassada delineava ainda mais sua silhueta imponente.
— Ouvi do Sr. André que a senhorita já aceitou a proposta de casamento. — Comentou ele.
— Sim. — Ayla confirmou com um leve aceno.
— A minha família é muito tradicional. Desde o noivado até o casamento no civil, cada etapa deve ser cumprida com rigor. Estou bastante ocupado nos próximos dias e não quero que nada seja feito às pressas. A senhorita talvez precise aguardar um pouco. Mas, caso tenha alguma necessidade específica, pode me informar.
— Não tem problema. Pode deixar tudo sob seu comando, Sr. Daniel.
— Perfeito. — Respondeu ele, satisfeito com a firmeza da resposta.
Daniel consultou o relógio de pulso.
— Já está ficando tarde. Podemos encerrar por hoje...
Ayla, no entanto, o interrompeu com serenidade:
— Sr. Daniel, acredito que já conheça parte da minha situação. Posso perguntar por que decidiu se casar justamente comigo?
— Não tenho interesse na sua herança nem na família Fonseca. Apenas chegou a hora de me casar. E a família Fonseca é, de fato, uma escolha adequada.
Ele parecia enxergar com clareza a dúvida que passava pela mente de Ayla.
Ela havia considerado a possibilidade de que sua herança fosse o principal atrativo,
mas, antes do encontro, havia pesquisado e descoberto que a família Cardoso possuía uma fortuna ainda maior, com influência considerável.
Muitos tentaram se aproximar de Daniel, mas nenhum teve sucesso, não seria apenas uma questão de interesses.
— Pressão da família? — Ayla indagou.
— Algo assim. — Daniel respondeu, lacônico.
— Mas preciso deixar uma coisa clara. Desejo uma esposa que colabore plenamente comigo. Alguém que seja obediente e comprometida em tudo.
Ayla entendeu o recado de imediato.
Gustavo também havia se aproximado dela por esse mesmo motivo: achava que seria fácil de controlar, uma vez que ela era órfã e sozinha no mundo.
Ayla, então, ergueu os olhos, mantendo o tom sereno:
— Sou a principal herdeira do Grupo Fonseca. A família Fonseca tem raízes profundas em San Elívar. Se a família Cardoso deseja expandir sua atuação no país, essa aliança pode ser um atalho valioso. E eu, recém-reconhecida como parte dessa família, corro o risco de ser engolida sem uma base sólida.
— Um casamento entre nós representa, para o senhor, mais uma carta de poder, e para mim, uma segurança para me firmar. É uma troca justa, e só assim faz sentido.
Daniel não respondeu de imediato. Apenas assentiu levemente, reconhecendo a lógica por trás das palavras de Ayla.
O tempo dele era, sem dúvida, precioso. Assim que os dois saíram do restaurante, alguém já veio o lembrar de que precisava ir ao aeroporto.
Ayla, sensível à situação, logo se ofereceu para não ocupar mais seu tempo.
— Não se preocupe, eu posso pegar um táxi. — Disse ela.
Daniel não respondeu, mas manteve a cortesia. Fez questão de acompanhá-la até um carro, só se afastando depois que ela entrou e o veículo partiu.
No caminho de volta, Ayla recebeu uma ligação de Felipe.
Ele sabia que aquele era o primeiro encontro entre ela e Daniel, e ligou para saber como havia sido.
Ayla foi honesta: os dois haviam se dado bem, o clima fora tranquilo.
Se tivesse que apontar algum desconforto, seria a presença imponente de Daniel, a força de seu olhar e o ar de autoridade causavam certa pressão.
Já era noite alta quando Ayla saiu do banho. Mal havia pegado a toalha, percebeu o celular piscando sem parar.
Ao atender, ouviu imediatamente a voz ansiosa de Gustavo:
— Lalá, é tão tarde e você ainda não voltou pra casa. Aconteceu alguma coisa? Eu liguei várias vezes, você não atendeu...
Ayla segurava o celular, mas sua atenção estava em outro lugar.
Do outro lado do vidro, a vista noturna da cidade se estendia como uma tapeçaria luminosa. Ela não conteve o pensamento:
"Meu gosto para imóveis realmente é ótimo.”"
— Lalá? — A voz dele soou ainda mais aflita.
Ayla então respondeu, voltando ao presente:
— Ah, saí para encontrar um cliente hoje. O local era longe, então resolvi passar a noite num hotel.
Ela pensava que Gustavo já soubesse da mudança, mas, pelo tom dele, estava claro que ainda não fazia ideia.
Provavelmente andava tão ocupado com Bianca que nem percebeu.
Dado isso, Ayla não viu motivo para dar maiores explicações e improvisou uma desculpa simples.
— Hotel? Você consegue dormir bem aí? Se quiser, posso ir te buscar. Me manda o endereço. — Perguntou ele, agora em tom mais aliviado.
— Não precisa. Estou exausta e não quero mais me deslocar. Já está tarde, vou dormir.
Gustavo viu que não adiantava insistir.
— Tá bem, então nos vemos amanhã, no escritório.
— Sim. — Respondeu Ayla de forma displicente, já prestes a desligar.
Mas, antes que conseguisse encerrar a chamada, a voz do homem voltou a soar, agora mais baixa e carregada de um tom familiar:
— Amor, eu senti sua falta hoje. Você também sentiu minha falta?
Ao perceber o silêncio do outro lado da linha, Gustavo voltou a falar:
— Lalá?
— Estou quase dormindo... muito cansada... — Ayla respondeu com a voz baixa, fingindo estar sonolenta.
Gustavo suspirou, resignado, e se despediu com certa ternura:
— Está bem... então durma bem. Vou desligar.
— Está bem. — Respondeu Ayla, e assim que terminou a frase, desligou sem a menor hesitação.
O som de linha ocupada ecoou no ouvido de Gustavo, deixando uma sensação estranha no peito.
Durante todos esses anos, as palavras doces e os gestos gentis que oferecia a Ayla nunca haviam passado de encenação. Nunca sentira nada de verdade.
Mas, nesses dois últimos dias, havia algo diferente. Ele sentia uma espécie de vazio incômodo.
— Gustavo, você me ama?
A voz suave interrompeu seus pensamentos.
Do nada, dois braços delicados envolveram sua cintura por trás.
Era Bianca.
A voz dela era baixa e macia como seda, o suficiente para derreter qualquer resistência em seu coração.
Gustavo sorriu de leve, segurando suas mãos com carinho:
— Precisa mesmo perguntar? Você é a mulher que eu mais amo nesta vida. Por você, eu faria qualquer coisa.
E ele dizia a verdade. Bianca era a mulher que ele amava até os ossos.
Desde os dezesseis anos, quando ela salvou sua vida, jurara a si mesmo que a protegeria para sempre, que daria a ela uma existência de alegria e tranquilidade.
Sonhava envelhecer ao lado dela, dividindo as quatro estações até o fim da vida.
— Mas eu tenho medo. — Murmurou Bianca.