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Capítulo 2

Author: Hannah
Vila Bela Vista.

Ao chegar em casa completamente esgotada, Daniela foi direto para o chuveiro, deixando que a água escorresse sobre seu corpo cansado antes de se enfiar sob as cobertas, quase inconsciente de sono.

Nem percebeu por quanto tempo havia dormido. Só acordou porque estava tremendo de frio, com uma sensação tão profunda que parecia tomar os ossos. Ela logo percebeu que a febre tinha tomado conta.

Com dificuldade, abriu os olhos pesados e, esforçando-se para se manter consciente, pegou o celular e pediu remédio pelo aplicativo de delivery.

Receosa de se desidratar por causa da doença, arrastou o corpo dolorido até a sala, ela se serviu de um copo grande de água morna e o bebeu rapidamente, na tentativa de se aquecer por dentro.

O líquido ajudou aos poucos a clarear a mente, e, pensando que o entregador logo chegaria, Daniela se enrolou em um cobertor no sofá, sentando-se de pernas cruzadas e esperando em silêncio.

De repente, o som característico de uma notificação do Twitter ecoou pelo apartamento, cortando o clima.

Por instinto, seus olhos, antes perdidos, se voltaram imediatamente para a tela do celular. Assim que abriu o aplicativo, viu que uma atualização nova havia acabado de surgir no perfil "Sevê e Mari".

"Sevê e Mari" era a conta secundária de Mariana.

Desde que havia descoberto a existência de Mariana, cinco anos atrás, Daniela não conseguia evitar. Estava sempre em busca de novidades e notícias sobre ela no Twitter.

Porém, tudo que encontrava eram notas frias, aparentemente redigidas com cuidado pela equipe de Mariana. Sabia apenas que ela era atriz e já tinha participado de alguns filmes importantes no exterior, nada além disso.

O acaso quis que, um dia, se deparasse com aquele nome de usuário. Uma intuição intensa lhe revelava que era Mariana ali, sem sombra de dúvida.

E, nesses cinco anos, Daniela seguia o perfil religiosamente, mesmo que nunca tivesse tido nenhuma publicação. Até aquela noite.

Com os dedos trêmulos de ansiedade, Daniela tocou a notificação. Mariana havia acabado de postar, pela primeira vez, e eram três fotos.

A primeira mostrava um certificado de casamento, parcialmente desfocado, mas mesmo assim, Daniela reconheceu imediatamente Severino pela silhueta, mesmo com a imagem borrada.

Na segunda, apareciam duas mãos entrelaçadas.

Na última foto, mostrava uma tigela de caldo de peixe fumegante.

A legenda dizia: [Finalmente me casei com o menino que amava desde jovem!]

[ps: Depois de tantos anos, ele ainda compra a minha comida preferida.]

Os lábios de Daniela formaram uma linha fina e rígida, os olhos pretos fixos na tela, como se buscassem atravessar Mariana pelo vidro da tela. Logo depois, um sorriso irônico surgiu em seu rosto.

Sem hesitar, com um gesto elegante do dedo, Daniela curtiu a postagem de Mariana.

Ela conhecia Severino e sabia que, se ele quisesse esconder algo dela, nunca deixaria Mariana publicar aquilo abertamente. O fato de Mariana, agora, postar aquilo com o perfil secundário só podia significar que ela sabia da existência de Daniela, estava esperando esse momento para exibir sua vitória.

"Pois bem, que assim seja.", pensou Daniela.

Fechando o Twitter, abriu o aplicativo de notas e começou a planejar sua saída.

A primeira coisa era encontrar uma forma de pedir demissão; depois, excluir todos os rastros digitais, finalizar de vez a história em quadrinhos que postava online e, por fim, vender o apartamento. Só então, sumir definitivamente.

Enquanto Daniela pensava no que precisava resolver dali para frente, foi surpreendida por um barulho na porta.

Os olhos escuros, ainda marcados pelo cansaço, brilharam por um instante. Imaginando que fosse o entregador, ela deixou o celular de lado e caminhou devagar até a entrada, sentindo as pernas pesadas.

— Oi, é a entrega do remé...

Severino a interrompeu, com a voz tensa, demonstrando surpresa ao vê-la ali:

— Dani, você ainda está acordada?

Antes que Daniela pudesse entender a situação, ele já exibia um olhar inquieto, carregado de culpa.

