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Capítulo 3

Author: Hannah
Quando Daniela chegou ao trabalho, Severino ainda não havia dado as caras.

Sem perder tempo, ela foi logo organizando todas as tarefas que precisariam ser encaminhadas após sua saída.

Só depois disso acomodou discretamente a carta de demissão, já impressa, no meio dos documentos do dia, aqueles mesmos que Severino precisaria assinar. Sentou-se ao seu posto, tentando conter a ansiedade enquanto esperava a chegada dele.

O relógio já marcava nove e meia quando Severino apareceu.

Daniela baixou os olhos para a pasta azul que apertava contra o corpo, inspirou fundo e caminhou em direção a ele, disfarçando o nervosismo.

— Senhor Severino, aqui estão os papéis para assinatura. — Ela falou com a habitual educação, inclinando-se um pouco, deixando tudo organizado e pronto para ela só precisasse passar a caneta, tal como fazia todos os dias.

— Ótimo. — Respondeu ele, pegando a caneta automaticamente.

Severino sempre confiou totalmente em Daniela, afinal, parte do prestígio do Grupo Cardoso era resultado direto do trabalho incansável dela. Enquanto ele assinava os papéis com rapidez, notou algo diferente e olhou Daniela de cima a baixo com certo espanto.

— Dani, hoje você está completamente diferente. — Ele comentou, erguendo as sobrancelhas e a encarando com um olhar atento. — Decidiu mudar o visual do nada?

Para quem sempre via Daniela vestida em ternos pretos e saltos altos impecáveis, encontrá-la usando um vestido longo branco, leve até os pés e uma sapatilha simples, parecia até outro universo. A presença dela, normalmente tão imponente, agora lembrava uma calma inesperada.

— Você sempre foi tão formal, sempre preocupada com cada mínimo detalhe. Todos esses anos usando uniforme e salto, e hoje mudou tudo. E aí, finalmente cansou desse estilo?

As perguntas de Severino vinham em sequência, enquanto ele mantinha a caneta parada no ar, observando cada reação dela.

Ao ouvir, Daniela travou no mesmo instante. Os dedos, já acostumados à rotina de papéis, hesitaram. O olhar dela se fixou por um segundo nos contratos, e ela puxou uma mecha de cabelo atrás da orelha antes de responder, quase sem expressão de emoção:

— Cansei, sim.

Por isso, ela não queria mais insistir. Na verdade, Daniela sempre gostou mesmo era de roupa confortável, algo que nunca se permitiu usar apenas para se adequar ao padrão da empresa e principalmente, ao de Severino. Agora, pela primeira vez em tanto tempo, ela enfim se dava o direito de ser quem queria ser.

— Verdade, Dani, também acho que de vez em quando trocar o visual te deixa ainda mais bonita. — Severino comentou, deixando um sorriso espontâneo escapar.

Se antes, de uniforme, Daniela lembrava uma rosa intensa e vistosa, aquela manhã ela estava como uma flor prestes a se abrir, suave, delicada e impossível de ignorar. O próprio Severino se sentiu afetado pela mudança, teve de engolir em seco antes de continuar:

— Hoje você está especialmente linda, Dani.

Linda de um jeito que fazia com que ele quisesse levá-la dali para nunca mais soltar, mas conteve-se, deixando apenas o elogio pairar no ar.

— É mesmo? — Perguntou Daniela, num tom tranquilo, mas com os olhos atentos acompanhando cada movimento dele, esperando que ele terminasse de assinar todos os papéis, sobretudo aquele que selava sua liberdade.

Quando viu a assinatura finalmente feita, o alívio a invadiu de tal forma que todo o peso das últimas semanas pareceu evaporar.

As sobrancelhas de Daniela, que até então estavam franzidas, começaram aos poucos a relaxar. Ela umedeceu discretamente os lábios secos de ansiedade e recolheu rapidamente a pasta, abraçando-a junto ao peito.

Mesmo sabendo que Severino jamais se debruçaria sobre cada folha para conferir cada detalhe, pois confiava nela para isso, foi impossível não se sentir nervosa acompanhando aquela caneta deslizando sobre sua carta de demissão.

Desde que entrou no Grupo Cardoso, sabia que era a secretária pessoal dele, subordinada direta, e que, caso quisesse sair um dia, dependeria da assinatura do próprio Severino.

No começo, isso até lhe parecia engraçado. Jamais imaginava se ver longe dali, ela sempre acreditou que estaria ao lado dele para levar a empresa ao topo.

