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Capítulo 0002

Author: Ren
Logo ao amanhecer, Samuel despertou com a garganta seca, reflexo da bebedeira da noite anterior. Com os olhos ainda entreabertos, esticou a mão até o criado-mudo à procura da xícara de chá morno que costumava estar ali. Não encontrou nada.

Debaixo do corpo, os lençóis já estavam frios fazia tempo.

Achou estranho. Eloá não estava por perto. Antes que pudesse pensar mais, o celular tocou. Era Isadora Albuquerque, a irmã dele.

— Vou trazer uns amigos aqui em casa hoje, não some não. — Disse ela, animada.

Enquanto isso, Eloá, com olheiras fundas e os olhos inchados, finalmente havia caído no sono no quarto ao lado, depois de passar a noite inteira estudando italiano.

O barulho no andar de baixo a despertou.

Uma das empregadas entrou no quarto e avisou:

— Srta. Isadora pediu para avisar que, assim que acordar, é para se trocar e ir lá brincar com eles.

Na área da piscina, o maiô ousado deixava Eloá desconcertada.

Assim que apareceu, foi cercada por comentários maliciosos:

— Samuel, não me diga que essa sua esposinha é assim tão sexy e fogosa. — Disse um dos rapazes, rindo.

— Pois é. Você realmente não sabe a sorte que tem, hein. — Acrescentou outro, em tom provocativo.

Se fosse antes, talvez Eloá se sentisse lisonjeada. Talvez achasse que, ao menos por um instante, estava à altura de Samuel.

Mas agora entendia. Não era admiração — era zombaria. Era isso que ela representava naquele ambiente: assunto para piadas.

Samuel manteve o rosto impassível. Não disse nada, mas os olhos, vez ou outra, desviavam discretamente em direção a Mirela.

Um dos amigos tentou defender Eloá:

— Já chega, galera. Não é legal ficar falando essas coisas bem na frente da Elô.

Isadora riu com desprezo:

— Relaxa. Eu vi, ela não está usando o aparelho auditivo.

A gargalhada geral veio em seguida.

Isadora, irmã de Samuel, nunca gostara dela. Desde o noivado, piorou.

Na época da faculdade, já era ela quem liderava as humilhações: leite salgado no café da manhã, cabelos cortados enquanto dormia... Todas as crueldades tinham assinatura de Isadora.

Com um sorriso forçado e desconfortável, Eloá fingiu não ter ouvido nada.

Foi então que Mirela apareceu. Imediatamente, todos se voltaram para ela.

Isadora correu ao seu encontro, cheia de entusiasmo:

— Mirela! Você voltou faz tempo e nem me procurou. Que injustiça, hein!

Os outros também se aproximaram, bajulando com naturalidade.

Afinal, eles pertenciam ao mesmo mundo.

Eloá não. Ela só teve acesso àquele ambiente por causa de Samuel.

Se lembrou, de repente, dos inúmeros desenhos que vira no escritório dele. Todos retratando Mirela.

E no verso de cada esboço, a mesma frase:

"Tudo o que eu quero é passar a vida ao seu lado."

Era a primeira vez que via Mirela pessoalmente. Os cabelos longos e ondulados dançavam com o vento. O maiô justo destacava um corpo impecável. O sorriso suave nos lábios explicava por que Samuel jamais a esquecera.

Sem graça, Eloá se virou, decidida a voltar para o quarto e continuar estudando italiano. Mas os gritos e risadas atrás dela a fizeram parar. Olhou por cima do ombro.

No meio da roda, Mirela usava um maiô igualmente provocante. Samuel, sem pensar duas vezes, cobriu o corpo dela com a toalha, dizendo que aquele tempo não era para alguém tão frágil.

Com um sorriso tímido, Mirela se aninhou no peito dele.

Era isso. Quando alguém realmente ama, não permite que a pessoa amada se exponha ao mundo. Quer proteger. Guardar. Só para si.

