capítulo 2

— E outra coisa, diz pra Isabela parar com esses teatrinhos. Eu não vou cair de novo. — Disse ele.

Ao ouvir aquilo, senti o coração despencar.

Então era isso. Gabriel também tinha voltado ao passado. Mas por que ele achava que tudo aquilo era invenção minha?

Na vida passada, ele tinha visto com os próprios olhos aqueles monstros torturarem a mim e à mamãe.

E agora ele agia como se não fosse nada. Tudo por causa da Camila? Só porque ela tinha soltado um “Isabela fez de propósito”?

Passos pesados se aproximavam da porta.

Logo em seguida, uma batida ainda mais forte sacudiu o painel. O guarda-roupa começou a ranger, arrastando no chão com um som que arrepiava a espinha.

Olhamos, impotentes, enquanto a barreira de madeira cedia aos poucos — até que:

Crack!

Um dos cantos se partiu com um golpe brutal, abrindo uma fenda larga diante de nossos olhos.

— Sabia que estavam aqui. — Disse ele, rindo com a voz rouca.

Me coloquei na frente da minha mãe, recuando devagar em direção à cama.

Observava a rachadura na porta sendo invadida por fios de luz. Estava desarmada, e o medo gelado escorria pela minha testa em forma de suor.

Então a porta foi arrancada de vez. O som do móvel sendo arrastado lembrava metal sendo moído.

Um par de botas imundas cruzou a soleira.

— Achavam que barrar a porta ia adiantar? Eu não sou de perder tempo. — Disse com um sorriso torto, os olhos amarelados vasculhando o quarto.

Fiquei paralisada. A faca brilhava na mão dele, o reflexo cortando os nós dos dedos sujos.

E quando ele me viu, aquele olhar nojento, faminto, passava por mim como uma língua de cobra:

— Que surpresa boa. Uma mocinha tão bonita dessas, aqui dando sopa.

— Não encosta nela! — Gritou minha mãe, com um desespero que rasgava o ar.

Cerrei os dentes, engolindo a onda de pânico que queria me engolir inteira. Me virei para minha mãe e falei, em voz baixa:

— Mãe, aconteça o que acontecer, não interfere. Vai pra trás. Tinha um trampolim lá embaixo, a queda ia ser amortecida.

— Corre pra casa dos Peçanha. Avisa o Tomás. Diz que ele traga ajuda. Agora.

O homem com a faca se aproximava, passo a passo. Já não tínhamos mais tempo.

Na vida passada, eu já tinha sido despedaçada. Nesta, eu faria qualquer coisa pra salvar minha mãe.

— Eu não vou te deixar pra trás!

Segurei firme o pulso dela, com força.

— Escuta, só pula. Vai direto pra casa dos Peçanha. Enquanto você estiver viva, ainda existe esperança.

Nesse instante, o homem empurrou o guarda-roupa cambaleante e veio na nossa direção.

— Mãe, pula logo! — Sussurrei, quase sem voz, mas desesperada.

Mas ela fez o impensável: num salto, correu pra cima dele.

Agarrou os dois braços dele com todas as forças, tentando puxá-lo pra trás, afastá-lo de mim.

— Isabela! Pula! Corre! A mamãe não vai deixar que eles te levem!

A voz dela era um misto de choro e determinação.

— Mãe!! — Gritei, apavorada.

Vi, sem poder impedir, a faca cravar com frieza nas costas dela, com um só movimento do homem.

O vermelho invadiu minha mente como um raio, estourando tudo que havia de racional dentro de mim.

Ela arfava de dor, mas ainda mantinha o corpo preso ao dele, firme, e gritou pra mim, ansiosa:

— Pula, Isabela! Vai, agora! Não ouse hesitar!

Meu corpo inteiro congelou. Mas o instinto de sobrevivência gritou mais alto.

Ali, bater de frente não era opção. Corri até a janela. E me joguei.

O impacto contra a lona do trampolim me lançou de volta com força. Senti uma dor aguda subir do tornozelo até a perna. Doeu como se algo tivesse rasgado por dentro.