Capítulo 3

— Essa não é a grande senhorita Talita, da família Pinto?

A voz carregada de sarcasmo ecoou pelo corredor. Flora, coberta de joias, cruzou os braços, bloqueando o caminho de Talita. Atrás dela, dois seguranças vestidos de preto permaneciam imóveis.

Talita não queria se envolver. Ela tentou desviar, mas Flora agarrou seu braço com força.

— Eu ainda não terminei de falar. Quem disse que você pode me ignorar?

— Eu não tenho nada para dizer a você. — Respondeu Talita, enquanto se livrava do aperto.

Desde que Flora foi encontrada e trazida de volta, a vida de Talita na família Pinto tinha se transformado em um inferno. Eles acreditavam que Talita havia roubado os dezoito anos de vida de Flora, tratando-a como uma vilã enviada diretamente do inferno.

E Flora, como se não bastasse, havia arquitetado algo tão desprezível que destruiu a reputação, a dignidade e a vida inteira de Talita. Mas ninguém jamais acreditou que Flora fosse a culpada. Tudo isso foi colocado nos ombros de Talita. "Ela mereceu", diziam. "Foi a punição por ter roubado a vida de outra pessoa."

Ninguém parecia se lembrar de que Talita também era uma vítima. Uma órfã que não tinha culpa de nada.

Ela tentou seguir em frente, mas os dois seguranças de Flora bloquearam seu caminho novamente. Flora revirou os olhos, com um sorriso de desdém.

— Que temperamento forte você ganhou, hein? Me diga, como é que uma porcaria descartada pela família Pinto ainda tem coragem de andar por aí? Se não fosse pelo Enrico ter te protegido naquela época, você acha que ainda estaria viva hoje?

Os olhos de Flora analisaram Talita de cima a baixo com desprezo.

— Que pena. No final das contas, você não passa de um brinquedo para ele. Nem isso, na verdade. Aposto que você já ouviu, não é? Desde que voltei, as famílias já começaram a renegociar o casamento, e ele aceitou.

Flora então sorriu, cruel:

— Você não acreditou de verdade que o grande Mestre Enrico se rebaixaria ao ponto de se casar com uma mulher suja, que nem sabe quantos homens já passaram por ela, não é? Afinal, ouvi dizer que, mesmo depois de tantos anos, ele nunca te tocou. Que vergonha...

As palavras de Flora eram como facas, cortando onde mais doía. Ela sabia exatamente onde atacar.

Talita nunca se importou com bens materiais ou dinheiro, mas ser chamada repetidamente de "brinquedo" fez seu coração apertar. Sem querer, seu rosto refletiu a dor.

Flora, percebendo a mudança em sua expressão, riu ainda mais alto, cheia de satisfação.

— Pessoas como você deveriam aceitar o destino de viver como inferiores. Não adianta tentar alcançar algo que não é para você. Você roubou a minha vida, e o que conseguiu com isso? Seus "tios" te desprezam, mas me tratam como uma princesa. Eles criaram uma empresa de entretenimento só para mim, me transformaram em uma estrela de cinema. Hoje, eles vieram até esta escola para investir em meu novo filme. E você? Olhe para si mesma, completamente arruinada. Aposto que veio aqui procurando emprego, não é? Como espera conseguir algo sem nem mesmo ter um diploma?

Cada palavra era pensada para ferir. No passado, Talita teria desabado ali mesmo, chorado, implorado, exatamente como Flora queria. Mas ela já havia superado Enrico, e agora sabia que nenhuma dessas provocações tinha o poder de destruí-la como antes.

Talita respirou fundo, mantendo a calma:

— Terminou? Então saia do meu caminho.

Ela tinha coisas mais importantes para fazer. Não perderia tempo com Flora. As mágoas do passado seriam vingadas no momento certo.

Flora ficou estática, como se tivesse batido em uma parede de algodão. A frieza de Talita a deixava furiosa. Ela encarou o rosto impecável e sereno de Talita, sentindo os dentes rangerem de raiva.

Quem diria que até agora Enrico ainda a protegia!

"Se não fosse pela consideração da família Pinto por Enrico, eu teria destruído esse rosto. Eu teria feito essa vadia rastejar no chão implorando por perdão!" Pensou Flora, irritada.

Mas o que Talita estava fazendo ali, afinal?

Talita ignorou Flora completamente e entrou no instituto de pesquisa. No entanto, foi informada de que o professor não estava disponível naquele momento. Planejando voltar à tarde, ela saiu do prédio e, para sua surpresa, encontrou uma figura que preferia nunca mais ver: Wance Serra, um ex-colega de classe.

Na época em que Talita era a "senhorita" da família Pinto, Wance a havia cortejado, mas ela o rejeitou. Quando a verdadeira identidade de Talita veio à tona, Wance foi o primeiro a se aproveitar da situação, espalhando rumores maliciosos de que ela se prostituía por quinhentos réis a noite.