De volta ao quarto, Eloá pegou o celular e enviou uma mensagem ao agente de imigração:

[Como está o processo do visto?]

Aquela cidade já não significava nada para alguém como Eloá — sozinha, sem raízes, sem afeto.

Mas ir para a Itália custaria caro.

Mesmo que Samuel nunca a tivesse deixado faltar nada, ela sabia que precisaria de uma reserva sólida. Ouvira dizer que se formar por lá não era fácil, especialmente para estrangeiros.

Pensando nisso, seus olhos recaíram sobre as joias que ele lhe dera ao longo dos anos.

Não era tão altiva a ponto de rejeitar tudo, nem tão gananciosa a ponto de tomar o que não era seu.

No fim das contas, ela havia trancado a faculdade por causa de Samuel. Estava na hora de recuperar o diploma e, quem sabe, seguir com os estudos.

A voz de Isadora a trouxe de volta para o presente:

— Eloá! Cadê o chá de gengibre? — Gritou, como se falasse com uma empregada.

Esse tom mandão era marca registrada de Isadora.

Eloá ficou paralisada por um instante. Já fazia dias que não preparava o chá.

Samuel nunca avisava quando voltaria para a Residência Enseada Azul, e mesmo assim, dia após dia, ela o esperava com a bebida pronta.

Não era só chá de gengibre. Tudo o que pudesse ajudar na saúde dele, ela fazia questão de aprender. O livro grosso de receitas terapêuticas, cheio de marcações, era prova disso. Mesmo que ele só tivesse provado algumas, ela já se dava por satisfeita.

Desde a cirurgia, ela nunca mais fez isso.

— Você quer beber? — Perguntou, com expressão neutra.

— A Mirela acabou de sair da piscina. Está com frio. Vai logo fazer o chá, senão ela vai pegar um resfriado e meu irmão vai ficar preocupado! — Reclamou Isadora, como se fosse uma ordem.

Antes que ela terminasse, Mirela — sentada no sofá — tossiu duas vezes, com perfeição quase ensaiada.

— Ah, então vou pedir para a Mariana preparar. — Disse Eloá, já se levantando.

— Tem que ser feito por você. — Falou Isadora, com irritação. — Só porque não é mais o Samuel que vai tomar, você se recusa? A Mirela é a pessoa mais importante para ele. Se ela não estiver bem, ele vai ficar mal. Você não foi deixada aqui para cuidar do meu irmão?

Era para cuidar de Samuel, sim. Mas não como criada. E agora... já não precisava mais fingir.

Mirela entrou na conversa, sorrindo:

— Samuel disse que você cozinha muito bem. Será que eu teria o privilégio de experimentar o seu chá?

Eloá baixou os olhos, semblante sereno, mas a resposta veio direta:

— Não.

Queriam usar ela como uma empregada. E Mirela deixava claro, com cada palavra, quem achava que mandava ali.

Com outra entonação, Mirela tentou de novo:

— Ai, desculpa... Eu só queria provar o chá feito por você. Nem sabia que era uma exclusividade do Samuel.

No alto da escada, Samuel observava a cena. Achou estranho. Eloá, que sempre foi calma e obediente, estava diferente.

Desceu e disse ele, com naturalidade:

— Não é nada demais. Eloá, pode fazer, vai.

Mirela se apressou:

— Samuel, deixa pra lá. A Elô não parece gostar muito de mim. A gente deixa para outro dia.

Pôs a mão na cabeça, dramática:

— Estou um pouco zonza. Será que posso descansar aqui um pouco? A sua noiva não vai se importar, né?

As palavras mansas, ditas como quem não quer nada, tinham gosto de malícia.

Eloá riu por dentro: Se está doente, que vá a um hospital. Desde quando sofá cura tontura?

Mas não disse nada. Apenas sorriu, cortês:

— Então descanse bem, Srta. Mirela.

"Eu ia deixar o espaço livre." Pensei.

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