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Capítulo 3

Author: Marcelo Barros
Eu havia esquecido como morri. Apenas me tornei uma alma e, ao ver o corpo que já não me pertencia, não tive coragem de olhar.

Era triste demais, assustador demais.

Senti como se tivesse caído em um oceano profundo, tudo ao redor era escuridão, sem saber onde iria parar.

Com medo, encolhi-me toda, até que, de repente, fui puxada violentamente para cima.

...

Rui dirigia o carro enquanto Marcos discava o meu número.

Ambos tinham os rostos carregados de preocupação.

Segundos depois, o telefone só dava sinal de ocupado.

Marcos apertou os lábios, batendo, uma vez após a outra, na porta do carro.

Rui lançou-lhe um olhar de lado.

— E aí? Ela não atendeu?

Marcos fechou os olhos, escondendo a frieza que brilhava no fundo deles.

Rui pisou mais fundo no acelerador, e o carro arrancou com força.

Ele falou, em tom ríspido:

— Patrícia está mesmo levando essa encenação longe demais, né? Chegou ao ponto de arranjar até as cinzas dela. Daqui a pouco, vou averiguar se essas cinzas realmente pertencem a ela..

Cinzas?

Então meu corpo foi cremado.

Se eles vissem minhas cinzas, talvez acreditassem, enfim, que eu estava morta.

Se ainda tivessem algum afeto por mim, talvez me dessem um enterro qualquer, e assim eu poderia, desaparecer de vez.

Caso contrário… ao menos não teriam mais receio de que eu fosse machucar Bárbara. Logo, eles me esqueceriam completamente, e eu teria, enfim, algum sossego, sem precisar ouvir aquelas palavras cruéis outra vez.

Meia hora depois, o carro parou diante do crematório.

Marcos e Rui saíram do carro, assim que entraram, um funcionário veio recebê-los.

— Em que posso ajudar?

Marcos sorriu com desdém:

— E as cinzas da Patrícia? Não era para eu vir buscá-las?

O funcionário entregou a caixa que continha as minhas cinzas para Marcos e disse:

— Investigamos a família da Sra. Menezes e descobrimos que ela era órfã. A polícia nos informou que o senhor era seu noivo, por isso entramos em contato. Aqui estão as cinzas da Sra. Menezes, meus sentimentos.

Aos treze anos, perdi meus pais num acidente de carro. Minha tia ficou com a indenização e me sustentou até eu completar dezoito.

Assim que fiz dezoito, ela me expulsou de casa, dizendo que eu tinha que me virar sozinha.

Nestes anos, para não ter mais problemas comigo, trocou de número e mudou de cidade.

Se não fosse por Marcos e Rui, nem quero imaginar o quão sombria teria sido minha vida.

Eles me salvaram, mas, quando retiraram esse apoio, até continuar viva se tornou um luxo inalcançável.

Marcos passou a mão pela caixa de cinzas, seus olhos pareciam brilhar com uma alegria genuína ao perguntar:

— Tem certeza de que essas são mesmo as cinzas da Patrícia? Não estão me enganando?

O funcionário se mostrou ofendido.

— Sr. Torres, jamais nos atreveríamos a enganá-lo. Isso seria um grande pecado.

Rui soltou uma risada fria:

— Agora, vocês se preocupam com o pecado? Patrícia está bem aqui, não dissemos que realmente não acreditamos.

— Quanto a Patrícia pagou para vocês toparem participar dessa farsa?

O funcionário olhou para eles como se fossem loucos, a voz soou mais fria quando enfatizou:

— Sr. Torres, se não acredita, tudo bem. Por favor, devolva as cinzas da Sra. Menezes, nós cuidaremos disso.

Marcos estendeu a mão, e o funcionário estava prestes a receber de volta.

No segundo seguinte, Marcos soltou um falso lamento.

A caixa escapou de suas mãos, e as cinzas se espalharam pelo chão.

Ele sorriu cruelmente:

— Desculpe, escorregou.

Rui soltou uma risada sarcástica, com aquele rosto cheio de desprezo.

Com o pé, esmagou as minhas cinzas, sem pressa e disse distraidamente:

— Amanhã é o aniversário da Bárbara. Patrícia pode não ir, mas usar esse tipo de truque para chamar nossa atenção é baixo demais. Faça o favor de avisá-la que se ela insistir em tentar afastar Bárbara, então que nunca mais apareça diante de nós.

O ar me faltou, e comecei a tremer sem controle. Queria juntar as cinzas espalhadas, mas minhas mãos não conseguiam.

Tudo à minha frente ficou enevoado. Pensei que teria sido melhor nunca ter conhecido esses dois.

— Sr. Torres, isso é inaceitável! Como podem insultar uma pessoa morta? — O funcionário olhou para Marcos, furioso. — Essas são mesmo as cinzas da Sra. Menezes, você não viu as notícias? A história da Sra. Menezes já se espalhou por toda a internet.

O funcionário abriu um vídeo, e Marcos lançou um olhar desinteressado.

Num instante, o sorriso em seus lábios desapareceu, o rosto assumiu uma expressão estranha.

Rui ficou paralisado, olhou intrigado e, de repente, seus olhos se arregalaram em completo espanto.
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