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Capítulo 6

Author: Doce Felina
Quando voltei de Nova Candeia, eu jamais imaginei que Tiago viria me buscar no aeroporto.

Quando vi Tiago, senti uma vergonha que me fez querer desaparecer, mas ele agiu como se nada tivesse acontecido, caminhou até nós e ainda cumprimentou Ícaro com um sorriso.

— Sr. Ícaro, obrigado por tudo. A Yasmin deve ter dado trabalho pro senhor.

Ícaro manteve a expressão tranquila e respondeu com frieza:

— Não, nenhum problema.

Depois disso, Ícaro foi direto para a van executiva estacionada na rua.

Eu observei Tiago correndo para abrir a porta do carro pra ele, todo solícito, e só queria sumir dali o mais rápido possível.

Para Tiago, aquilo parecia rotina. Ele fez questão de proteger o teto do carro, convidando Ícaro a entrar:

— Por aqui, Sr. Ícaro. Por favor.

Até a secretária olhou para ele com desprezo, o que só aumentou meu desejo de sumir dali.

Mas eu senti o olhar de alguém do carro sobre mim. Vi um gesto me chamando, então me endireitei e fui até lá. Quando cheguei perto, Tiago me puxou com força e sussurrou:

— Anda, Yasmin, entra logo. O Sr. Ícaro é muito ocupado, não faça ele esperar.

Ao desembarcar, Ícaro me disse para eu ir pra casa descansar e que falaria comigo no dia seguinte.

No carro, alguém olhou para mim, percebeu meu tropeço e, com as sobrancelhas fechadas de impaciência, ordenou:

— Yasmin, amanhã cedo quero os documentos do representante de Serramar organizados e na minha mesa.

— Sim, Sr. Ícaro. — Respondi baixinho, sentindo minhas bochechas queimarem.

Tiago, atrás de mim, ficou tão constrangido que nem conseguiu falar.

Ícaro me fez um sinal com o dedo e eu tive que me curvar ainda mais. Ele se aproximou do meu ouvido e sussurrou:

— Com um homem desses, por que você ainda não se separou?

Eu congelei, sem palavras.

Ícaro se recostou e mandou o motorista seguir.

Vi as lanternas do carro sumirem no trânsito, enquanto Tiago ficou na ponta dos pés, olhando até o veículo desaparecer. Ele então se virou curioso:

— Yasmin, o que o Sr. Ícaro te falou agora há pouco?

Eu olhei para ele, sem saber o que sentir:

— Nada demais... Assunto de trabalho. Vamos logo.

— Yasmin, ele comentou sobre aquela promoção pra gerente regional?

Eu balancei a cabeça:

— Não, só disse pra esperar notícias.

Tiago acreditava piamente que Ícaro não voltaria atrás.

— Então, se ele te procurar de novo, lembra de cobrar ele, tá?

Eu já estava cansada, entrei no carro sem responder.

A viagem até em casa durou mais de uma hora. Assim que entrei, peguei no sono.

Quando chegamos embaixo do prédio, Tiago me acordou e foi pegar as malas no porta-malas.

Uma vizinha passou por nós e veio puxar conversa:

— Yasmin, voltou de viagem?

Eu sorri educadamente:

— Sim, Dona Ana. Veio passear com o neto?

— Pois é, menina, ele não aguenta ficar preso em casa, quis porque quis brincar aqui embaixo. — Enquanto falava, ela não tirava os olhos do neto no parquinho. — Opa, caiu! Preciso ir lá socorrer. Depois conversamos!

— Vá lá, Dona Ana!

Tiago chegou com as malas e lançou um olhar irritado para Dona Ana, murmurando:

— Não liga pra ela, vive querendo saber da vida dos outros. Só sabe se exibir com esse neto.

Eu olhei para Tiago, sem acreditar:

— Ela não fez nada demais, só quis ser simpática.

— Tá bom, vamos subir logo.

Tiago me puxou pro prédio, apressado.

Enquanto subíamos, tudo o que aconteceu nos últimos dias passou pela minha cabeça. O futuro parecia mais incerto do que nunca. Eu sabia que meu casamento com Tiago não tinha mais volta. Sentia que ele estava me arrastando para um buraco sem saída.

Diante dele e do casamento, eu era a errada. Mesmo sabendo que foi ele quem me colocou nesse caminho, eu também tive escolha — e não recusei.

Eu só queria descansar, mas Tiago não parava de me bombardear com perguntas, sem demonstrar um pingo de carinho.

Na minha família, eu já tinha sido esquecida. No casamento, virei apenas uma peça de troca.