Mas, com o passar dos anos, tudo mudou e, agora, era aquela assinatura que finalmente permitiria que ela seguisse outro caminho.

Quando todo o trabalho terminou, Severino enfim quebrou o silêncio, mudando o tom da conversa para algo mais descontraído.

— Agora que já resolvemos o que era preciso, será que a gente pode conversar sobre outras coisas? Dani, queria te pedir desculpas por ontem à noite. Eu sei que deveria ter te avisado antes, mas quando a Mari me ligou de repente, fiquei sem saída e precisei ajudar ela e o filho. Imagino como isso te incomoda, por causa do passado entre nós, mas te juro que não existe mais nada. De verdade, você é a única que eu amo. Ela só apareceu porque estava desesperada. Agi por humanidade, sei que você vai entender. A minha Dani sempre entende, né? Ah, para me redimir, acordei cedinho e enfrentei fila para comprar aquele bolo de nozes lá da zona sul que você adora. Prova aqui.

Severino se levantou, pegou a caixa de bolo de nozes no armário e se sentou ao lado dela, ostentando um sorriso carinhoso.

Com um olhar quase fechado, Daniela encarou o doce nas mãos dele e forçou um sorriso frio. Foi buscar só para ela? Ela pensou que era piada.

Agora, ele conseguia mentir sem sequer hesitar.

A verdade era que, no caminho para o trabalho, já havia visto a postagem de Mariana no Twitter. O bolo nas mãos de Severino era idêntico ao da foto publicada por ela.

Quando apertou a pasta contra o peito, ela sentiu um frio subindo pelos dedos e dominando o corpo, deixando-a pálida e suando frio, sufocada por um mal-estar difícil de explicar.

— Dani, o que está acontecendo? Você ficou tão pálida. Achei que já tinha esclarecido tudo. Ainda está chateada comigo? — Severino franziu o cenho, claramente desconcertado. Ele suspirou fundo, querendo repetir o gesto de sempre e puxá-la para si, mas, ao encostar no braço dela, ficou surpreso com o calor que emanava.

— Dani, você está ardendo em febre. — Ao perceber a gravidade da situação, ele logo se levantou e tocou sua testa, o olhar se tornando imediatamente preocupado ao sentir a temperatura elevada. — Assim não dá, você tem que ir pro hospital agora mesmo.

— Não precisa, com um remédio eu já melhoro. Ainda tenho coisas para resolver. — Respodeu Daniela, esforçando-se para parecer firme. Ela puxou a mão de volta, girando o corpo para sair.

Tudo o que ela desejava era se distanciar, sair rápido dali. Não queria nenhum tipo de cuidado vindo dele.

— Daniela, remédio nenhum vai resolver assim. Olha para você, mal consegue ficar de pé! Você tem que me ouvir, precisa ir para o hospital! — Severino demonstrava irritação, vendo o estado dela piorar.

— Eu já disse que não preciso... — As palavras quase se dissolveram quando uma tontura forte nublou sua visão, suor gelado escorrendo pelas costas, mas ela apertou ainda mais a pasta contra o peito e tentou avançar, sustentando-se na teimosia.

— Vai sim, e dessa vez você vai fazer o que estou mandando!

Impaciente com aquela resistência, Severino a pegou no colo sem dar qualquer chance de recusa.

— Me põe no chão. Solta! — Daniela tentou, sem forças, se debater, mas seu corpo simplesmente não reagia.

Restou-lhe apenas se deixar levar, sentindo o enjoo que aumentava com cada passo, cada contato.

...

Cerca de vinte minutos mais tarde, ela estava sentada, exausta, no corredor da emergência, medindo a febre. Severino se mantinha ao lado, entregando um copo de água quente.

— Dani, você está desidratada, precisa beber bastante água. Você não tomou o remédio ontem à noite? Por que a febre voltou hoje? Desculpa, era para eu ter te lembrado de tomar outra dose pela manhã.

Daniela recostou na parede fria, com os olhos fechados, ouvindo Severino falar sem parar, o cenho tornando-se cada vez mais franzido a cada palavra dele.

Até que, de repente, uma voz fina e embargada soou do lado dela, interrompendo qualquer resposta:

— Senhor Severino!

— Henry? O que você está fazendo aqui? E sua mãe, onde está? — Severino arregalou os olhos ao ver o menino vestido num pequeno terno preto e gravata azul, chorando de olhos vermelhos. Instintivamente procurou Mariana pelos arredores, sentindo um aperto inesperado em seu peito.
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