Share

Capítulo 0003

Author: Isabel Cardoso
O desprezo nas palavras de Fernando e o escárnio em seus olhos eram como tapas invisíveis que me atingiam com força, me lembrando cruelmente de quem ele havia sido no passado.

Conheci Fernando pela primeira vez na festa de dezoito anos de Luiz, quando ele me levou até a mansão antiga da família Teixeira para me apresentar aos seus parentes.

Naquele momento decisivo, Luiz declarou com convicção que eu seria parte da família Teixeira para sempre, prometendo me proteger enquanto vivesse.

Fernando, que estava distraído com seu videogame, ergueu a cabeça imediatamente e me examinou com curiosidade antes de sorrir de forma calorosa.

— Já que o Luiz falou assim, a Ana também vai ser minha pessoa agora, e eu vou cuidar dela também. — Disse ele, fazendo com que todos os olhares presentes se voltassem para mim de uma só vez.

A atenção repentina me deixou completamente perdida e em pânico, mas Fernando largou o celular sem hesitar e cobriu minha mão com a sua, grande e quente.

— Vem, Ana, vou te levar para conhecer a cidade e a gente vai se conhecer melhor. — Anunciou ele, me colocando no carro antes que eu pudesse protestar.

Rodamos pela cidade inteira naquela tarde, e se Luiz não tivesse ligado nos chamando de volta, Fernando teria me levado para ver o mar também.

Quando finalmente descemos do carro, ele apertou minha bochecha com carinho, seus olhos jovens brilhando com sinceridade pura.

— Ana, não fica só brincando com o Luiz não, olha para mim também. — Pediu ele, com um sorriso genuíno.

Daquele dia em diante, passei a morar com Luiz, enquanto Fernando se tornava presença constante em nossa casa.

Ele sempre me levava para sair, primeiro explorando cada canto do país, depois nos aventurando pelo exterior quando o território nacional já não bastava mais.

No dia da minha formatura universitária, quando eu me sentia como uma estrela cercada de admiradores, Fernando e Luiz estavam lá para me apoiar. Naquela noite mágica na praia, Fernando queimou fogos de artifício por horas a fio antes de se declarar para mim, fazendo meu coração disparar por um instante.

Estava prestes a responder quando uma mão firme cobriu minha boca, e o perfume familiar de Luiz me envolveu. Diante de nós, Fernando já não sorria mais.

— A Ana ainda é muito nova para pensar em namoro, Fernando. Não vai corrompendo ela. — Disse Luiz, em tom baixo, mantendo controle sobre mim.

Vi Fernando baixar os olhos com mágoa, e mesmo sentindo pena dele, não pude fazer nada além de aceitar o controle de Luiz sobre a situação.

Imaginei que aquela noite marcaria o fim da nossa proximidade, mas no dia seguinte Fernando apareceu como sempre, me convidando para passear enquanto Luiz simplesmente permitia, como se nada tivesse acontecido entre nós.

Tudo mudou quando Milena voltou. Comecei a ver Fernando cada vez menos, Luiz parou de dormir em casa, e aquela residência que antes era nossa se tornou meu refúgio solitário.

Passei a língua pelos lábios ressecados antes de responder com a voz rouca e quase irreconhecível:

— Eu não estou com raiva.

Fernando suspirou aliviado, e sua expressão se suavizou visivelmente.

— Ainda bem, Ana. Quando você melhorar, vou te levar para passear de novo.

Forcei um sorriso indiferente, me lembrando de como tudo havia mudado. Depois da sua declaração, Fernando deixou de se ver como meu irmão.

Mas no dia em que Milena retornou, após eu chamá-lo pelo nome no camarote, ele fechou a cara imediatamente.

— Ana, você tem que me chamar de irmão. — Disse ele, com frieza.

Desde então, voltou a se referir a si como meu irmão, me obrigando a fazer o mesmo. Aquelas memórias eram belas demais, e mesmo agora me traziam uma saudade involuntária que apertava meu peito, mas sempre havia alguém para me despertar e me mostrar qual era realmente meu lugar.