Ao vê-lo, Talita sentiu uma onda de repulsa e tentou evitá-lo.

Mas Wance foi mais rápido e bloqueou seu caminho.

— Ora, ora, olhem quem está aqui! A nossa querida ex-senhorita da família Pinto. Ah, não, agora é Esteves, não é? Srta. Talita, o que faz aqui? Está sem opções e veio pedir emprego?

Ele a examinou de cima a baixo com um olhar malicioso, como se estivesse se divertindo com a situação.

— Pois saiba que agora eu trabalho aqui. Se quiser, pode me pedir ajuda. Quem sabe, com um pouco de... esforço da sua parte, eu possa te dar uma chance.

Os olhos dele passearam descaradamente pelo corpo de Talita, provocando nela uma sensação de nojo.

Antes que ele pudesse dar o próximo passo, o som de um tapa ressoou no ar.

O rosto de Wance virou com o impacto, e ele ficou paralisado. Ele nunca esperava isso de Talita, que sempre fora conhecida por ser uma gigante nos estudos, mas uma covarde na vida pessoal.

No passado, cada tentativa de humilhá-la acabava com ela chorando. Mas agora, ela havia mudado.

— Você!

— O que tem eu?

Talita encarou Wance com seus olhos brilhantes e determinados, mas havia algo selvagem em seu olhar que o intimidou por um momento. Wance ficou mudo, sem coragem de continuar falando.

Aproveitando a oportunidade, Talita virou-se e saiu sem perder tempo.

Mal sabia ela que, no andar superior do instituto, atrás de uma grande janela de vidro, um homem de aparência fria e imponente observava tudo.

Ele tinha uma postura alta e ereta, exalando uma autoridade natural. Vestia um terno preto impecável, cada botão personalizado, e seus detalhes, como a presilha da gravata e os abotoados, transbordavam luxo e sofisticação.

Ao ver a cena, os lábios dele se curvaram levemente em um sorriso. Ele virou-se para Felipe, que estava próximo, e comentou com uma risada baixa:

— Já que decidiu aceitá-la como aluna, por que deixá-la acreditar que você não estava aqui e fazê-la passar por tantos obstáculos?

Felipe, enquanto apressava-se em organizar alguns papéis, balançou a cabeça e respondeu:

— Você não entende. Para ter sucesso, é preciso primeiro aprender a lidar com dificuldades. Eu preciso ensinar isso a ela.

O homem voltou ao sofá e se acomodou, batendo os dedos contra a perna de forma ritmada. Seu olhar profundo fixou-se em Felipe.

— Você fala de ensinar lições, mas preparou os materiais especialmente para ela. Professor, ciência exige absoluta dedicação e rigor. Esse seu método, eu não aprovo.

Sua voz era direta, fria e desprovida de qualquer traço de compaixão.

Felipe, irritado, bufou e abriu os olhos com indignação:

— Ela é a Talita Pinto de antigamente! Você faz ideia de quantos anos leva para surgir alguém como ela? Quando mostrei as notas dela para você, anos atrás, você mesmo disse que ela era um gênio. Esqueceu disso?

— Você mesmo disse, professor, isso foi no passado. — O homem retrucou, jogando um dos documentos sobre a mesa. — Ela abandonou os estudos por causa de um homem, preferiu se rebaixar a ser um mero "animal de estimação" dele. Dois anos afastada da sociedade, e você ainda espera que ela produza algo relevante?

— Vamos fazer uma aposta! — Felipe levantou as sobrancelhas com confiança, certo de que conhecia bem sua ex-aluna. — O resultado que você quer na primeira fase do projeto só ela consegue alcançar. Se ela não conseguir, eu a mando embora. Mas, se ela conseguir...

— Quando ela conseguir, conversamos. — O homem o interrompeu friamente. Seu olhar passou rapidamente pela foto de identidade anexada aos documentos.

Era uma imagem de Talita, com seu sorriso radiante, brilhante como as estrelas, como se todo o mundo coubesse dentro daqueles olhos.

"Que desperdício para uma garota..." Pensou o homem, sem demonstrar nada em sua expressão.

Do lado de fora do instituto, Talita respirou fundo, sentindo uma mistura de emoções que mal conseguia descrever. Porém, ela já havia tomado sua decisão e não deixaria que pequenos contratempos a abatessem.

Enquanto se preparava para ir embora, seu celular tocou. Era uma ligação de seu tio Jorge.

Ao atender, ela ouviu a voz dele, que parecia um pouco apressada e ansiosa:

— Lita, estou indo para Chimolo resolver algumas coisas e não posso sair daqui. Será que você poderia me ajudar com uma coisa...?