Elisa não perdeu tempo discutindo com elas. Aproximou-se de Daniel e se inclinou para tentar acordá-lo.
— Daniel.
Nada aconteceu. Ele dormia profundamente, alheio a todo o barulho ao redor.
Teresa voltou a abrir a boca apenas para provocar:
— Acorda, Daniel! Sua empregadinha veio te buscar!
As palavras dela fizeram o grupo inteiro cair na gargalhada, como se fosse a piada da noite.
— Dá até vontade de perguntar onde o Daniel arrumou a empregadinha. — Comentou uma das amigas entre risos. — Dizem por aí que ela passou três anos inteiros levando sopinha para ele, todo santo dia, chovesse ou fizesse sol.
— Ela que se oferece de graça. Se você fosse como o Daniel, também teria mulher se jogando aos seus pés. — Completou outra, provocando ainda mais risos.
— Hahaha! Verdade!
Todos olhavam para Elisa do mesmo jeito, cheios de desprezo, como se ela fosse uma piada de mau gosto que ninguém levava a sério.
Elisa respirou fundo, mantendo o tom sereno, e se voltou diretamente para Renata:
— Senhorita Renata, quanto vale hoje uma das suas pinturas? Cem mil?
Renata pareceu surpresa com a pergunta direta, mas antes que pudesse esboçar qualquer resposta, Teresa se meteu de novo, em tom protetor:
— E o que você tem a ver com isso?
Elisa arqueou as sobrancelhas com calma, sem se abalar.
— Então talvez você possa responder, senhorita Teresa. Quanto você ganha de mesada? Cem mil? Duzentos? Meio milhão por mês?
— Isso não é da sua conta! — Rebateu Teresa, visivelmente irritada.
Elisa deixou um sorriso discreto surgir em seus lábios e provocou:
— Tem razão, não é mesmo. Só fiquei curiosa para saber se a mesada de vocês, mocinhas da alta sociedade, supera o salário da "empregada" aqui. Afinal, recebo um milhão por mês... e ainda tenho à minha disposição o uso livre e irrestrito do cartão extra do Daniel.
O silêncio caiu como uma pedra no meio da sala, pesado e constrangedor.
As risadas morreram instantaneamente, e até Renata desviou o olhar para o lado, engolindo seco diante da revelação.
Elisa sabia que nenhuma daquelas garotas recebia tanto quanto ela, e os cartões de crédito delas, mesmo que fossem dourados e reluzentes, tinham limite estabelecido.
Com um sorriso frio e calculado, Elisa passou o braço por baixo do ombro de Daniel e o ajudou a se levantar do sofá com cuidado.
Um garçom correu até a porta para auxiliá-la na saída, segurando a porta aberta com gentileza. Elisa se virou antes de sair, lançando um último olhar para o grupo atônito.
— A conta de hoje fica por minha conta. — Anunciou ela com firmeza. — Podem beber à vontade, sem moderação. Se a conta não chegar a um milhão, é porque vocês não estão respeitando o nome de Daniel.
O silêncio voltou a reinar absoluto, ainda mais pesado do que antes.
O garçom ajudou a acomodar Daniel no banco do passageiro com cuidado, e Elisa agradeceu com um aceno educado antes de entrar no carro e partir dali.
...
Vila do Mar do Norte.
Elisa largou Daniel no sofá da sala com algum esforço. Ela mal teve tempo de endireitar o próprio corpo quando ele abriu os olhos de repente.
Os olhos dele, que tanta gente considerava sedutores e irresistíveis, estavam agora frios e cortantes, transbordando desdém e indiferença.
Então era isso mesmo. Ele nunca esteve realmente bêbado. Só fingiu do começo ao fim, apenas para fazê-la passar vergonha diante de Renata e daquelas mulheres fúteis.
Elisa já deveria estar acostumada com esse tipo de humilhação vinda dele, mas mesmo assim, o peito apertou de novo com uma dor surda e familiar.
Ela respirou fundo, tentando manter a voz calma:
— Quer que eu prepare uma sopa?
Daniel soltou uma risada amarga, carregada de sarcasmo.
— Não era você que disse que nunca mais ia fazer sopa para mim? — Provocou ele com frieza.
— Estou falando de sopa para ressaca. — Esclareceu Elisa com paciência.
Daniel nunca gostou das sopas que ela preparava com tanto cuidado, e sempre reclamava que tinham gosto de remédio.
E, de certa forma, ele estava certo que elas realmente eram remédios.
