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capítulo 2

Author: Ladrão de Justiça
Depois de quinze dias em repouso na clínica, meu corpo estava finalmente um pouco melhor.

Durante esse tempo, Leonardo só ligou uma vez e depois disso, silêncio total.

Com a data combinada com minha mãe se aproximando, voltei pra casa, ainda fraca, só pra pegar minhas coisas.

Mas assim que abri a porta...

Leonardo estava ali, no meio da sala, dando uma festa com os amigos.

Todos congelaram ao me ver.

Leonardo franziu a testa, caminhou na minha direção.

— Larissa, por que não respondeu minhas mensagens?

Mas meu olhar já tinha passado por ele e parado na garota ao seu lado.

Vestido branco, cabelo longo, jeito doce.

Camila.

Aquela que sempre foi o amor da vida dele.

Quando percebeu meu olhar, Leonardo coçou o nariz, constrangido.

— A Cami voltou do exterior antes do previsto. Como eu ainda tô me recuperando da cirurgia, achei melhor não fazer nada grande. Só uma coisa simples aqui em casa mesmo.

Ergueu o rosto e me lançou um olhar impaciente:

— Você não vai fazer birra por causa de uma besteira dessas, vai?

Apertei o tecido da blusa entre os dedos.

Passei cinco anos me torturando por causa do passado entre os dois.

Sempre que ele falava o nome dela, eu travava. Perguntava, me humilhava pra saber: "Afinal, quem você ama mais?"

Mas agora já não fazia diferença.

Assenti levemente:

— Bem-vinda de volta. Aproveitem a festa. Só vim buscar umas coisas.

Minha indiferença o incomodou.

Leonardo gostava de ver meu descontrole, meus ciúmes, minha dor exposta.

Ver que agora eu estava fria, equilibrada... aquilo o deixou visivelmente irritado.

Estava de costas, prestes a sair, quando ouvi a voz doce e chorosa de Camila:

— Larissa, eu já te perdoei pelo que aconteceu. Por que você ainda tá assim comigo?

— Fica com a gente, vamos comemorar juntas.

Leonardo não suportava ver Camila triste.

Na mesma hora, veio até mim, agarrou meu braço e me puxou à força até a mesa.

— A Cami tá tentando fazer as pazes. Para com essa cara de enterro e vem ficar com ela.

Mal sentei, os amigos dele já me cercaram.

— Pra selar a paz, a cunhada vai ter que virar esse copo!

Olhei os rostos ao redor — todos rindo, todos com aquele ar de quem tá fingindo amizade.

Só consegui rir por dentro.

Sabiam que eu tinha feito uma cirurgia de transplante de fígado há poucos dias.

E ainda assim, me ofereceram bebida.

Patética. E eu, tão cega antes, achava que eles estavam realmente felizes por mim.

Empurrei o copo.

— O médico proibiu álcool.

— Só um golinho! Não vai te matar! — Disseram, rindo.

Antes que eu reagisse, mãos me seguraram pelos braços. E o líquido desceu à força pela minha garganta.

Comecei a tossir descontroladamente, engasgando.

Tentei recuar, mas alguém me empurrou com força, e meu rosto afundou direto no bolo.

O creme pegajoso invadiu meu nariz e minha boca, me sufocando.

O riso estridente explodiu ao meu redor, enquanto eu tentava me levantar, ofegante e com o rosto ardendo.

Quando consegui abrir os olhos, vi que o bolo — que deveria ser macio e fofo — estava recheado de pregos enfiados no meio da massa. O rosto ainda pingando, percebi que minha pele queimava.

Camila ria tanto que mal conseguia ficar de pé.

Um dos caras olhou pra mim, sem nenhum pingo de vergonha:

— Foi mal, cunhada. Esse chantilly era muito mole, pedi pro pessoal colocar uns apoios pra segurar a estrutura. Quem diria que você ia enfiar a cara inteira nele?

Alguém sussurrou baixo:

— Igual a um porco.

E a sala explodiu em gargalhadas de novo.

Com raiva contida, fui limpando o rosto, prestes a sair dali.

Mas Camila, claro, não ia deixar por isso mesmo.

Segurou meu cabelo com força, com um olhar cheio de escárnio e sarcasmo. Fez um gesto pros outros:

— A Larissa tá toda emburrada! Vamos ajudar ela a lavar esse rostinho, antes que vá fazer drama com o Leonardo.

Os outros toparam na hora e vieram pra cima com sorrisos cruéis.

Um pânico gelado tomou conta de mim.

Quando era criança, fui sequestrada. E por chorar demais, me afundaram num balde d’água.

Desde então, tenho pavor — verdadeiro terror — de água.

Mesmo esperneando, fui arrastada pra cozinha.

Camila me empurrou contra a pia, prensando minha cabeça nela.

A água gelada caiu com tudo sobre mim.

Gritei, engasgada, tentando respirar, enquanto seguravam meus braços presos pra trás.

— Tem que lavar direito! Uma mulher suja como você não devia nem estar aqui! — Alguém gritou, rindo com crueldade.

A falta de ar começou a me apagar.

Minha visão ficou turva.

E foi só então que, do canto da sala, Leonardo finalmente abriu a boca:

— Parem com isso agora!

O grito seco congelou o ambiente.

Todos soltaram minhas mãos na mesma hora.

Leonardo veio até mim, afastou os fios molhados do meu rosto com delicadeza.

— Me desculpa, amor… Você tá bem?

Mas eu só empurrei a mão dele, com a voz rouca e fraca:

— Tá tudo bem.

Sem olhar pra ele, ignorando o olhar ferido em seu rosto, me virei e fui direto pro quarto.
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