— A Mari acabou se desentendendo com a família e foi expulsa de casa. Ela e o filho não têm onde dormir hoje, então achei melhor trazer os dois para cá por uma noite. Eu pensei que você já estivesse dormindo e não queria te acordar. Ia te explicar tudo amanhã quando você acordasse, tudo tranquilo. — Disse ele, acomodando Mariana e o menino bem atrás de si, de maneira protetora.

Mariana falou então pela primeira vez, numa voz doce e polida:

— Senhorita Daniela, mil desculpas pela inconveniência. A minha situação, como você pode imaginar, não é das mais fáceis. O Severino ficou preocupado com a possibilidade de algo acontecer se eu e meu filho dormíssemos em hotel, então resolvemos vir para cá. Ele disse que só ficaria tranquilo perto da gente. Mesmo sem te conhecer, ouvi tanto sobre você. Ele sempre disse que você era uma pessoa bondosa e generosa. Tenho certeza de que não vai se importar de acolher uma mãe com seu filho, por uma noite, certo?

Enquanto tirava calmamente os óculos escuros, Mariana sorria de forma educada e se mantinha junto a Severino.

Daniela prendeu a respiração ao apertar a maçaneta, tentando não perder o controle. Lançou um olhar frio ao casal e respondeu, séria:

— Podem entrar.

Sem se alongar, ela se virou e foi direto para o quarto, deixando os três na sala.

...

O tempo passou sem que Daniela percebesse. Após tomar o remédio, caiu num sono agitado. Sentiu, em algum momento da madrugada, o colchão afundando pesado ao seu lado e, logo depois, duas mãos firmes rodeando sua cintura.

Assustada, ela se enrijeceu imediatamente, abriu os olhos e acendeu o abajur.

— O que você está fazendo?

— Dani, o que foi? Ficou brava comigo? — Percebendo a resistência dela, Severino deitou o queixo no ombro de Daniela e falou num tom lento, meio rouco. — Eu sei, hoje errei. Eu deveria mesmo ter te avisado antes. Mas eu trouxe seu caldo de peixe favorito para tentar te agradar, não fica assim comigo, tá bom?

O calor da respiração dele encostou na pele dela, enquanto Severino buscava seus lábios pela lateral do rosto, avançando cada vez mais.

— Você prometeu, só na noite de núpcias me tocaria. — Daniela virou o rosto para o lado, com os olhos gélidos.

— Eu sei, Dani, mas toda vez que te abraço é difícil me controlar. Por uma única noite, não dá para fingir que somos mesmo marido e mulher? Que hoje é nossa noite de núpcias? — Enquanto falava, a mão dele já avançava devagar por debaixo do vestido dela.

Daniela sentiu o amargo da resistência, os dentes apertando até rasgar o próprio lábio, o gosto metálico se espalhando na boca. Cada palavra dele soava ainda mais absurda.

Na teoria, aquela era realmente a primeira noite de casamento dele. Mas não com ela, com outra mulher. Que direito ele tinha de transar com ela?

Enfurecida, Daniela prendeu com firmeza o braço dele antes que passasse dos limites.

— Estou com febre.

— O quê? Febre? — Severino levou a mão à testa dela e logo percebeu o calor subindo. Por um instante, mostrou preocupação, mas disfarçou rapidinho com um sorriso sem-vergonha. — Já ouvi por aí que transar com febre é ainda melhor. Quer tentar para ver se é verdade?

— Como você pode dizer isso? — Daniela apertou as mãos com força, as unhas quase cortando a pele, mas nem notou o desconforto.

— Tá bom, Dani, é brincadeira. — Severino recuou, rindo, e afastou rapidamente a mão. — Come um pouco do seu caldo enquanto vou tomar um banho, beleza?

Ele se levantou e foi direto para o banheiro.

Debaixo da luz amarelada, Daniela sentou devagar na cama, sentindo o peito sufocado, como se tivesse algo apertando lá dentro.

No silêncio, seus olhos se fixaram na marmita de caldo de peixe pousada sobre o criado-mudo. O olhar dela ganhou um tom de desprezo. Pegou a sacola e, sem hesitar, jogou direto no lixo.

...

A noite foi longa, estranha e solitária. Quando finalmente amanheceu, Daniela percebeu que Severino já tinha partido, levando Mariana e o filho com ele.

Mesmo zonza, ainda sentindo dor pelo corpo, ela tomou um banho, trocou de roupa e partiu para o trabalho.

Hoje, enfim, tomaria uma decisão definitiva sobre sua demissão.
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