Às vezes eu pensava que talvez eu realmente não merecesse ser feliz.

Nesse instante, me peguei pensando em Ícaro. Ele parecia ser o único apoio que eu tinha.

Eu me joguei cansada no sofá, escutando Tiago me questionar sem parar. No começo, respondi tudo, mas perdi a paciência quando ele tocou naquele assunto.

— Você não consegue engravidar de jeito nenhum?

Eu fechei os olhos de cansaço e apoiei a testa na mão:

— Eu também não sei, Tiago. Por favor, não fala disso agora.

— Ué, vai falar com quem então? Vocês dois dormem juntos toda hora...

As palavras dele me cortaram por dentro. Fuzilei Tiago com o olhar e ele percebeu, se ajoelhou no chão, segurou minhas mãos e pediu desculpas, quase chorando:

— Yasmin, eu sei que te fiz sofrer. A culpa é toda minha, me perdoa. Eu não mereço você.

Ele se jogou no meu colo, me apertando forte. Eu não aguentei e passei a mão nas costas dele, consolando:

— Para com isso. Ele sempre usa camisinha, nunca me deixou engravidar.

Tiago levantou a cabeça, os olhos cheios de lágrimas. Ele segurou minha mão e deu um beijo:

— Yasmin, tudo que você faz por essa família, eu nunca vou esquecer. Eu te devo pra sempre.

Por um instante, o jeito dele me desarmou e aliviou toda a dor que eu vinha sentindo.

— Pronto, levanta. — Eu o puxei, tentando sorrir.

Tiago percebeu que eu não estava bem, os olhos dele ficaram vermelhos de preocupação.

— Yasmin, você tá exausta, né? Quer deitar um pouco? Eu faço o jantar pra você.

O jeito cuidadoso dele me desarmou, não consegui dizer nada de ruim.

— Esse cliente que encontrei foi bem complicado, Tiago. Estou realmente cansada.

Tiago me acompanhou até o quarto, esquentou um copo de leite e ficou ali até eu beber tudo. Ele me cobriu com o maior carinho antes de sair.

Finalmente, eu consegui descansar em paz. Não sei quanto tempo dormi, só percebi que já era noite quando Tiago voltou pra me acordar.

— Que horas são? — Perguntei, ainda sonolenta.

— Passa das dezenove, vem jantar, amor. — Ele respondeu baixinho.

Eu me arrastei até a mesa, sentindo o corpo pesado. A mesa estava cheia das minhas comidas preferidas.

— Toma a sopa primeiro, meu bem.

Naquela casa, eu nunca precisava me preocupar com tarefas domésticas. O cuidado do Tiago comigo era tão detalhista que eu sentia um conforto difícil de largar, uma dependência gostosa.

Quem não gosta de ser tratada como princesa, recebendo carinho em cada detalhe?

Tiago, vendo meu cansaço, pegou uma colher de sopa, soprou pra esfriar e me deu na boca.

— Gostosa? — Ele me olhou sorrindo.

— Precisa perguntar? Tudo que você faz é bom, Tiago.

O sabor da sopa era intenso e reconfortante. O calor se espalhou pelo corpo e eu senti as forças voltando aos poucos.

— Agora prova o peixe. Eu cuidei direitinho do ponto, tá bem macio e temperado.

Aquela refeição caseira, cheia de cheiros e sabores, foi acalmando meu coração. Por um instante, tudo parecia simples de novo, como se fosse possível esquecer os problemas.

“Cada família tem suas dificuldades, talvez eu só precise aguentar mais um pouco.” pensei.

— Tiago.

— Oi?

— Eu vou tentar engravidar logo, de verdade.

Ele largou os talheres, segurou minha mão com gratidão nos olhos.

— Yasmin, se você acreditar, vai dar certo. Eu tenho fé na gente.

Antes que eu dissesse mais alguma coisa, o celular tocou no quarto.

Tiago se apressou e, quando voltou, estava animado, mostrando o visor.

— É o Sr. Ícaro! Ele tá ligando!

Tiago colocou no viva-voz e me incentivou a atender.

Na verdade, eu fiquei apreensiva. Ícaro tinha esse jeito imprevisível, e eu sempre temia que ele falasse besteira na frente do Tiago. Por fora, era todo sério, mas quando estávamos a sós, cada frase dele me deixava sem graça.

Eu umedeci os lábios e atendi:

— Alô?

A voz de Ícaro veio firme, sem enrolação:

— Em meia hora, sala 3 do Alma do Sabor.
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