Durante três anos completos, Elisa cozinhou caldos medicinais todos os dias, escondendo com maestria os ingredientes que purificavam o corpo de Daniel do veneno lento e silencioso que corria em suas veias, destruindo-o por dentro.
Lá fora, todos diziam que Daniel era um homem frio, acima dos desejos carnais, alguém incapaz de se envolver com mulher alguma de forma verdadeira. Mas a verdade era muito mais cruel do que as fofocas da alta sociedade, pois ele simplesmente não podia.
O veneno que circulava em seu sangue não o mataria de imediato, mas o tornava impotente, incapaz de gerar filhos ou de ter uma vida íntima normal. A única pessoa no mundo que sabia como curá-lo era Elisa, e foi exatamente por isso que Paloma Carvalho, a poderosa e temida tia dele, o obrigou a se casar com ela sob pressão.
Daniel nunca soube disso, e provavelmente, nunca saberia a verdade.
Ele se recostou no sofá com um olhar entediado, como se a presença dela o cansasse profundamente.
— Viver comigo é só isso para você? — Questionou Daniel com frieza. — Sopa, sopa e mais sopa. Não sabe falar de outra coisa?
Elisa preferiu mudar de assunto antes que a conversa se tornasse ainda mais desgastante.
— Então vamos falar de algo mais prático. — Propôs ela com objetividade. — Você viu minha mensagem no WhatsApp, não viu? Amanhã, às dez da manhã, no cartório. Não marque nada com seu assistente, porque vamos encerrar isso de vez.
Daniel não respondeu, apenas a observou em silêncio com aquele olhar gélido.
Ela abaixou o olhar, sentindo o peso da situação.
— Foram três anos, Daniel. — Disse Elisa com a voz mais suave. — Me desculpe por ter ocupado o lugar da Renata durante todo esse tempo. Mas amanhã saio desse lugar de vez, e você finalmente vai ser livre.
Ele deveria estar feliz com a notícia, finalmente livre dela e de todo aquele casamento forçado. Mas, ao ouvi-la dizer aquilo sem demonstrar nenhuma emoção, algo estranho em seu peito pareceu arder de forma inesperada.
— Me diz uma coisa. — Começou Daniel com rispidez. — É você que vai me liberar... ou sou eu que vou me livrar de você?
Elisa franziu a testa, genuinamente confusa.
— Como assim? Não entendi.
— Você entendeu muito bem o que eu quis dizer. — Insistiu ele.
— Não, Daniel. Não entendi. — Repetiu Elisa com firmeza.
Ele se inclinou para frente, aproximando o rosto do dela, com o olhar transbordando desprezo e acusação.
— Não finja que não sabe do que estou falando. — Acusou Daniel com crueldade. — Minha tia mal esfriou no caixão, e você já quer o divórcio. Por quê? Porque acabou o dinheiro, não é mesmo? Sem ela viva para te proteger, ninguém mais vai te transferir aquele milhão todo mês. Você mesma sabe disso melhor do que ninguém. Se não fosse por ela, eu nunca teria deixado você pôr os pés nesta casa, muito menos te dado um cartão para gastar à vontade.
Ele fez uma pausa cruel, e as palavras seguintes vieram carregadas de veneno puro.
— Uma mulher que vende o próprio corpo por dinheiro... não deve perder tempo mesmo. — Concluiu Daniel com desdém. — Já deve estar procurando outro idiota para bancar o luxo, não é verdade?
Durante três anos inteiros, Elisa ouviu esse tipo de acusação tantas vezes que já havia perdido a conta de quantas forem. Dizer que não se magoava com aquelas palavras cruéis seria mentira, porque cada uma delas deixava uma marca profunda em seu coração.
No primeiro ano de casamento, todo o dinheiro que Paloma lhe entregava mensalmente era usado para custear as injeções experimentais do avô, que lutava bravamente contra um câncer agressivo.
Depois que o velho faleceu, Elisa continuou guardando cada centavo que recebia, vivendo de forma simples e discreta. O que não gastava com os caríssimos remédios de desintoxicação de Daniel, ela economizava em silêncio, planejando um futuro incerto.
Um mês atrás, num leilão exclusivo de ervas medicinais raras, um comprador misterioso arrematou um ginseng de sangue centenário por exatos 24 milhões de reais. Aquele ginseng, tão raro quanto precioso, acabou sendo usado inteiramente no tratamento de Daniel, administrado com cuidado extremo.