Luiz consultou o relógio e suavizou a voz:

— Já que vocês se entenderam, Ana, descansa bem agora. Não pensa em nada, dorme um pouquinho que vai passar.

Dormir realmente resolveria tudo? Seria possível fingir que nada havia acontecido apenas dormindo?

Concordei com a cabeça, embora não acreditasse naquela solução superficial.

Depois que Luiz saiu e Fernando foi chamado pela empresa, fiquei sozinha no quarto do hospital com Milena, o que me surpreendeu bastante. Desde o primeiro dia do seu retorno, ela demonstrava aversão por mim com aquele olhar altivo e desdenhoso, como se eu fosse apenas uma formiga insignificante.

Exatamente como estava olhando para mim agora.

Desviei o olhar, mas a voz de Milena me perseguiu como uma sombra.

— Ana, você tem uma sorte danada de estar viva depois de tudo isso. Mas é melhor mesmo que tenha sobrevivido, porque agora vai poder ver com seus próprios olhos como é estúpido querer me substituir. — Declarou ela, com crueldade.

Substituir? Nunca havia pensado nisso.

— Você está enganada, nunca quis substituir você. — Respondi, com sinceridade.

Milena riu com escárnio, seus olhos brilhando com malícia.

— Ah, é mesmo? Então por que não vai embora e os deixa em paz? E não me venha com essa história de querer retribuir a bondade deles, Ana. Você não vai me dizer que ainda acredita que o Luiz te comprou por pena, vai? Nunca reparou como somos parecidas?
Continue to read this book for free
Scan code to download App

Latest chapter

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0009

    Eu nunca consegui esquecer o olhar dele no momento em que caiu do penhasco. Havia sofrimento estampado nos traços, mas, ainda assim, ele insistiu em me dirigir um sorriso torto, quase desafiador.Ele chegou a mover os lábios, mas eu jamais soube o que tentou me dizer naquela fração de segundo.Depois que saí da delegacia, acompanhei Enrico até o carro.Pouco antes de partir, Luiz lançou um olhar na minha direção. O semblante dele, tão abatido, denunciava o peso da perda de Fernando e Milena, que o haviam atingido de uma forma irreparável.Achei que talvez ele fosse me dizer algo, mas só desviou os olhos, frio, antes de sumir pela porta.Continuei morando em Santa Maria, trabalhando na pousada como de costume, enquanto Luiz desapareceu da minha rotina e nunca mais foi visto na cidade.Até que, certo dia, uma multidão chegou de repente em Santa Maria, e meu primeiro impulso foi achar que estavam ali para arranjar confusão.Pensei em ligar para a polícia, mas Enrico segurou minha mão, sor

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0008

    Luiz e Fernando haviam se mudado para a casa ao lado, e eu vivia cruzando com eles pelos arredores da pousada.Naquele dia, saí para comprar algumas coisas, mas logo senti que alguém me seguia. Apertei o passo, tentando despistar, acreditando que, talvez, fosse apenas Luiz ou Fernando de novo.Só que, de repente, tudo ficou preto e apaguei.Quando recobrei a consciência, estava à beira de um penhasco, Milena do meu lado. Ela parecia exausta, nada lembrava a mulher orgulhosa de antes.Segurando uma faca contra meu pescoço, ela falava com uma raiva contida:— Ana, você nunca se compara a mim. Por que eles escolheriam você? Olha só, até agora parece que nada te abala! Quero ver se mantém essa coragem quando eles chegarem, não me venha implorar, hein.Eu tentei falar, mas havia um pano enfiado na minha boca, impossibilitando qualquer palavra.Pouco depois, vi Luiz e Fernando correndo ao longe.O olhar deles era inquieto, mas ambos hesitavam em se aproximar.Milena soltou uma risada, desliz

