capítulo 3

Mesmo sem conseguir respirar direito, não parei. Cerrei os dentes, me levantei com dificuldade e corri com tudo em direção à mansão Peçanha.

O gelo mordia meus pés feridos, já em carne viva, mas eu nem sentia. Só conseguia pensar em correr, correr sem parar.

Apesar de ser “vizinha”, a mansão ficava a mais de um quilômetro dali.

O ar cortava minha garganta como faca, mas eu não ousava diminuir o ritmo.

Porque, na vida passada, eu sabia que quem invadiu a casa não foi só um!

Quando finalmente desabei diante do portão de ferro da casa dos Peçanha, bati com força e gritei com a voz rasgando:

— Tomás! Abre! Me ajuda! Entraram bandidos na minha casa, salva minha mãe!

O portão se abriu com um rangido lento. Tomás surgiu ali, de sobrancelhas franzidas.

Usava um casaco de lã grosso e elegante, mas o rosto dele estava frio como o gelo sob meus joelhos.

Olhou de cima a baixo para mim, ajoelhada na neve, e falou com calma:

— Isabela, você anda se superando na atuação.

O tom era sarcástico, quase divertido, como se estivesse assistindo a um teatro barato.

Senti o sangue ferver no peito. A cabeça latejava, tudo girava.

— Tomás! Eu não tô brincando! Minha mãe tá entre a vida e a morte!

— Por favor, manda alguém comigo, só isso. Me ajuda.

Ele analisava meus machucados, as roupas sujas de sangue e neve, e assobiou devagar:

— Se o seu irmão não tivesse me dito que você planejava uma encenação dessas, por ciúmes da Camila, até que eu acreditava, viu.

— Não escuta ele! — Implorei, a voz trêmula. — É verdade! Eu já liguei pra polícia, mas eles ainda não chegaram. Minha mãe levou uma facada, ela não vai aguentar muito!

Na vida passada, eu nunca soube o que aqueles três fizeram depois com ela.

Eu e minha mãe lutamos até o fim. Fomos espancadas, rasgadas por dentro.

Eu fiquei dilacerada. Ela virou um corpo sem alma.

E agora, tendo uma segunda chance, eu não deixaria minha mãe morrer por minha causa de novo.

Peguei o celular com os dedos duros de frio, mostrei pra ele o registro da ligação de emergência. Mas ele nem piscou.

Não havia um traço de fé nos olhos dele.

— Dessa vez você se superou, hein? Até chamou a polícia? Inventou um assalto encenado? — Zombou, com um riso torto. — Esse teatrinho de vítima foi tão bem feito que quase acreditei. Quase. Tem que reconhecer a sua persistência.

— Tomás! Você tá maluco?! É verdade! — Gritei com os olhos embaçados pelas lágrimas, tomada pela raiva.

Mas nem aquilo foi suficiente pra quebrar a muralha da desconfiança.

Ele virou as costas, pronto pra ir embora. Eu o agarrei com força.

— Por favor! Minha mãe precisa de ajuda! Se você não for agora, ela vai morrer! Ela vai morrer de verdade!

Tomás abaixou o olhar. Os olhos, antes tão familiares, estavam duros como pedra.

— Isabela, seu irmão foi claro. Mandou eu não me meter. Que eu deixasse você se esgotar sozinha.

Aquelas palavras me atravessaram como lâmina.

Antes da Camila, Tomás era meu melhor amigo, meu porto seguro.

Depois que ficamos noivos, ele parecia viver só pra me mimar.

Mas quando aquela mulher apareceu, tudo desmoronou.

Tomás começou a se afastar. Meu irmão também. Os dois pareciam girar em torno dela.

Ele fazia de tudo pra agradá-la. Até mesmo destruir uma empresa só porque o nome era o mesmo do cachorro da Camila.

Foi isso que atraiu essa desgraça pra nossa família.

Caí de joelhos na neve, implorando, desesperada:

— Tomás, eu tô te implorando! Só leva alguém lá em casa pra conferir, por favor! Se quiser romper o noivado, tudo bem, mas me ajuda!

A esperança em mim já quase não existia.

Por dentro, rezava em silêncio, como quem se afogava pedindo ar: Que ele tivesse um resto de consciência.