E o efeito foi imediato e surpreendente. O homem que durante anos fora completamente incapaz de reagir a qualquer mulher, agora não parecia ter mais esse problema debilitante.
Se Daniel realmente quisesse saber a verdade, bastava um único telefonema para seu contador descobrir para onde cada centavo daquele dinheiro tinha ido ao longo dos anos. Mas ele nunca se deu ao trabalho de investigar, porque na cabeça dele, Elisa era apenas uma mulher interesseira e manipuladora.
Mesmo que ele descobrisse a verdade, certamente encontraria um jeito de distorcê-la, transformando todo o sacrifício dela em mais uma suposta manipulação.
— Ficou sem resposta? Acertei em cheio, não foi? — Provocou Daniel com a voz gelada e cortante.
Elisa não respondeu de imediato, porque já tinha ouvido insultos demais ao longo daqueles três anos de casamento forçado. Ela aprendia a se proteger como podia, a deixar que as palavras dele entrassem por um ouvido e saíssem pelo outro.
Amanhã finalmente seria o dia do divórcio, e ela só precisava aguentar mais uma noite ao lado daquele homem que a desprezava.
Pensando assim, ela ergueu o rosto com dignidade e forçou um sorriso amargo.
— Se pensar assim faz você se sentir melhor, Daniel, então tudo bem por mim. — Disse Elisa com calma forçada, e se levantou do sofá para sair dali.
Mas ao passar por ele, Daniel segurou seu pulso com força e a puxou de volta sem cerimônia, fazendo-a cair no sofá com um impacto que tirou seu fôlego. O corpo dele veio logo em seguida, alto e pesado, e o cheiro intenso de álcool invadiu o ar entre eles de forma sufocante.
— Você enlouqueceu? — Questionou Elisa com voz trêmula, tentando se afastar dele, mas a proximidade repentina fez seu coração disparar descontrolado.
O olhar dele estava gelado como gelo, mas havia algo mais ali, algo perigoso e descontrolado.
— Três anos inteiros ocupando o lugar de senhora Carvalho, e você nunca cumpriu um único dever de esposa. — Acusou Daniel com raiva. — Acha que sou o quê? Um idiota fazendo caridade para você? Quero ver se essa mulher que recebe um milhão por mês é feita de diamante mesmo, como todos dizem.
Antes que ela pudesse dar qualquer reação ou defesa, a boca dele tomou a dela com violência. Era pura raiva materializada em contato físico.
Elisa tentou se soltar com desespero, empurrando o peito dele com as mãos, mas de repente parou de resistir. Um pensamento cortou sua mente, e ela ficou imóvel sob o peso dele, deixando que ele fizesse o que quisesse.
Daniel sentiu a resistência dela sumir de repente e, em vez de recuar ou questionar, mergulhou ainda mais fundo naquele beijo brutal e possessivo. O ódio em seu olhar cresceu como fogo descontrolado, mas o corpo dele o traía, reagindo de formas que ele não conseguia controlar.
Três anos inteiros dormindo ao lado dela na mesma cama, mantendo uma distância respeitosa, e nunca sequer uma reação física. Agora, de repente e sem aviso, todo o autocontrole que ele construiu com tanto esforço se desfez.
Só podia ser raiva pura o que ele sentia naquele momento. Raiva por vê-la tão disposta a deixá-lo sem hesitar, raiva por imaginar que no dia seguinte, outro homem poderia tocá-la, possuí-la, tê-la de formas que ele nunca teve.
Se ela queria tanto o divórcio, ele deixaria ela ir embora, mas ela sairia dali marcada para sempre, com um selo que nenhum outro homem jamais ousaria apagar ou ignorar.
Ele a odiava, e por isso mesmo, foi brutal e impiedoso com ela. A raiva que sentia se transformou em força física descontrolada, e cada movimento dele era uma punição cruel.
Elisa chorou desesperada durante todo o ato. Não chorava apenas de vergonha ou de dor física, mas de um sofrimento profundo e antigo que vinha se acumulando dentro dela por três longos anos de humilhações e desprezo. Doía mais do que todas as humilhações verbais juntas, mais do que todos os insultos que ele já havia proferido contra ela.
Mesmo assim, ela revidou com unhas e dentes, arranhando a pele dele, lutando contra aquele corpo que a prendia sem piedade. Mas quanto mais ela lutava e resistia, mais ele a prendia com força descomunal, mais a possuía com crueldade.