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Capítulo 4

Author: Na Medida Certa
Comecei a trabalhar feito louca em bicos.

Quando Thiago Castro me encontrou, eu estava servindo drinks em uma balada.

Não tinha escolha.

Eu precisava de dinheiro, de manhã já fazia outros trabalhos, e à noite... só esse serviço ainda pagava bem. Pelo menos era pagamento semanal.

De vez em quando aparecia um cliente folgado tentando se aproveitar, mas eu sabia muito bem me proteger. Nunca deixei ninguém passar dos limites.

Contava nos dedos o quanto ainda faltava pra, depois de uma semana, quitar tudo.

Mas, pros olhos do Thiago, meu trabalho não passava de prova de que eu tinha perdido toda a minha dignidade.

Ele apareceu no bar com alguns amigos. Bastou um olhar e ele me viu.

Na mesma hora, eu estava servindo uma bandeja. Thiago me puxou com força. As garrafas, caríssimas, escorregaram e se espatifaram no chão.

— Júlia, você fugiu de casa só pra fazer birra! A Yasmin tá quase louca de preocupação!

— E olha onde você veio se enfiar... Que vergonha, Júlia! Virar esse tipo de mulherzinha barata!

— Você não sente nem um pingo de culpa por ela?!

Ignorei completamente. Só fiquei olhando, em silêncio, pra bagunça no chão.

Que pena... mais uma noite de trabalho jogada no lixo.

Thiago, vendo meu silêncio, ficou ainda mais furioso.

O gerente correu, todo bajulador:

— Senhor Castro, o senhor conhece a Júlia?

— Ai, ai... Eu já sabia que esse jeitinho sem juízo dela ia acabar dando problema. Júlia, anda! Peça desculpa pro senhor Castro!

“Senhor Castro.”

Olha só quanta pompa.

Encarei aquele Thiago todo engravatado na minha frente... e juro, não conseguia mais reconhecer o garotinho que me arrastava pra brincar, que dizia que ia me proteger pro resto da vida.

Mas, claro... aquele Thiago morreu há muito tempo.

Hoje ele é mais um que se apaixonou perdidamente pela Yasmin.

Assim como os meus pais.

Sabe... às vezes eu acho que a Yasmin é tipo a protagonista desse mundo.

E eu... eu sou a vilã. Aquela que tá fadada a perder tudo.

Como se fosse uma maldição.

Todos que um dia me amaram... acabam amando ela.

E não importa o quanto eu tente, não dá pra fugir disso.

Thiago nem percebeu meu olhar vazio.

Me analisou dos pés à cabeça, com uma cara de nojo, como se estivesse vendo lixo.

Pegou o cardápio, pediu dez garrafas de destilado e me encarou de cima, cheio de desprezo.

— Esquece. Desculpa sua não vale nada.

— Não gosta de ficar aqui, toda faceirinha, servindo bebida pros outros? Então faz o seguinte...

— Júlia, bebe essas dez garrafas. Se conseguir, não só esqueço isso, como te dou dez mil reais. Fechou?

Não falei nada.

Apenas peguei uma das garrafas da mesa.

Ele queria ver meu vexame. Eu sabia.

Ele sabia o quanto minha vida tinha ficado miserável desde que meus pais começaram a controlar meu gasto.

Teve época que eu só fazia uma refeição por dia.

Meu estômago... já tava todo ferrado há muito tempo. Muito pior do que aquele “draminha” que a Yasmin fez anos atrás.

E pensar que esse mesmo Thiago, que no começo jurou que ia me ajudar a desmascarar a Yasmin...

Que me deu até aquele pingente de família dele, dizendo que eu podia contar com ele pra tudo...

Foi o mesmo que depois virou pra mim e disse:

— Sofrer um pouquinho não faz mal... Afinal, você deve isso pra Yasmin.

— Depois que passei a conviver com ela, percebi que ela não é uma má pessoa.

— Júlia, ela é sua irmã. Você não precisa tratá-la como inimiga o tempo todo.

Primeira garrafa... segunda...

Thiago, de braços cruzados, assistia tudo com aquele sorrisinho, esperando a hora que eu fosse desabar e pedir arrego.

Terceira... quarta... quinta...

A cara dele começou a ficar estranha.

Sexta... sétima... oitava...

Eu bebia feito uma máquina, sem pensar, sem sentir.

Até que ele não aguentou mais.

Thiago arrancou a garrafa da minha mão e a quebrou no chão, furioso.

Curiosa...

Por que ele tá bravo?

Não era exatamente isso que ele queria ver?

Vi os lábios dele se mexendo, parecia gritar:

— Júlia! Você ficou louca? Vai morrer por causa de dinheiro?

E, no segundo seguinte, aquele rosto cheio de raiva se encheu de pavor.

— Júlia... o que tá acontecendo com você?!

Meu corpo ficou mole.

Tudo girava.

Caí no chão.

Desmaiei.
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