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Capítulo 0002

Author: Lina dos Santos Coelho
Assim que cheguei em casa, fiquei um bom tempo largada no sofá, sem conseguir pensar em mais nada.

Na verdade, os primeiros sinais de que meu relacionamento com o Rogério ia mal começaram no mês passado, e, de lá para cá, tentei entender como um sentimento tão forte poderia mudar de repente.

Sempre que desconfiava dele com a Renata, ele me respondia:

— Você está pensando demais, Aurora. Eu só cuido dela porque considero ela uma irmã.

No começo, acreditei. Afinal, durante muito tempo, ele se esforçou de uma maneira que não parecia falsa, e acreditei que ele me amava de verdade.

Só que tudo começou a ruir numa festa entre amigos, em que o Rogério bebeu além da conta e me ligou para buscá-lo. Um dos amigos dele, igualmente bêbado, deixou escapar os verdadeiros motivos:

— O Rogério e a Renata cresceram juntos. Antes de correr atrás de você, ele chegou a se declarar para ela, mas ela não quis. Sabe como é, amizade de infância não se esquece assim do dia para noite. Ele foi atrás de você porque seu sorriso lembrava o da Renata. Mas fica tranquila, nós vivemos dizendo a ele para valorizar você, que sempre esteve ao lado dele. A Renata, bem... Naquela época, ela desprezava provavelmente o fato de ele ser duro, mas agora que ele está por cima, ela voltou.

...

Só despertei dessas lembranças quando o timer do meu recipiente de preparo de chá medicinal apitou, avisando que o remédio fitoterápico estava pronto.

Foi então que, ao beber a infusão escura e amarguíssima, senti uma pontada de dor e olhei em volta para cada detalhe da casa, que sempre gostei de arrumar do meu jeito.

Logo em seguida, peguei o marcador no calendário e risquei o dia com força. Restavam apenas catorze.

Decidida, comecei a limpar e arrumar tudo. A Cidade de Porto Dourado fica bem distante da capital e, por isso, só podia levar comigo uma quantidade limitada de pertences. O restante, planejei jogar fora.

Eu não gostava que outras pessoas jogasse minhas coisas no lixo, e menos ainda quando imaginava a nova namorada do Rogério fazendo isso.

Fiz duas viagens até as lixeiras do prédio, mas fiquei exausta e precisei parar antes de terminar. Tomei um banho, e, quando saí, dei de cara com uma postagem da Renata nas redes sociais: [De dia ele é um CEO poderoso, à noite faz fila para comprar bolo para mim. Ele disse que queria compensar todo o tempo que ficamos separados. Estou tão feliz!]

A legenda vinha acompanhada da foto de um bolo de morango e, ainda, mostrava a mão da Renata segurando a caixa. No pulso dela, estava folgado um relógio masculino que evidentemente não era dela.

Reconheci na hora a versão masculina do mesmo modelo que eu usava, um par de relógios combinando que Rogério havia me dado.

Lembrei com nitidez da noite em que passamos várias madrugadas acordados para fechar o primeiro grande projeto da empresa. Após aquela conquista, a reputação do negócio decolou.

Na ocasião, embora estivéssemos os dois esgotados de tanto trabalhar sem pause, Rogério estava tomado por uma empolgação absurda e me levou às pressas ao Shopping. Ele sabia que eu tinha uma foto daquele par de relógios guardada porque era algo que eu amava.

— Não precisa comprar, é caro demais, Rogério.

— Eu faço questão. — Ele insistiu, e, depois de colocar o relógio no meu pulso, me puxou com força contra o peito. — Aurora, tudo de que você gosta, eu quero ser a pessoa que te dá.

Ele mesmo não tirava aquele relógio por nada, a não ser para tomar banho e dormir. Inclusive, uma assistente anterior havia sido demitida por ter molhado o relógio sem querer. Todo mundo na empresa sabia que o Rogério me amava e cuidava de tudo que dissesse respeito a mim.

No entanto, lembrei disso tudo e pensei em como fui ingênua, pois ninguém fazia ideia de que, quando ele olhava para mim com aquela devoção aparente, pensava na Renata.

Soltei um suspiro longo, larguei o fecho do meu próprio relógio, tirei rápido duas fotos e anunciei o acessório em um site de produtos usados.

O Rogério não voltou para casa naquela noite.

Já no dia seguinte, eu dormi até quase meio-dia e fui direto para a empresa, com a intenção de pedir demissão.

Desde que a empresa entrou nos eixos, vinha trabalhando somente na área de design, mas me surpreendi quando, ao andar do departamento de design até o departamento de Recursos Humanos, muita gente veio me parabenizar.

Ainda sem entender nada, me deparei com a Sofia, que era a responsável pelo RH e uma das funcionárias mais antigas. Assim que me viu, ela me puxou para dentro da sala.

— Me conta aí, Aurora... Você e o Rogério estão prestes a dar um passo a mais, né?

— O quê? — Fiquei confusa, sem saber do que ela falava.

Por ser uma das funcionárias mais antigas, Sofia foi direto ao ponto:

— Ah, para de esconder de mim. Todo mundo já reparou que o Rogério está aprontando uma mega surpresa. Ele está organizando o pedido de casamento, não está?

Franzi a testa e indaguei:

— Do que você está falando? Não estou sabendo de nada.

Ela cobriu a boca, surpresa.

— Jura que ele não te falou? Só pode ser para te fazer uma surpresa enorme.

— Sofia, fala logo, que história é essa?

Ela me lançou um olhar de cumplicidade e então cochichou:

— Disseram que o pessoal da floricultura veio entregar flores pro Rogério. O porta-malas inteiro do carro estava lotado de rosas cor-de-rosa! Hoje não é seu aniversário ou alguma data especial, certo? Se não for pedido de casamento, o que mais poderia ser?

Rosas cor-de-rosa?

Foi o mesmo tipo de flor que o Rogério deu para a Renata quando foi buscá-la no aeroporto, dois meses atrás.

Senti uma pontada de incômodo ao lembrar disso. Permaneci em silêncio e, vendo minha expressão, Sofia notou a papelada que eu segurava e perguntou:

— O que tem aí?

— Meu pedido de demissão.

Ela arregalou os olhos.

— Peraí, então é exatamente isso! Você está se afastando para virar dona de casa depois do casamento, né? Achou que eu não ia perceber? Dá cá que eu assino já.

— Tá bem. — Respondi, preferindo não dar explicações. Entreguei a documentação e esperei sua assinatura.

Enquanto assinava, ela não conteve um comentário bem-humorado:

— Puxa vida, o Rogério podia ter me avisado antes. É difícil achar alguém com seu talento para diretora de design. Mas enfim, depois que você levar para o Rogério assinar, está tudo certo.

Devolvendo os papéis, ela me lançou um olhar genuíno de amizade e disse com sinceridade:

— Aurora, não sei se largar sua carreira para cuidar da família é a escolha certa, mas torço, de verdade, para que você seja muito feliz. E que o Rogério não te decepcione.

— Vou ser feliz, pode deixar. — Prometi, guardando os documentos.

Só que a minha felicidade não tinha nada a ver com Rogério dessa vez.
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