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O Casamento que Não Era Para Você
O Casamento que Não Era Para Você
Author: Lina dos Santos Coelho

Capítulo 0001

Author: Lina dos Santos Coelho
— Mãe, por favor, avise o vovô que estou disposta a voltar para a capital e aceitar o casamento arranjado.

— Sério? — Minha mãe soou surpresa, mas logo se deu conta de algo e retrucou. — Espera... E aquele seu namorado de tantos anos? Tudo bem que nós sempre desejamos que você encontrasse alguém à altura, mas se vocês ainda estivessem juntos...

— Não estamos mais. Pode organizar o casamento para mim.

Ela respirou fundo antes de responder:

— Pense com calma por mais dois dias. É verdade que foi seu avô quem escolheu a dedo essa união, e sei que o rapaz administra uma tal empresa de investimentos da família dele. Ainda assim, minha filha, gostaria que você não agisse por impulso.

— Mãe, não é impulso. Já refleti muito.

Ao conversar com meu irmão no dia passado, descobri, por um deslize dele, que nossa família estava à beira de uma crise financeira, e um casamento de conveniência seria a solução menos arriscada.

Era claro que, até pouco tempo atrás, na minha teimosia apaixonada, eu jamais aceitaria esse tipo de arranjo, ainda mais depois de ter rompido relações com toda a família por causa de um namorado. Mas agora a "garota romântica" que vivia em mim morreu. Precisava acordar para a realidade.

Fechei os olhos por um instante e, através dos vidros do prédio, encarei de relance o mesmo ponto que havia prendido a atenção de Rogério poucos minutos atrás. Meus lábios se curvaram num sorriso amargo, quase irônico.

Ele costumava olhar para mim assim, sem piscar, há alguns anos.

Durante nossa época de faculdade, Rogério passou três dos quatro anos correndo atrás de mim. Quando perguntei o que ele tanto admirava em mim, ele apenas sorriu, meio abobalhado, dizendo que eu era a pessoa mais bonita que ele já tinha visto.

Eu detestava esse lado meio ingênuo dele, mas acabei me comovendo com a sinceridade que havia por trás de cada gesto.

Não me rendi de imediato, porém Rogério não se importou.

Todos os dias, sem falta, ele trazia meu café da manhã até a entrada do meu dormitório. Ele observava meu ciclo menstrual e, com dois dias de antecedência, começava a me oferecer chá de camomila para aliviar as cólicas. Se eu parasse por mais tempo diante de um colar, ele logo fazia algum bico para poupar dinheiro e me presentear com o colar que eu tinha admirado. Quando eu ficava desanimada, ele se esforçava para inventar piadas e me distrair. Até se via uma ruga na minha testa, ele corria para perguntar se eu sentia alguma dor.

No entanto, no fim das contas, nenhuma lembrança foi capaz de vencer uma amizade de infância que surgiu de repente em nossa vida.

Dois meses atrás, a tal amiga de infância dele, Renata Bastos, apareceu na Cidade de Porto Dourado para visitá-lo.

Logo no primeiro encontro, notei que Rogério não tinha o menor cuidado quanto à forma de se comportar na presença dela, mas pensei que Renata fosse embora em poucos dias. O que realmente aconteceu, porém, foi que ela ficou na cidade e virou sua secretária particular, sempre ao lado dele.

Quando perguntei, Rogério simplesmente falou que estavam contratando e que era melhor contratar alguém conhecido do que perder tempo com estranhos.

Desde aquele dia, as viagens de negócios e as horas extras viraram rotina. As voltas para casa ficaram cada vez mais tardias, ou nem aconteciam.

Anteontem, fui ao setor administrativo verificar relatórios e, ao bater o olho no registro de viagens, percebi que Rogério e Renata quase não se desgrudavam. A tal viagem de negócios consistia em irem sozinhos para outro estado, se hospedar num hotel e, conforme as notas fiscais apresentadas, ficarem juntos numa única suíte executiva. Quanto às horas extras, nem se falava.