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0007

    Então Enrico ainda se lembrava daquele vídeo.Luiz e Fernando chegaram com todo o grupo deles e se hospedaram na pousada, o que me surpreendeu bastante considerando que Santa Maria fica a quilômetros de distância de Oeiras. Era verdade que a cidade tinha apostado pesado no turismo nos últimos dois anos, conseguindo atrair muitas empresas, mas mesmo assim não esperava que eles viessem pessoalmente até ali.Eu estava entediada atrás do balcão, folheando algumas ilustrações sem prestar muita atenção, quando escutei uma voz familiar me chamando.— Ana, precisamos conversar. — Disse Milena, se aproximando com aquela pose superior de sempre, embora dessa vez eu pudesse notar que seus ombros não estavam tão rígidos quanto antes, como se ela estivesse lutando para manter a compostura.Quando chegamos ao jardim, ela enfiou a mão na bolsa e puxou um cartão de crédito.— Tem cinco milhões aqui dentro. — Ela anunciou, estendendo o cartão na minha direção. — Sai do país, Ana.A surpresa me deixou

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0006

    Percebi o rancor por trás das palavras dele, mas não liguei e subi as escadas. O olhar sombrio de Fernando fez meu coração, que havia se acalmado momentos antes, acelerar novamente numa inquietação que eu conhecia bem demais.Ele era um louco mesmo.Talvez Luiz já tivesse superado o passado, mas Fernando claramente ainda carregava aquele rancor todo.Fiquei sentada na cama pensando nisso quando de repente alguém bateu na porta. Mal abri e uma pessoa se espremeu para dentro sem cerimônia.Era Fernando, que agarrou meu pulso antes mesmo que eu pudesse reagir, e logo em seguida entrou mais alguém. Luiz mantinha aquela expressão indiferente de sempre enquanto caminhava com passos calmos e calculados para dentro do meu quarto. A porta se fechou com um baque surdo que soou como uma sentença.Fernando segurou meu queixo com força desnecessária, seus olhos pareciam arder em chamas contidas.— Ana, ainda tem coragem de fingir que não me conhece? — Disse ele, com a voz carregada de algo perigos

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0005

    A pousada recebia apenas um ou dois hóspedes ocasionalmente, o que me deixava bastante ociosa na maior parte do tempo, mas mesmo assim o patrão era generoso com o salário. Descontando o aluguel, eu ficava com quatro mil reais líquidos.No primeiro mês comprei um celular novo e fiz uma linha telefônica usando os documentos do patrão.— Você não tem medo de que eu seja uma pessoa perigosa? — Perguntei certa vez. — Tipo uma assassina fugindo da polícia?O patrão olhou para mim demoradamente, e em seus olhos pude ver um desprezo que não chegava a ser zombaria.— Com esses seus braços e pernas de palito, assassina? — Ele riu. — Se for para falar a verdade, eu tenho muito mais cara de assassino que você.Sua expressão ficou sombria por um instante, mas eu não senti medo algum. Meu patrão, Enrico Ramos, era daqueles homens durões por fora, mas com coração de manteiga.Os dias se arrastavam monótonos e tranquilos.Naquele dia eu varria o chão quando Enrico aumentou o volume do vídeo que assis

  • Amada na Mentira, Afogada na Verdade   Capítulo 0004

    O choque me atingiu como um soco no estômago. Minhas pupilas se contraíram num instante enquanto encarava Milena, que arqueou as sobrancelhas com uma expressão de quem havia acabado de desvendar um grande mistério.— Você realmente não sabia disso? Ai, meu Deus, Ana, você é mesmo muito ingênua! Nunca perguntou para o Luiz por que ele te levou para casa? Como consegue ficar tão de boa assim, sem curiosidade nenhuma? — Ela riu com maldade pura.Como não teria perguntado? Na festa de aniversário do Luiz, depois de alguns drinks, criei coragem e fiz aquela pergunta diretamente para ele.Lembrei que ele ficou meio sem jeito por uns segundos antes de passar a mão suavemente no canto do meu olho.— Quando te vi pela primeira vez, aquela tristeza profunda no seu olhar me chamou atenção. — Ele havia murmurado. — Naquele momento só queria te salvar, você parecia uma flor murcha, e eu queria ver como seria quando florescesse de novo. Agora você voltou à vida e está igual àquela rosa que segurava,

More Chapters
Explore and read good novels for free
Free access to a vast number of good novels on GoodNovel app. Download the books you like and read anywhere & anytime.
Read books for free on the app
SCAN CODE TO READ ON APP
DMCA.com Protection Status