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Capítulo 4

Author: Doce Felina
Estava claro que o teatrinho da Júlia ainda não tinha acabado. Aproveitando o momento em que pediu para eu servir o chá, ela deixou cair água quente de propósito bem em cima de mim.

— Ai... — O chá preto estava fervendo. Quando tentei levantar a manga, ela segurou meu braço, e o tecido grudou na pele, provavelmente ia criar uma bolha. Mas eu não podia perder o controle ali, seria uma vergonha para o Ícaro.

Enquanto fingia me ajudar, ela pegou um guardanapo e começou a secar a manga.

— Yasmin, me perdoa, que pena esse conjunto tão bonito.

Ela sabia muito bem que eu tinha me queimado, mas preferiu fingir preocupação só com a roupa.

Mal tirei a mão dela de cima de mim, ela já disparou:

— Mas olha, hoje os convidados são importantes. Se a roupa não estiver adequada, vão achar que não damos valor. Sr. Ícaro, talvez seja melhor deixar a Yasmin voltar pro hotel, o que acha?

Eu olhei para o Ícaro. Ele, com aquela frieza de sempre, só passou os olhos por mim. Eu baixei a manga e tentei disfarçar:

— Não tem problema. Quando eu sentar, a manga vai ficar debaixo da mesa, ninguém vai perceber.

Ícaro então me perguntou:

— Você se queimou?

Eu e Júlia trocamos olhares incrédulos diante da pergunta dele.

Júlia reagiu rápido, levantou meu braço para olhar.

— Nossa, ficou vermelho mesmo! Desculpa, Yasmin, eu peço pro motorista te levar no hospital. Sua pele é tão sensível, tem que cuidar pra não ficar marca.

Entre eu e Júlia, ela era muito mais experiente no jogo social, mas naquela hora, aproveitei que Ícaro ainda gostava de mim e resolvi rebater:

— Júlia, você foi mesmo descuidada. Ainda bem que foi comigo, imagina se fosse com um convidado importante? Ia ser um escândalo.

Ela ficou sem reação, claramente não esperava que eu fosse responder.

Ícaro me olhou com um sorriso enigmático, como se enxergasse todas as estratégias por trás das palavras.

Eu desviei o olhar e escondi a mão debaixo da mesa, desconfortável.

Nesse instante, Davi entrou no salão. Júlia logo se levantou, toda sorrisos, e foi recebê-lo.

— Sr. Davi, que elegância a sua hoje! Vai conquistar quem essa noite?

Davi riu, animado:

— Júlia, já estou velho pra essas coisas, mas obrigado pelo elogio.

— Velho nada! O senhor está é no auge, parece até um botão de flor prestes a desabrochar! — Júlia perguntou. — E a Sra. Siqueira, não veio?

Davi respondeu:

— Minha mãe passou mal, ela voltou pra cuidar dela.

Júlia fez cara de preocupação.

— Sério? Assim que terminarmos aqui, vou ligar pra Sra. Siqueira. Com pais idosos, a gente nunca fica tranquila, né? Os meus também vivem com probleminhas, sempre me preocupo quando estou viajando. Mas não se preocupe muito, hoje em dia a medicina evoluiu bastante, vai dar tudo certo.

Em poucas palavras, ela acalmou Davi, que logo relaxou. Precisei admitir, Júlia dominava bem a arte do networking.

Ela então levantou a sacola de presente.

— Sr. Davi, nosso presidente fez questão de preparar esse presente especial pra Sra. Siqueira. Quando terminar, o senhor leva pra ela, por favor.

Davi fez um sinal para o secretário pegar a sacola.

— Sr. Ícaro, muito obrigado.

Ícaro sorriu gentilmente.

— É só uma lembrança, não precisa agradecer.

O salão se encheu do riso generoso de Davi.

Logo depois, Júlia fez a apresentação formal:

— Sr. Davi, esse é o nosso presidente da SkyLança, Sr. Ícaro. … Sr. Ícaro, este é o Sr. Davi, aquele mentor de quem já comentei, conheci no salão aeronáutico.

Eles se cumprimentaram e trocaram algumas palavras.

Mesmo depois que todos se sentaram, Júlia não me apresentou. Eu já sabia que, numa situação dessas, não era meu lugar brilhar. Bastava ficar ali, discreta, cumprindo o papel de acompanhante.

Fui servir chá para Davi. Ele levantou os olhos, me encarou curioso.

— E essa moça bonita, quem é?

Júlia sorriu, toda polida:

— Ela é assistente do Sr. Ícaro.

Davi arregalou os olhos, me examinando de cima a baixo.

— Que sorte a sua, Sr. Ícaro, com uma assistente dessas!

Foi aí que percebi que o chá tinha molhado até meu decote. O tecido claro ficou levemente transparente, revelando o sutiã preto por baixo.

Ícaro franziu a testa, claramente incomodado. Eu terminei de servir o chá e voltei rapidinho ao meu lugar.

Júlia, fingindo preocupação, sugeriu:

— Yasmin, tenho um casaco no carro, vou pedir pro motorista trazer pra você.

Eu sabia que já não dava pra ficar assim, então, por mais que tivesse segundas intenções, aceitei:

— Obrigada, Júlia, vai ajudar muito.