Ao sair do escritório do Rogério, me deparei com Renata no corredor, levantando-se de sua bancada. Ela me dirigiu um sorriso largo e perguntou:

— Aurora, você parece um pouco abatida. Brigou com o Rogério?

Eu não quis me aborrecer ali, então fui passando direto por ela, pronta para ir embora. No entanto, ela chamou meu nome:

— Aurora!

Parei e ouvi sua voz afetada.

— Você logo vai fazer trinta anos, né? Não fique agindo como garotinha mimada. O Rogério está estressado porque a empresa que pode investir nele, o Investimentos Sagaz, ainda não deu sinal verde para o aporte financeiro. Se você não pode ajudar, ao menos não distraia ele num momento tão crítico.

Arqueei uma sobrancelha e, num tom frio, devolvi o comentário:

— Renata, esta empresa foi fundada por mim e pelo Rogério. Se ele tem poder para mantê-la aqui, eu também posso pedir seu afastamento.

— Você... — Ela pareceu surpresa com minha firmeza e, depois de um momento de hesitação, fingiu se magoar. — Eu quis apenas ajudar, mas entendo que a verdade pode doer. Se você não aceita o que eu digo, podia ignorar. Não precisava falar em me mandar embora.

— Quem ousa mandar você embora daqui? — A voz de Rogério ecoou enquanto ele saía da sala, sem disfarçar a frieza. — Aurora, ela ainda é uma garota que acaba de chegar à cidade e não tem ninguém aqui. Será que você não pode ser um pouco mais tolerante?

Garota?

A palavra soou como ferro em brasa nos meus ouvidos. Quase me fez rir.

Renata era apenas três meses mais nova do que eu.

Um nó de mágoa se acumulou na garganta, e tive de respirar fundo para manter a calma antes de responder:

— Rogério, vou te dar uma chance de escolha. Ou ela sai, ou eu saio.

Ele me olhou com impaciência e repreendeu:

— Aurora, pare de fazer cena.

Fiquei atônita e precisei de alguns segundos para me recompor. Não me recordava da última vez em que ele me chamava assim, sem nenhuma afeição na voz.

De olhos marejados, Renata tentou se justificar:

— Aurora, acho que você está interpretando mal a relação entre mim e o Rogério. Nós somos apenas amigos de infância.

Em seguida, ela voltou sua expressão sofredora para ele e continuou:

— Rogério, ouvi falar que a Aurora vem de uma família muito rica, e é provável que sempre tenha sido tratada como princesa. Você devia ter mais paciência. Não quero causar brigas entre vocês. Se for preciso, eu posso arrumar outro emprego ou até mesmo sair de vez daqui de Porto Dourado, contanto que a Aurora fique bem...

— Renata! — Rogério interrompeu, e percebi a preocupação estampada em seu olhar.

Não esperei para ouvir mais nada. Virei as costas e saí.

Realmente, meus pais sempre me deram autonomia para tomar decisões. Quando me formei, meu pai insistiu para que eu voltasse a capital e, depois de algum tempo de experiência, assumisse os negócios da família. Porém, tomada de paixão, bati de frente com ele, dizendo que ficaria na Cidade de Porto Dourado de qualquer jeito, tudo por estar ao lado de Rogério.

Eu não ligava de ter de virar noites e encher a cara para assinar um contrato que nos ajudasse a crescer no mundo do empreendedorismo. Fazia tudo para apoiá-lo.

Jamais passou pela minha cabeça que ele me retribuísse daquele jeito, trazendo para perto dele alguém com quem vive reuniões intermináveis e viagens suspeitas.

No fim, tudo que conquistei com esse relacionamento foi uma gastrite que requer remédios frequentes.

Do outro lado da linha, ouvi minha mãe suspirar:

— Então, quando vai voltar para capital?

— Daqui a quinze dias, mais ou menos.

Ao desligar, ergui os olhos para encarar mais uma vez o edifício imponente em que tínhamos instalado nossa empresa. Senti um travo de amargura nos lábios.

— Rogério, eu te dei a oportunidade de escolher, mas você a recusou. E agora eu também não te quero mais. — Murmurei a mim mesma.
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