O que eu nunca poderia imaginar era que o casaco fosse um modelo apertado, que ela só não tinha devolvido ainda porque precisava trocar.

Quando vesti, senti o peito todo comprimido e a cintura presa, mal conseguia respirar pra não arrebentar os botões.

Usar aquela roupa era quase uma tortura, o que me lembrava que o jantar não era lugar pra me esbaldar.

Pra piorar, no meio da tarde, Ícaro tinha me levado pra cama por horas, me deixando exausta. Agora, sentada à mesa, a fome já fazia minha cabeça rodar.

Quando voltei para o salão, eu me sentei segurando o casaco junto ao peito.

— Obrigada, Júlia.

Júlia me lançou um sorriso cheio de segundas intenções.

— Ah, ser jovem é um privilégio. Em você esse casaco fica até mais bonito do que em mim.

O olhar de Davi percorreu meu corpo sem nenhum pudor, o que me deixou extremamente desconfortável. Eu me encostei na cadeira, tentando fugir daquele olhar, mas só piorei a situação, oferecendo para ele uma visão ainda melhor.

Ele sorriu. Fiquei ainda mais constrangida, então virei o corpo de lado e puxei o decote para cima.

Ícaro chamou a atenção dele:

— Sr. Davi.

— Hm? — Davi finalmente desviou o olhar e voltou à conversa de negócios.

Os três continuaram a conversa animada, bebendo e comendo à vontade, enquanto eu mal encostava no prato.

Em certo momento, Ícaro foi ao banheiro, e Davi o acompanhou. Quando voltaram, o rosto de Ícaro estava fechado, os olhos lançando um olhar frio e duro na minha direção.

Eu não fazia ideia do que tinha acontecido, então permaneci quieta, sentada no meu canto.

Quando o jantar terminou, saí do salão e encontrei Júlia me esperando no corredor, como se já soubesse que eu passaria por ali.

Ela se aproximou e disse:

— O Sr. Ícaro pediu para você acompanhar o Davi até o hotel.

— Eu? Levar o Davi? Um homem feito daquele tamanho precisa de mim pra acompanhar? — Eu realmente não podia acreditar no que ouvia.

Júlia sorriu, o tom irônico e maldoso.

— O Davi ficou impressionado com você, e acho que você sabe disso.

Ela ajeitou meu colarinho, o olhar venenoso.

— Mulheres como você sobem na vida graças a esse tipo de talento. Agora a chance está aí, Davi te desejou desde que entrou. Aproveita.

Ela enfiou um cartão de quarto na minha mão.

— Faz bonito, Yasmin. Se o negócio sair é por sua causa.

Eu devolvi o cartão, como se tivesse pego fogo.

— Eu não vou.

Júlia apertou meu pulso e forçou o cartão de volta na minha mão, agora séria:

— Não entendeu? Isso foi ordem do Sr. Ícaro.

Eu franzi a testa, sem acreditar.

Levei a mão à bolsa para pegar o celular, mas ela me interrompeu com deboche:

— Yasmin, não se faça de inocente. Assistente do Sr. Ícaro não serve só pra tirar papel e servir café. Você acha que ele te trouxe porque precisa de ajuda no trabalho? Uma mulher bonita como você está aqui para agradar o cliente.

Que bonito. Eu era o “agrado surpresa”.

Mesmo assim, não me contentei com a palavra dela e decidi ligar para Ícaro.

Ela ergueu as mãos, despreocupada.

— Se não acredita, liga lá.

Disquei o número do Ícaro, o coração disparado, torcendo para ele negar. O celular chamou até cair na caixa postal. Ele não atendeu.

Júlia sorriu, vitoriosa.

— Agora acredita?

Senti um nó na garganta. O pouco de dignidade que me restava foi rasgado diante dela.

Júlia continuou:

— O Sr. Ícaro só está se divertindo com você. E você achando que era diferente...

Então eu era só um passatempo? No fundo, talvez eu realmente tivesse me iludido.

A raiva subiu, perdi o controle.

— Júlia, diga ao Sr. Ícaro que, entre nós dois, não tem essa de quem usa quem. Eu também aproveitei. Quanto ao Davi, essa oportunidade valiosa é melhor você mesma agarrar. Você tem bem mais experiência do que eu.

Joguei o cartão no peito dela e fui embora.

Júlia ficou boquiaberta, sem reação. Quando eu já estava quase entrando no elevador, ouvi ela gritar:

— Yasmin, você enlouqueceu?

Não olhei para trás. Só levantei a mão e mostrei o dedo do meio pra ela.

Na porta do hotel, vi o carro do Ícaro esperando. Eu já esperava ser humilhada, já pensava nas dívidas, no futuro do Tiago.

Cheguei perto do carro, ele baixou o vidro. Eu reuni o resto de orgulho e perguntei:

— Sr. Ícaro, foi você que mandou eu acompanhar o Davi?

O olhar dele era frio, distante, nem sequer me direcionou um olhar amigável.

— Tem algum problema?

Naquele instante, entendi tudo. Não era a Júlia que mentia. Era eu que depositava esperanças em quem não devia.

— Não, nenhum. — Respirei fundo. — Eu me demito. Não sou mais sua assistente.
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